Fauna Brasileira, mais uma riqueza esquecida do país

Nas minhas andanças, discussões, aulas e palestras sempre procurei chamar a atenção das pessoas que me ouviam, particularmente os meus alunos, sobre a necessidade de conhecermos bem as nossas riquezas naturais, tanto biológica, quanto geológica e mesmo paisagística (cênica).

No meu caso específico, como zoólogo que sou, sempre me preocupei bastante com a fauna brasileira, a qual lamentavelmente sempre foi muito pouco conhecida pelos brasileiros, mas em contra partida é estranhamente conhecida e cobiçada (pelos mais diversos motivos) pelos estrangeiros. Chego mesmo a “brigar” com meus alunos para demonstrar que a fauna brasileira precisa ser mais bem divulgada para ser efetivamente conhecida e, se possível, popularizada no Brasil. Publiquei inúmeros artigos sobre a necessidade de ampliar o conhecimento da fauna brasileira. Além disso, orientei alguns alunos em seus respectivos Trabalhos de Conclusão de Curso, com temas relacionados a essa questão.

Trabalhei tanto esse problema que cheguei ao cúmulo de fazer uma pesquisa de opinião das mais diversas pessoas e colecionar informações durante mais de 25 anos, para ver se o conhecimento sobre a fauna brasileira melhorava no seio da população de nosso país.

Entretanto, parece que tudo tem sido em vão, pois, na verdade, as coisas aparentemente têm andado para trás. Isto é, parece que quanto mais o tempo passa, o número de espécies ameaçadas de extinção só aumenta, a necessidade do conhecimento se amplia e cada vez menos os cidadãos brasileiros adquirem esse conhecimento necessário sobre a fauna nativa do país.

Mais desagradável ainda é que esse presságio se amplia e parece que cada vez menos as pessoas querem conhecer a fauna nacional, até porque isso não aparenta ser algo que tenha efetiva importância para a população. Infelizmente, temo que isso também seja verdade também para outros atributos naturais do Brasil e sinto que estamos, cada vez mais, perdendo a noção dos valores no que se refere ao Patrimônio Natural Brasileiro como um todo, pois estamos deixando esse aspecto para segundo, ou mesmo terceiro plano na nossa ordem de prioridades.

Diferentes níveis de governos e de populações entendem que cuidar da natureza e do Patrimônio Natural não é uma questão significativa e não deve ter nenhuma relevância nacional. Faz algum tempo (ocorreu precisamente no dia 04/12/2012), na Instituição de Ensino Superior onde trabalho, durante a apresentação de um Trabalho de Conclusão de Curso de uma aluna orientanda de outro colega (MONTEIRO & MENDONÇA, 2012), que também é Biólogo e Professor, aconteceu um episódio bastante lastimável que quero aqui relatar e discutir.

No episódio, pude observar que tudo aquilo que tenho acompanhado nos últimos 30 anos sobre a questão do desconhecimento e consequente desinteresse pela fauna brasileira, lamentavelmente, só está piorando e que talvez triste equívoco até já tenha ficado fora do controle.

O Trabalho da jovem tratava sobre os Canídeos e Felídeos Brasileiros e foi desenvolvido através de entrevistas entre estudantes de Ensino Fundamental (6° e 9°anos), Ensino Médio (1° e 3°anos) e Ensino Superior (1° e 3°anos dos Cursos de Pedagogia e Licenciatura Plena em Biologia – cursos que formam Professores e Biólogos), de 10 escolas diferentes das cidades de Campos do Jordão, Guaratinguetá e Lorena.

Um dos objetivos do trabalho era saber se as pessoas (os estudantes entrevistados) seriam capazes de identificar os Canídeos e Felídeos brasileiros dentre vários animais dessas duas famílias de Mamíferos Carnívoros que lhes eram apresentados através de algumas imagens. Achei muito interessante a Metodologia proposta no trabalho e por conta disso mesmo acabei parando para assistir a apresentação.

Embora o trabalho da menina tenha sido muito bem feito e aproveito aqui para parabenizá-la e também o seu Professor Orientador pela iniciativa de tratar de um assunto como esse e pelo resultado assustador da pesquisa desenvolvida. Devo confessar que fiquei estupefato e estarrecido com os absurdos naturais que foram revelados com os resultados obtidos no trabalho. Bem, dentre os vários absurdos encontrados nos resultados obtidos pela aluna, vou aqui destacar alguns que me deixaram estupefato. Imaginem os Senhores, que a grande maioria dos estudantes entrevistados não foi capaz de identificar os animais brasileiros e mais, que dentre os quase 500 estudantes, NINGUÉM, isso mesmo NINGUÉM, identificou o nosso conhecidíssimo “Cachorro-do mato” (Cerdocyon thous), que é um animal ainda relativamente comum e fácil de ser encontrado aqui na região do Vale do Paraíba e também ninguém identificou o “gato-mourisco” (Herpailurus yagouaroundi), que embora seja realmente um animal raro e pouco conhecido, não dá para entender como é possível que NINGUÉM tenha conhecimento de sua existência, principalmente quando se está dentro de instituições de ensino.

Meu Deus! Se as pessoas (estudantes) não reconhecem nem mesmo o “Cachorro-do-mato” como animal da fauna brasileira, então como podem proteger aquilo que não conhecem? E mais, como podem amar aquilo que nem sabem que existe? Isso é muito complicado na minha cabeça e espero que também seja na cabeça dos Senhores leitores.

Mas, pior que isso, foi o fato de que, no mesmo trabalho, foi relatado que alguns dos estudantes não reconheceram o “Leão” (Panthera leo) e o “Tigre” (Panthera tigris), outros não identificaram o “Leão” como sendo um animal exótico e estranho à fauna brasileira, outros ainda não identificaram a nossa “Suçuarana” ou “Onça-parda” (Puma concolor).

Quer dizer, os estudantes brasileiros não reconhecem o “Cachorro-do-mato”, nem a “Suçuarana” que ainda são relativamente comuns no Brasil e acreditam que o “Leão” e o “Tigre”, que são totalmente estranhos, sejam nativos de nosso país. Em suma, infeliz e lamentavelmente a realidade natural e os valores a ela relacionados estão total e radicalmente invertidos em nosso país.

O pior é que há alguns idiotas (inclusive eu), que ainda estão preocupados com a Proteção da Fauna Nativa Brasileira. Caramba! Proteger o quê? Proteger algo que não existe? Sim, eu e outros idiotas estamos preocupados com um “fantasma” que ninguém conhece e que, portanto, parece realmente não existir.

Pois é, como vamos fazer os estudantes e as demais pessoas se importarem com aquilo que não existe? O trabalho da menina demonstrou mais uma coisa muito estranha que foi o seguinte: “aparentemente as pessoas das populações mais pobres não conhecem a fauna brasileira porque não assistem programas sobre fauna na televisão aberta ou assistem pouco”.

Por outro lado, “as pessoas mais ricas também não conhecem a fauna brasileira porque assistem “Discovery”, “Animal Planet”, “National Geography” e outras redes internacionais de TV fechadas”, que divulgam temas interessantes sobre a fauna pelo mundo afora, porém não fazem referência obrigatória ou específica à fauna brasileira em seus documentários, porque não têm nenhum compromisso, nem preocupação com os interesses educacionais do Brasil.

Quer dizer, o meio de comunicação televisivo que poderia ser muito útil para a formação de nossos jovens, mormente nos aspectos relacionados ao nosso Patrimônio Natural, acaba sendo bastante prejudicial, quando não é diretamente orientado à realidade nacional. Assim, ao invés de educar, acaba deseducando mais os jovens estudantes e também as demais pessoas que assistem a programação porque têm interesse no assunto.

Acho que é por isso que nós, aqui no Brasil, temos algumas ONGs fazendo campanhas para defender e proteger o “Panda” ou mesmo o “Coala”, que não ocorrem naturalmente no Brasil, mas não temos campanhas para defender o “Cachorro-do-mato” ou o “Gato-mourisco”, que podem estar no fundo do quintal de nossas casas.

Na verdade o que interessa são as grandes propagandas na mídia de alguns “bichinhos bonitinhos” deliberadamente escolhidos pelo mundo. Há mais de 20 anos, publiquei um artigo onde chamava a atenção para esse fato e vejo, tristemente, que nada mudou. Infelizmente, a maioria de nós, brasileiros, continuamos sendo ludibriados por interesses estrangeiros, além de estarmos investindo alto e fazendo graça para gringo rir e ganhar mais dinheiro. Lamento muito que quase todo bebê brasileiro, ao nascer, ganhe de presente um “ursinho-de-pelúcia”.

Embora eu não tenha absolutamente nada contra o “ursinho-de-pelúcia”, acho até que ele é “bonitinho”. Porém, penso que já passou da hora de começarmos a agir de outra maneira e iniciar a distribuição de “cachorrinhos-do-mato”, “gambazinhos”, “antinhas”, “jaguatiriquinhas”, “lontrinhas”, “oncinhas”, “muriquizinhos” e outros tipos de “animaizinhos brasileiros-de-pelúcia” para os bebês brasileiros e para as nossas crianças em geral.

Dessa maneira, quem sabe nossas crianças comecem a conhecer e identificar os animais da nossa fauna e assim, num futuro próximo, possam amá-los e talvez até queiram protegê-los. Esse quadro de desleixo em relação ao nosso Patrimônio Faunístico, que a maioria dos brasileiros não sabe, mas é a maior diversidade de animais do planeta, está feio e precisa melhorar muito.

A situação de desconhecimento dos brasileiros em relação a quantidade de espécies de animais aqui encontrados é ultrajante e tem me incomodado bastante. Não dá para admitir, que em pleno século XXI ainda tenha brasileiro achando que precisa ir para qualquer outro lugar para observar animais, se aqui no Brasil tem o maior conjunto de animais da Terra.

Fico particularmente aborrecido, quando vejo vários estudantes de um Curso de Graduação em Biologia, aqui no Vale do Paraíba, que não sabem, por exemplo, o que é ou quem é o “Muriqui” (Brachyteles arachnoides), sendo esse animal o maior macaco das Américas. Uma espécie de Primata que pode alcançar mais de 1,20 metros de altura e que é exclusivo da Mata Atlântica do Leste do Brasil, ou seja, que ocorre aqui da nossa Região Vale-paraibana.

Tudo bem, que hoje se trata de uma espécie rara, bastante ameaçada de extinção e por isso mesmo muito difícil de ser encontrada, mas ainda assim, não justifica o desconhecimento total de um animal de grande porte, conspícuo, da mesma ordem de mamíferos que a nossa e por isso mesmo de notória importância.

Aliás, quero crer que deveríamos exatamente aproveitar a raridade e a importância dessa espécie para fazer a sua propaganda e a sua divulgação popular, a fim de que as pessoas pudessem efetivamente conhecê-la melhor e assim trabalhar na sua preservação. Até, porque a principal causa da quase extinção da mesma, além da degradação e diminuição quase total do seu habitat natural, foi ter servido exaustivamente de caça para ser utilizado como alimento aos humanos no passado. Isto é, nós humanos somos realmente os principais responsáveis pela quase extinção dessa magnífica espécie animal, porque destruímos o seu habitat, caçamos os indivíduos significativamente e nos alimentamos diretamente dela. Alguma coisa está efetivamente muito errada e precisa ser corrigida urgentemente.

A fala não condiz com a ação, pois estamos falando tanto em Educação Ambiental, em Sustentabilidade, em Preservação da Natureza e da Biodiversidade, em Proteção da Fauna, mas o que estamos fazendo de fato sobre essas questões não passa nada perto da realidade que estamos vivendo. Afinal de contas, qual o nosso verdadeiro compromisso com o Patrimônio Natural da “Terra Brasilis” em geral e com a fauna brasileira em particular?

Referência Bibliográfica

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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