A Importância Social da Divulgação Científica
Resumo: O texto trata de um assunto que embora seja muito importante e pouco discutido em nosso país, que é a Divulgação Científica e possivelmente por conta dessa carência de informação científica é que a população brasileira permaneça no marasmo em relação a outros povos. O artigo aborda o conceito de Divulgação Científica e as dificuldades metodológicas e operacionais de introduzir essa ferramenta valiosa e necessária de comunicação social nas diferentes comunidades brasileira.
A Importância Social da Divulgação Científica
Obviamente todo cidadão coerente e consciente sabe que a ampliação do conhecimento humano é consequência da progressão efetiva da Ciência e de sua aplicabilidade, isto é, daquilo que modernamente se convencionou chamar de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Por sua vez, a Ciência é um atributo próprio e particular do Cientista (Pesquisador) e ela possui linguagem, foro de discussão, local de publicação próprios e muitas vezes, bastante distantes e diferentes dos padrões comunitários e sociais mais comuns. Quer dizer, a Ciência é desenvolvida para o benefício da sociedade, mas essa mesma sociedade, muitas vezes (na maioria delas), nem mesmo conhece aquilo que a Ciência produz ou está produzindo para tentar melhorar a vida social humana, porque em geral o cientista costuma ser um cidadão bastante distante do cidadão comum nas comunidades particulares e na sociedade como um todo.
Desta maneira, a sociedade que paga a Ciência e o cientista para que sejam desenvolvidas coisas e situações melhores na vida das pessoas da própria sociedade, acaba não tendo nenhum conhecimento sobre o que a Ciência e o cientista efetivamente fazem. Pois então, na grande maioria das vezes a sociedade para qual a ciência existe, não tem nenhuma noção sobre o que e em que a ciência está trabalhando e produzindo. Isso acontece porque, em certo sentido, a ciência é muito elitizada ou, pelo menos, muito fechada em seu próprio meio e a maioria da sociedade não consegue penetrar nesse “mundo diferente”, que é o meio científico.
Mesmo os diferentes setores da ciência acabam não conversando entre si e assim tudo é realmente muito estranho no ambiente científico, mesmo entre diferentes grupos de cientistas. A informação é limitada àquelas pessoas que dependem e que de alguma forma dominam parte dessa mesma informação. É como se as demais pessoas dos demais grupos da sociedade não existissem, porque de fato, essas pessoas não têm nenhum tipo de relacionamento com o meio científico específico.
Geralmente, quando uma nova descoberta (informação) foge ao controle acima estabelecido e acaba atingindo o nível social, chegando ao conhecimento público (popular), essa descoberta já está quase que arcaica no meio científico específico no qual ela foi gerada. Obviamente existem raras e importantíssimas exceções a essa situação, que ocorrem quando a informação científica em questão está relacionada com um assunto de destaque e de grande visualização na mídia, mas isso é raro. O crescimento científico geralmente acontece através de várias situações de tentativas e erros, os quais gradativamente vão ampliando o nível do conhecimento sobre a determinada questão ou área, até que se cria uma nova ideia, que produz um nova informação, que gera um novo conceito, a desenvolve uma “nova verdade”. Em outras palavras, o conhecimento científico raramente produz grandes efeitos ou grandes saltos em pouco tempo, porque o conhecimento científico é cumulativo e assim o desenvolvimento da ciência é progressivo e gradual.
Desta maneira a Sociedade em geral, que banca e paga a Ciência e o cientista, quase nunca interfere na atividade científica em si. Na maioria das vezes, somente alguns setores do governo e do próprio meio científico são aqueles sujeitos que atuam nessa linha tênue que determina o hiato entre o que a ciência pode e deve fazer e o que efetivamente ela faz. Talvez a leitura do livro de Bernard Dixon (“Para que serve a Ciência?”), que foi escrito, em 1976, seja oportuna para permitir que os interessados possam entender um pouco melhor sobre essa questão.
O crescimento científico só é claramente percebido pela sociedade quando produz um efeito altamente significativo, isto é, um resultado positivo para muitas pessoas ao mesmo tempo. Assim, toda a trama da pesquisa científica até a “descoberta final”, parece que não são socialmente importantes, apenas o “grande resultado final” é o que importa. Nesse sentido, a ciência parece “coisa do outro mundo”, que de repente produz mágicas e os cientistas se assemelham com “super homens” que certamente não fazem parte da mesma sociedade que os demais seres humanos.
Para tentar demonstrar a veracidade desse pensamento será destacado um exemplo que deverá clarificar um pouco mais a sua abrangência. Desta maneira, imagine que hoje a grande mídia internacional anunciou a descoberta de uma nova vacina que irá currar uma moléstia até então sem cura e que por isso mesmo já havia dizimado muitas vidas humanas. Jornais, revistas, rádios, televisões, internet, enfim todo mundo informa sobre a “nova descoberta” e assim grande parte da sociedade é informada sobre a mesma. Isso acontece como se todo o processo da descoberta tivesse sido planejado, desenvolvido e concluído naquele mesmo dia, ou seja, hoje, no exemplo em questão. É como se houvesse um esquecimento de que, muito provavelmente aquela vacina estava sendo estudada, preparada, desenvolvida e testada há vários anos e o sucesso da sua criação hoje, certamente é consequência de inúmeros insucessos e de vários pequenos sucessos que ocorreram ao longo desses anos.
É exatamente assim que acontece, ou seja, tudo ocorre e a sociedade que financiou e que será a beneficiária da descoberta normalmente não fica sabendo de nada sobre esse período intermediário e dos acontecimentos que nele tenham ocorrido. Mas, esse fato gera algumas dúvidas e alguns problemas: porque a sociedade não fica sabendo o que acontece? Porque ela não quer? Ou porque “não acham” que ela deva saber? Ou porque de fato esses acontecimentos intermediários não são realmente importantes? Ou será uma mistura de todos esses motivos? Por fim, a pergunta maior é a seguinte: quem é que determina e valoriza todos esses motivos?
Por outro lado, existe uma outra questão não menos interessante e nem menos importante que são as novas terminologias e conceitos oriundos das novas descobertas ou criados a partir das novas linhas de pensamentos e novos mecanismos desenvolvidos. Essas palavras e seus respectivos significados devem e têm que ser popularizados (socializados) e entendidos ao longo do tempo, porque muitas vezes envolvem novos procedimentos e novos qualificativos específicos, sem os quais talvez não seja possível desenvolver alguma atividade consequente. Mais um exemplo provavelmente deverá permitir que se esclareça melhor o problema.
Imagine que de repente uma determinada palavra surge do nada, como se antes nada relacionado a ela existisse e começa a ser repetida inúmeras vezes aleatoriamente e as pessoas se acostumam com seu uso e seu conceito se espalha na população. Mas, se esse conceito não estiver bem estabelecido e definido, muitas vezes ele se vulgariza, de deturpa e sua aplicabilidade acaba sendo um tiro pela culatra, que ao invés de ajudar atrapalha mais a noção que se queria ter sobre a questão. Esse fato também produz uma outras perguntas: de quem é a culpa da popularização errônea e indevida do conceito, da ciência ou de quem socializou a informação? Será que essa ideia errônea não foi feita propositalmente, a fim de defender algum outro interesse?
Conforme foi tentado demonstrar, existem várias maneiras da informação científica ser apresentada e consequentemente popularizada, porém é preciso ter cautela, porque todas essas maneiras envolvem questões que podem produzir dúvida, confusão, ou mesmo erro, por causa do grande afastamento entre a Ciência e a Sociedade. Por conta disso, a informação científica precisa ser passada à Sociedade de forma clara, objetiva, com linguagem simples e verdadeira. Pois então, esse mecanismo de transmitir a informação científica à sociedade é o atributo maior da Divulgação Científica.
Para que a Sociedade e a Ciência possam caminhar lado a lado, mais intimamente ligadas e relativamente bem unidas é fundamental aquilo que se convencionou chamar de Divulgação Científica, que, na verdade, é o principal mecanismo de popularização da Ciência. A Divulgação Científica consiste em produzir informações populares sobre as informações científicas. Isto é, trazer a linguagem científica em linguagem simples, através de publicações periódicas populares não científicas, a fim de permitir que a Sociedade possa efetivamente se apropriar e tomar conhecimento da Ciência que ela financia e também sobre as questões específicas de cunho científico que possam interessar aos diferentes segmentos sociais.
Além disso, a Divulgação Científica também deve desenvolver mecanismos que estabeleçam e esclareçam os termos novos que são inseridos no meio social em função dos avanços científicos e principalmente os seus respectivos conceitos, de maneira tal que não produzam noções dúbias ou mesmo errôneas. Os termos científicos, que, a princípio são difíceis, estranhos e até aparentemente desagradáveis aos ouvidos, devem ser popularizados sem perder seus respectivos fundamentos. A sociedade deve receber o novo termo com a verdadeira noção que ele traz, sem qualquer facilitação que possa imperfeiçoar essa noção. As metáforas auxiliam bastante, pois servem para esclarecer e às vezes são muito bem vindas, porém existem determinadas situações em que elas acabam atrapalhando e assim prejudicando o conceito. É preciso ter bastante cuidado com o uso das metáforas para esclarecer questões científicas.
A Divulgação Científica é uma atividade social extremamente importante e precisa ser melhor utilizada, tanto pela mídia, quanto pela educação em geral, porque é através dela que os novos mecanismos científicos, as novas formas de pensar, agir e expressar metodológica e cientificamente são inseridos e agregados à Sociedade. Sem a Divulgação Científica a Ciência continua isolada e fechada em si mesma, como algo independente da Sociedade. A popularização do conhecimento científico é o principal atributo da Divulgação Científica e também é tarefa vital para a evolução social da humanidade como um todo, pois o conhecimento científico é também um conhecimento social e, desta maneira pertence e precisa estar disponível para todos os humanos.
Como hoje o mundo vivencia uma Sociedade com forte caráter científico e tecnológico, há necessidade que esta Sociedade esteja efetivamente mais informada cientificamente, até mesmo para poder colaborar com a Ciência em determinadas atividades que possa ser convidada a participar mais especificamente. Assim, a Divulgação Científica assume caráter preponderante, pois certamente será ela que deverá prestar as noções básicas que poderão nortear essas atividades.
É exatamente aqui nesse ponto que existem dois grandes problemas a serem equacionados e resolvidos: quem deve fazer e como deve ser passada a Divulgação Científica?
Na área restrita da Comunicação Social, o Jornalismo Científico existe quase que exclusivamente para fazer a Divulgação Científica. Assim, não há como negar que a mídia seja responsável por esse mecanismo, entretanto há de se ter a devida cautela, porque muitas vezes, em situações científicas em que há necessidade de um conhecimento específico maior da questão, a mídia acaba desinformando mais do que informando e assim atrapalha mais do que ajuda. Embora obviamente isso não possa ser considerado como uma regra, haja vista que grande parte dos jornalistas são extremamente responsáveis. Mas, a questão é que aqui não pode haver erro, pois esses erros certamente vão levar as comunidades mal informadas a situações progressivamente mais difíceis.
Alguns indivíduos que tenham conhecimento específico da área científica em questão, talvez sejam bons instrumentos para fazer a Divulgação Científica, mas, algumas vezes, esses indivíduos não têm a disponibilidade ou mesmo a habilidade necessária para fazer a comunicação com a devida eficiência. Muitas vezes é difícil para um cientista escrever ou mesmo falar de maneira não científica, isto é, eles apresentam dificuldade para falar ou escrever numa linguagem simples ou para se comunicar de maneira clara e isso também dificulta a Divulgação Científica.
Por outro lado, existem algumas pessoas de boa formação e com considerável carga de conhecimento científico, que trabalham ou já vivenciaram atividades associadas à pesquisa científica e que estão disponíveis. Algumas dessas pessoas tem razoável habilidade como comunicadores, além de boa capacidade para escrever e por isso mesmo, podem (devem) ser indicadas para fazer essa ligação entre o meio científico e a sociedade em geral. Vários são os exemplos de pessoas que se enquadram nesse perfil e têm atuado efetivamente como divulgadores científicos, produzindo resultados excelentes.
Enfim, a Divulgação Científica é um setor que ainda precisa crescer muito no Brasil, principalmente no que se refere a algumas áreas como as Questões Climáticas e Ambientais, a Biodiversidade, a Sustentabilidade, a Bioengenharia, a Tecnologia de Informática, a Astrofísica e a Genética as quais, em última análise, estão, por questões óbvias, mais em voga na atualidade. Aqui no Brasil, salvo raríssimas exceções, infelizmente algumas revistas do setor que deveria ser de Divulgação Científica, não condizem bem com esse propósito. Além de propaganda em excesso, essas revistas trazem matérias muito mais relacionadas à pseudociência, às crendices e ao sensacionalismo, do que propriamente à Divulgação Científica. Como eu disse anteriormente, acabam desinformando mais do que informando.
A Ciência, seja ela qual for, é uma condição do natural e do real, por isso mesmo tem que ser passada e demonstrada sem paixão e sem exageros, mas infelizmente não é isso que se tem visto por aí. Outros interesses, infelizmente não científicos, acabam sendo os fins mais imediatos de algumas dessas revistas que se dizem de Divulgação Científica.
As respostas para muitas das perguntas lançadas aqui nesse pequeno ensaio, devem ser encontradas em artigos de Divulgação Científica sérios que esclareçam as questões e que não tomem nenhum partido, além daquele que a ciência em questão demonstra. É difícil pensar numa atividade humana em que não se estabeleçam as paixões, mas é assim que tem que ser feita a Divulgação Científica. Depois de popularizada, qualquer que seja a ideia, é possível sim, que seja até mesmo mais salutar, ter opiniões e paixões, mas aí, essa ideia já deixou de ser uma questão da Ciência e passou a ser um mecanismo de comunicação social como outro qualquer e assim, sujeito a todas as vicissitudes da sociedade humana.
A Ciência precisa atingir o nível social, mas tem que chegar lá, com base científica e não mitológica ou carregada de sentimentos. Entretanto, depois que a sociedade recebe a informação (Divulgação Científica) se ela quiser tratar a questão como um mito ou como algo impregnado de paixão, aí será um problema da sociedade, mas essa contingência posterior que não pode, de maneira nenhuma, ser uma posição inicial oriunda do divulgador científico que servirá como norteador dessa ou daquela tendência na sociedade.
O divulgador científico, assim como a Ciência, tem que ser neutro, pelo menos, enquanto está agindo como divulgador científico, porque a opinião pública deve ser estabelecida e desenvolvida a partir da informação e não da carga sentimental que nela estiver envolvida. Quando se vislumbra uma informação já viciada por paixões e crendices pessoais, na verdade produz um processo maior que conduz à massificação daquilo que realmente deveria ser apresentado e isso não é bom, pois cria uma deturpação da informação, que pode levar a um preconceito, antes mesmo que o conceito real da questão possa ser estabelecido.
Infelizmente, o fato acima descrito tem ocorrido num número significativo de vezes com assuntos relacionados à divulgação científica, por conta de grupos sociais específicos e interessados em dificultar o entendimento de certas questões de cunho científico. Obviamente isso tem trazido problemas sociais maiores, porque se cria uma verdade social a partir de uma mentira real, o que é, no mínimo, um contra senso social e que gera uma anomalia (deformação) na sociedade.
De qualquer maneira, com ou sem problemas, a Divulgação Científica é uma atividade que ainda necessita crescer bastante em nosso país, porque é preciso melhorar o conhecimento científico e tecnológico da população brasileira e consequentemente o envolver mais as comunidades com as questões científicas. Esse é um desafio do governo e de toda a sociedade brasileira, porque o mundo moderno tem sido orientado e tem caminhado na direção do progresso da Ciência e o Brasil para conseguir ocupar o seu lugar entre as grandes nações do planeta, não pode continuar perdendo o trem da história, por falta de informação de seus cidadãos, em consequência da carência de Divulgação Científica.
Luiz Eduardo Corrêa Lima
]]>
22/05/2015
Obrigado por colaborar com a “deselitização” da ciência, dando-nos abertura, através deste espaço, de conhecermos mais desse mundo que por vezes – como o senhor mesmo disse – se torna fechado e restritivo. Abraços.
26/05/2015
Meu caro Gustavo, eu é que agradeço pela sua leitura e pelo comentário. Mas, eu quero dizer para você que a Ciência é fechada porque não há divulgadores à altura dos cientistas nesse país. Se compararmos O Brasil com outros países, muito mais adiantados cientificamente, veremos que neles a população sabe o que acontece, porque a mídia atua no esclarecimento do povo e a Ciência, por mais fechada que possa ser é conhecida da população e discutida até mesmo nas Casas de Lei. Aqui, ainda estamos muito longe dessa realidade.
Um abraço e mais uma vez, obrigado
24/05/2015
Sempre uma boa leitura.
Acho a questão importantíssima, recentemente até tenho visto algumas discussões a respeito aqui na UFLA, porém, as coisas ainda estão apenas no campo das discussões. Acho que, de maneira geral, a comunidade científica tem se preocupado mais com a questão, mas ainda não vejo muitas atitudes. É a tal da extensão que as instituições de ensino superior deveriam tornar mais efetivas e frequentes..
Grande abraço tio Luiz!
26/05/2015
Meu caro Bruno, na verdade a questão não é ser ou não ser otimista. A questão é: ou você acredita no Homo sapiens ou já era. Eu continuo acreditando, porque do contrário a coisa certa a fazer é o suicídio. Isto é, se não tem jeito, para que viver? Então, como eu não quero ter que suicidar, continuo acreditando que as coisas vão melhorar. Dizem que a esperança é a última que morre e como Zé Rodrix disse: “eu quero a esperança de óculos”.
Valeu Bruno, muito obrigado pea leitura e pelo comentário e um abração.
Prof. Luiz Eduardo