APRENDER FAZENDO: UMA PREMISSA PERIGOSA
Resumo: Este artigo diz respeito ao risco que se anda correndo com a aplicação da metodologia intitulada “aprender fazendo”, que, para muitos, desobrigou o professor da condição de ter que ensinar e o aluno de ter aprender, bastando apenas repetir determinada ação. Entendo que essa metodologia, da forma como está sendo conduzida em muitos casos, seja muito perigosa, porque traz um retrocesso no processo de ensino-aprendizagem e na formação intelectual do aluno e assim, esse mecanismo precisa ser melhor trabalhado para que seja evitada a tendência que se observa de “coisificação do ensino” e a “robotização do aluno”.
APRENDER FAZENDO: UMA PREMISSA PERIGOSA
Nos últimos tempos, não sei bem o porquê, mas a maioria dos professores, educadores e outros profissionais ligados direta ou indiretamente à Educação têm reforçado a ideia de que “aprender fazendo” é a melhor maneira de aprender. Eu confesso que tenho minhas dúvidas sobre isso e, por isso mesmo, estou aqui para dar minha modesta opinião sobre a questão e colocar minha cara exposta aos tapas, embora saiba que as críticas muito provavelmente virão.
Para começar, eu quero dizer que o ser humano é uma entidade biológica dotada de uma grande massa cefálica, a qual, dentre outras coisas, lhe permite a capacidade de pensar e que essa capacidade deve ser incentivada, pois o ser humano precisa utilizar bastante essa massa cefálica, até mesmo para se completar como humano. Por outro lado, embora seja inquestionável a nossa condição animal, não devemos ser tratados como animais de circo ou coisas semelhantes, cujo treinamento e a repetição leva ao “aprendizado”, sem o uso da massa cefálica, ou seja, que permite a realização das coisas, porém sem quase nenhuma atividade neurossensorial que justifique o entendimento dessas coisas.
Nós humanos não nascemos para ser apenas adestrados a fazer coisas. Penso que nascemos principalmente para pensar, criar e aplicar ações sobre as diversas coisas e questões, exatamente nessa ordem. Isto é, primeiro pensamos e entendemos, depois criamos e por fim aplicamos o conhecimento pensado. Aliás, me parece que é exatamente isso mesmo que nos difere dos demais animais, ou seja, a nossa capacidade efetiva de aprender e ter a consciência real (conhecimento) daquilo que verdadeiramente aprendemos. Adestramento não é algo bom para os seres humanos, ou, pelo menos, não deveria ser, porque certamente não é bom para humanidade, haja vista que não agrega nenhum valor a nossa verdadeira condição de seres humanos.
Cada um de nós tem, ao seu modo, necessidade de aprender e de entender as coisas e os seus respectivos porquês. Isso é intrínseco de nossa espécie, pois somos curiosos e criativos por natureza. Temos necessidade de compreender para que serve? Onde se aplica? Como se aplica? E qual o resultado efetivo daquilo que estamos aprendendo e de sua aplicação? Precisamos saber se o desenvolvimento dessa prática terá um resultado positivo ou negativo para os demais humanos. A teoria aliada à prática é fundamental para que seja possível completar o aprendizado.
Infelizmente, acho que as pessoas estão confundindo o objetivo verdadeiro das ideias John Dewey* de ensinar através de projetos com esse tipo de “aprender fazendo”, pois eu tenho observado muitas situações em que o aprendiz tem sido levado a resolver problemas (fazer coisas) sem nenhuma preocupação com as causas e nem com as consequências desses problemas, pois as atividades são meras formalidades impostas para serem resolvidas, apenas se faz e não se discute e obviamente assim não se entende, de fato, aquilo que se faz. Essa é uma prática viciante e infundada, que, embora possa produzir um resultado efetivo, no que se refere ao trabalho, não gera praticamente nenhuma cognitividade. Ora, me desculpem os leitores, mas efetivamente esse procedimento não implica em aprender e assim também não pode descrito como “aprender fazendo”. Isso é apenas e tão somente repetição sem discussão e essa repetição não agrega conhecimento nenhum, apenas “macaqueia” algo que já existe.
Assim, a meu ver, esse “aprender fazendo” é muito pouco, porque muitas vezes não permite ao aprendiz, a possibilidade de responder nenhum dos questionamentos citados acima. “Aprender fazendo”, muitas vezes, apenas coloca o aprendiz na condição de resolver (geralmente sem entender) uma determinada situação, sem qualquer consideração ulterior. Assim, penso que essa situação de “aprender fazendo” é uma possibilidade real de “fazejamento” (desculpem o termo) sem planejamento, o que acaba levando a acabamento sem envolvimento e o que é pior, sem nenhum entendimento, o que me parece ser indesejável e extremamente perigoso à mente humana, principalmente as mentes dos mais jovens, que tendem a ficar viciadas ao repetir ações inconsequentemente.
Desta maneira, embora eu seja ciente de que é fundamental fazer, pois, como disse Aristóteles: “é fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer”. Entretanto, por outro lado, sempre será necessário um mínimo de informação sobre aquilo que se faz, pois do contrário, a emenda pode sair pior que o soneto e ao invés de levar o indivíduo a aprender, se desperdiça a capacidade de aprendizado, pois se acostuma com a realização da ação e se pensa que sabe, quando na verdade, se desaprende, porque apenas se repete algo que não se é capaz de explicar. Não há conhecimento nesse tipo de situação, ocorre apenas um praticismo. O que é mais significativo desse fato é que, na verdade, se desaprende cada vez mais, exatamente aquilo que nem se quer se foi capaz de tentar aprender, porque apenas se repetiu.
Vou esclarecer melhor, porque está parecendo muito confuso, mas essa questão é confusa mesmo. O que eu quero dizer é o seguinte: “pior do que não saber e achar que se sabe alguma coisa, quando se é capaz de resolver algumas questões puramente operacionais sobre essa coisa”. Esse conhecimento puramente empírico nos permite “alguns direitos”, nos evidencia “alguns poderes” e, por conta disso mesmo, infelizmente também nos leva a cometer inúmeros erros, muitos dos quais, talvez, por força do hábito, ocasionalmente condicionem à compreensão e entendimentos errados, a partir de procedimentos corretos.
Em suma, entendo que a ideia de “aprender fazendo”, em certo sentido e em muitos casos, acaba sendo uma falácia do aprendizado que não condiz com a realidade necessária ao indivíduo humano e nem mesmo justifica, muitas vezes, à realidade que se objetiva alcançar. “Aprender fazendo” pode ser e lamentavelmente muitas vezes é, apenas um mero adestramento do ser humano para uma determinada função que ele passa a exercer como um autômato qualquer.
Baseado nos argumentos apresentados e como já foi dito, ciente de que sofrerei muitas críticas, eu quero chamar a atenção para algumas situações reais que têm decorrido dessa pretensa condição de “aprender fazendo”, que tem sido estabelecida por muitos profissionais da educação, sem a devida preocupação do aprendizado em si.
Os Padrões Curriculares Nacionais (PCNs) em todos os seus diferentes textos disciplinares falam constante e repetidamente em contextualizar o conteúdo, o que obviamente é muito importante e necessário na formação do aprendiz, além de condizer com a realidade cotidiana necessária. Entretanto também é necessário se mentalizar o conceito que se quer manifestar por trás do contexto, pois é isso que na verdade justifica a necessidade, além de implicar e induzir à sua aplicabilidade, além de apresentar e demonstrar os efeitos costumeiros das atividades. Contextualizar não é apenas praticar, mas é traduzir uma ação real e próxima do cotidiano do indivíduo. Para que essa tradução se dê a contento é preciso conhecimento e discussão do ambiente, da parafernália instrumental e de todas as questões envolvidas.
Quando o aluno apenas repete e não faz nenhuma reflexão devida sobre aquela aplicação da realidade à sua volta, não está havendo contextualização efetiva, está acontecendo apenas e tão somente uma atividade prática, muitas vezes viciada que, além de não determinar nenhum tipo de aprendizado real, “coisifica” a pessoa que a pratica e não condiz com a necessidade efetiva do entorno. Aquela ação se repete sem controle e o que é pior, sem causa e nem consequência aparente. Não existe nenhuma aquisição de conhecimento na repetição de uma prática efetuada, apenas e tão somente, pela simples repetição. Essa ação é, quando muito, mais um treinamento, um adestramento de uma técnica que não agrega valor intelectual a quem pratica e principalmente não fornece nenhuma vantagem perceptiva aos demais seres humanos envolvidos direta ou indiretamente.
Vou dar um exemplo bem brasileiro, para tentar esclarecer melhor o que estou tentando dizer.
Jogar futebol é uma prática interessante e existem alguns indivíduos que são efetivamente fantásticos e geniais com essa prática, mas muitos desses indivíduos, a despeito de toda as qualidades técnicas que possuem, não conseguem, se quer, entender dos seus instrumentos de trabalho, ou seja, do campo, da tática, da bola, do juiz etc…. O jogador precisa saber que todas essas coisas, além do fato dele ser um excelente prático (habilidoso jogador de futebol), atuam no intuito de transformar a habilidade prática que ele possui a seu favor, ou melhor, a favor de seu time, já que futebol é um esporte coletivo, ou mesmo a favor da sua torcida ou de toda a comunidade envolvida.
Entender que o futebol é um esporte coletivo e que não dá para ganhar qualquer partida sozinho por mais qualidade técnica que qualquer jogador tenha, é uma condição fundamental para quem joga futebol, independentemente da capacidade prática que qualquer jogador possa ter. Entender também que o futebol é uma atividade que envolve milhões de pessoas e uma infinidade de recursos, além daquelas que estão em campo é fundamental para que o jogador possa ter sucesso pessoal e profissional.
Em suma, o melhor jogador do mundo, não venceria no pior time, nem num país pobre de futebol e sem nenhuma torcida. Posso até estar errado, mas contextualizar para mim é isso, ou seja, é trazer a maior abrangência possível daquilo que faz, para que haja compreensão exata da importância da ação que se desenvolve e isso só pode ser possível com algum entendimento da ação. Um grande jogador, além de técnica apurada, tem que conhecer um mínimo sobre o futebol, tem que se enquadrar em algumas normas regimentais do futebol e também tem que ser capaz de opinar e discutir sobre sua função como jogador de futebol na sociedade. Não basta apenas, correr atrás da bola, dar belos dribles e fazer gols.
O comprometimento, o profissionalismo, a ética, a intelectualidade são valores pertinentes ao humano, que precisam estar envolvidos em qualquer ação antrópica. Nenhum jogador de futebol e nenhum outro profissional de qualquer área pode ser um idiota, que faz, mas não sabe explicar o que faz. Nenhum ser humano se basta por si só, apenas fazendo algo. Com certeza, qualquer questão relacionada com a aprendizagem, que é uma atividade humana fundamental e característica de nossa espécie, pois nos difere dos demais animais, obviamente acontece a mesma coisa, inclusive com o agravo de que o aprendiz, como o próprio nome diz, ainda está efetivamente aprendendo a fazer algo.
Um aluno (aprendiz), a priori, não pode apenas responder questões corretas ou realizar tarefas, pois é fundamental que ele seja capaz de saber porque está respondendo as questões e realizando as tarefas e ainda, quais são as aplicabilidades atuais e futuras que elas atividades podem ter. Ou seja, onde essas respostas e tarefas se inserem dentro dos interesses humanitários e sociais. Alguém já disse que: “mais difícil do que dar respostas é fazer perguntas” e eu quero aqui também afirmar que “mais difícil do que fazer tarefas e saber porque elas são feitas”. Certamente, apenas o conhecimento permite a elaboração de perguntas diversas e esclarecedoras sobre os determinados assuntos e também a elaboração de tarefas convenientes à sociedade. O ser humano só começa a entender, quando é capaz de questionar (fazer perguntas) e saber por que, para que e para quem servem as questões e tarefas desenvolvidas
Respostas corretas e ações óbvias nem sempre são mecanismos oriundos de atividades compreendidas mentalmente, porque muitas vezes são ações mecânicas e automatizadas que não garantem a existência de nenhum incremento intelectual no âmago do aluno (aprendiz). Desta maneira, como já foi dito, a ideia pura de “aprender fazendo”, pode ser apenas um vício que se tem, que se repete e que até se pode melhorar progressivamente, mas que na verdade não se conhece e consequentemente não se é capaz de entender e muito menos de explicar.
Resumindo, eu quero dizer que a ideia de “aprender fazendo”, embora possa ser boa por um lado, é sim, por outro lado, uma ideia perigosa, que embora possa produzir excelentes práticos, tende a produzir também muitos profissionais intelectualmente inferiores e creio que a humanidade não precisa trabalhar para produzir seres humanos desse naipe. Isto é, “gente que sabe fazer, mas não sabe explicar conceitualmente aquilo que faz”. Ao contrário, a humanidade deve procurar produzir seres humanos progressivamente mais capazes. Por conta disso, certamente existe necessidade de se avaliar e se adequar melhor um verdadeiro mecanismo de “aprender fazendo”, para evitar a má formação e mesmo a “coisificação” da pessoa por trás do estudante (aprendiz), do técnico ou do profissional, seja ele qual for.
Humanos não podem e nem devem ser adestrados, entretanto no mecanismo proposto de simplesmente “aprender fazendo”, pelo que pude observar em várias situações reais, na vida escolar cotidiana, pelo menos, em tese, existe grande possibilidade de que isso ocorra. Não somos autômatos, nem animais de circo, ao contrário, somos seres pensantes e capazes de criar novos mecanismos a partir do conhecimento que temos e precisamos trabalhar isso cada vez mais e não nos limitarmos a somente repetir coisas.
As escolas, os educadores e os professores sejam eles quais forem, têm um compromisso com a humanidade de trabalhar para criar homens cada vez melhores e mais capazes e não apenas de tentar favorecer condições para manter os homens sempre iguais. O desenvolvimento do conhecimento humano é o que permite o verdadeiro crescimento da humanidade e precisamos investir todos esforços possíveis nessa realidade. Temos que buscar sempre o aprimoramento e a melhora do conhecimento humano e nada que seja diferente disso pode prosperar no que se refere ao aprendizado.
*Leitura Recomendada
DEWEY, John. Experiência y Educación, Buenos Aires: Editorial Losada, 1958, 125p. DEWEY, John. Democracia e Educação, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959, 3a. edição. 416p. DEWEY, John. Vida e Educação, São Paulo: Melhoramentos; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1978, 113p.
Luiz Eduardo Corrêa Lima
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17/09/2016
Muito bom professor, concordo plenamente, pois em minha opinião, prática sem teoria e principalmente sem reflexão é apenas “fazer por fazer”, aliás, o que é a aplicação teórica se não o relato de práticas anteriores, as quais já foram testadas, refletidas, refutadas e reafirmadas. Ignorar a teoria seria, por exemplo, o mesmo que vagar com um carro buscando um destino no qual nunca se foi antes, porém ignorando o auxilio de mapas e placas de localização, se entregando a mercê da sorte na esperança de se encontrar o destino almejado, que mesmo que uma vez alcançado esse destino e o percurso aprendido, seria uma conquista incompleta por nunca esclarecer dúvidas como: se o trajeto feito foi o mais curto? O menos perigoso? e principalmente, refletir se o destino que se alcançou é digno do processo utilizado para que esse fosse alcançado.