As Relações Antrópicas com os Animais Domésticos e Silvestres
Resumo: Nesse artigo é basicamente feita uma abordagem genérica sobre as interações entre os animais criados por humanos (“pets”) e suas respectivas relações com esses seres humanos e o ambiente antrópico. Além disso são discutidas os diferentes significados que os animais domésticos e silvestres tem para os seres humanos, como se dão esse significados na prática cotidiana e ainda a necessidade de conhecimento da população humana em geral sobre as espécies silvestres brasileiras e sobre legislação referente à criação de “pets”.
As Relações Antrópicas com os Animais Domésticos e Silvestres
INTRODUÇÃO
Não sei bem porque, mas vou me atrever a colocar a mão no fogo e muito provavelmente me queimarei, mas não resisto a possibilidade de discutir um pouco sobre a questão proposta no título desse artigo. Para começar, devo dizer que sou Biólogo, com Especialização, Mestrado e créditos de Doutorado em Biologia Animal e durante os últimos 40 anos, tudo o que fiz foi tentar estudar e compreender um pouco mais da vida dos animais. Creio que isso possa permitir que eu me defina como sendo um Zoólogo, ou seja, um estudioso dos animais e principalmente me credencie a falar um pouco sobre esses magníficos modelos de organismos vivos.
Nesses mais de 40 anos fiz praticamente de tudo que é possível fazer com animais, particularmente com os Moluscos (minha especialidade). Eu estudei, coletei, criei, cuidei, fotografei, matei, fixei, colecionei, comprei, vendi, troquei, ornamentei, presentei e devolvi à natureza. Enfim, fiz um pouco de tudo com os animais, principalmente os Moluscos, que sempre me interessaram e têm sido parte integrante de minha vida desde de menino, mesmo quando ainda não os conhecia e nem entendia muito bem, eu já era atraído pela beleza desses organismos e colecionava suas conchas. Certamente foi por conta desse meu grande interesse e admiração pelos animais que me tornei Zoólogo e Malacólogo (especialista em Moluscos).
Pois então, foi a partir dessa minha vivência comum com os animais, que pude desenvolver uma espécie de compromisso primário, um princípio básico, através do qual sempre procurei ampliar os conhecimentos adquiridos com os animais e assim pude estabelecer muitos parâmetros comportamentais e até mesmo algumas orientações práticas que, em certo sentido e de alguma maneira, nortearam a minha maneira de viver. Acredito que eu tenha aprendido bastante em consequência dessa minha relação pessoal com os animais e que isso me permite emitir algumas opiniões sobre a relação homem X animal.
Dentro de minha visão naturalística desenvolvi um princípio básico e norteador de todo o meu procedimento como Zoólogo e como ser humano. Esse princípio determinante me informa o seguinte: “nenhum lugar é melhor para qualquer animal do que o ambiente onde ele é naturalmente encontrado”, ou seja, o animal deve viver livre na natureza. Entretanto, mesmo eu, muitas vezes tive que contrariar essa forma de pensar, até mesmo para poder estudar os animais e assim, certamente prejudiquei a vida de muitos animais ao longo de minha vida. Como ser humano, em parte me arrependo, porém como estudioso em parte não me arrependo, porque quase todo o conhecimento biológico que adquiri e que sempre procurei passar aos meus alunos foi conseguido a partir das experiências que tive no trato direto com os animais.
É certo que nem todos os seres humanos são zoólogos e nem têm uma relação tão próxima dos animais assim como eu fui capaz de ter. Entretanto, certamente, qualquer ser humano teve contatos e desenvolveu inúmeras experiências de convívio com animais, nos mais diversos e diferentes níveis de relações. Pois então, é exatamente sobre isso que quero discutir um pouco, considerando sobretudo que as relações dos seres humanos com os animais, na grande maioria das vezes, embora nem sempre, envolvem contatos com animais domesticados, isto é, modificados ao longo do tempo em consequência da própria atividade antrópica.
Quer dizer, o cidadão comum tem contato principalmente com os animais domésticos, ou seja, exatamente aqueles animais que são carregados de grande ligação com os humanos desde os primórdios do processo de domesticação. Por isso mesmo, talvez esses organismos não sejam bons modelos dos comportamentos animais mais primitivos, haja vista que os animais domésticos sofreram inúmeras modificações, através de seleção artificial, para que desenvolvessem atitudes e comportamentos que interessassem prioritariamente aos seres humanos.
Infelizmente, as ligações dos cidadãos comuns com os animais silvestres, embora obviamente existam, são pequenas, pouco expressivas e geralmente traduzem significados humanizados e conotações antrópicas, as quais não são verdadeiras do ponto de vista estritamente natural. As relações dos humanos com os animais silvestres são carregadas de sentimentos e se enquadram em situações contingenciais, ou circunstanciais, ou culturais, ou mesmo míticas relacionadas ao perigo, ao medo, ao nojo (asco), à inutilidade, à insignificância e, principalmente à indiferença.
Os animais silvestres são vistos pela maioria dos humanos como “coisas”, sem grande valor ou qualquer significado, que estão por aí, ou como seres inoportunos que existem no planeta e que muitas vezes apenas atrapalham à vida e certos interesses da humanidade. Algumas vezes essas “coisas” são belas, em outras são horrendas. Em alguns momentos eles são interessantes e atraentes, mas em outros passam a ser extremamente desagradáveis, mas, na maioria das vezes são apenas “coisas” indiferentes. Enfim, os animais silvestres e os seres humanos comuns costumam ter apenas uma relação momentânea e superficial, onde o ser humano, de alguma maneira, tende a “coisificar” o animal, dentro de uma visão humana particular e naturalmente irreal.
Insisto em afirmar que o que estou dizendo não é uma verdade absoluta, entretanto, tenho certeza que é uma regra geral bastante bem estabelecida e que cada vez mais toma lugar no inconsciente coletivo da humanidade, haja vista que a humanidade se socializa e se “hominifica” progressivamente se afastando da natureza e das demais espécies vivas. Sendo assim, acredito que os animais silvestres, apesar de todos os apelos ecológicos atuais, estão cada vez mais distantes da grande maioria das populações humanas, porque os seres humanos estão se socializando mais, se naturalizando menos e se preocupando cada vez menos com aquilo que não é, ou que não tem interesse estritamente humano.
Desta maneira, não é possível, antropicamente, que se queira tratar um “cachorro” (Canis familiaris) ou um “gato” (Felis catus), que habitam quase que exclusivamente a casa do ser humano, da mesma forma que se trata uma “ariranha” (Pteronura brasilensis), ou que se trata uma “cascavel” (Crotalus durissus), ou ainda uma “mosca-da- fruta” (Drosophila melanogaster), que vivem prioritariamente em ambientes e condições naturais. A verdade é que, por conta dessa proximidade maior, os animais domésticos acabam tendo um significado sentimental mais seguro, mais confiável e mais verdadeiro para a maioria dos seres humanos do que os animais silvestres. Porém, atualmente, mesmo os animais domésticos já não estão obtendo tanto prestígio com já conseguiram em outras épocas, porque infelizmente a maioria dos seres humanos está cada vez mais centrada e ligada nos seus interesses individuais primários.
Em suma, como regra geral, é possível afirmar que existe uma preferência dos seres humanos pelos animais domésticos em relação aos animais silvestres. Mas, o problema maior é que essa preferência muitas vezes chega ao ponto crítico de criar valores antrópicos para os animais, além de querer manifestar e até mesmo de traduzir respostas antrópicas às diferentes ações produzidas, mormente no que se refere aos animais domésticos. Obviamente isso é um grande equívoco, tanto para o ser humano, quanto para o animal, mas muitos humanos já não percebem mais esse erro e assim todo tipo de anomalia comportamental é possível, tanto nos animais domésticos em si, quanto na expectativa humana em relação às ações produzidas pelos próprios animais domésticos.
Por outro lado, para os seres humanos, os animais silvestres parecem nem ser animais reais, como disse antes, são apenas “coisas vivas”, e por isso mesmo ainda são considerados por muito humanos, como sendo animais menos importantes, porque eles são limitados aos seus comportamentos naturais, os quais devem estar previamente definidos por um livro, por uma história ou por alguém. No pensamento da maioria dos seres humanos, tudo que se pode saber sobre um animal silvestre qualquer já foi dito, já está descrito e assim não há nada de interessante nesse tipo de animal. Desta maneira, não parece haver nenhuma condição interessante, brilhante ou inusitada que possa justificar a preocupação dos seres humanos com os animais silvestres. Efetivamente, existe uma distância imensa entre a realidade natural dos animais silvestres e pensamento da maioria dos seres humanos sobre esses animais e esse distanciamento necessita ser reduzido para o bem do homem, dos animais e do planeta como um todo.
Baseado nesses argumentos iniciais, tenho a suspeição de que algumas das sociedades humanas, em determinado momento, além de tratar os animais domésticos indevidamente como se fossem seres humanos, também acabam por repudiar (preterir) os animais silvestres como organismos menos importantes (nobres). Esse fato é, no mínimo, injusto, triste e infeliz, porque manifesta claramente a ignorância humana sobre a natureza, particularmente sobre a grandeza e a importância do reino animal. Entretanto, essa condição triste da ligação humana com os animais silvestres acaba sendo muito pior e em consequência desse fato, a ligação com os animais domésticos também tende a piorar, porque ao super estimar os animais domésticos, os seres humanos passam a esperar e traduzir situações e atitudes que efetivamente não são verídicas e forçam os animais domésticos a assumirem práticas totalmente contrárias as suas devidas condições animais. Obviamente, isso até pode ser agradável para esses tipos de seres humanos, mas certamente é muito ruim para os animais.
Na verdade, não existe má intenção do ser humano, o que existe é falta de conhecimento, má informação e, sobretudo, uma expectativa irreal de que o animal seja sempre capaz de fazer aquilo que o humano pensa que ele deve fazer numa visão estritamente antrópica. O ser humano acaba por atribuir conceitos e argumentos humanos as atitudes comportamentais dos animais e muitas vezes até exige que o animal desenvolva uma postura humana inesperada. Ora, isso é ilógico e naturalmente não pode acontecer naturalmente e se acontece é por conta de imposição do ser humano. Mas, o ser humano, quer entender que essa ação anômala do animal seja um resultado do interesse particular do humano, o que se constitui numa tendência violenta e fraudulenta.
Ação violenta porque agride o animal e fraudulenta porque muitas vezes o animal acaba satisfazendo o interesse do ser humano, o qual passa a acreditar naquela atitude como algo efetivamente verdadeiro e real. Infeliz e lamentavelmente essa situação ilógica e ilusória faz desacreditar no intelecto do ser humano que ainda pensa assim. Isto é, naquele ser humano que acha que o animal é consciente e faz alguma coisa apenas para lhe agradar. Ou seja, aquele ser humano que atribui conotação humana ao animal.
Um ser humano coerente, deve, antes de qualquer circunstância, entender que um animal, seja ele qual for, é um animal diferente do animal humano e principalmente tem que saber que querer tratar qualquer animal como um ser humano (humanizar ou antropomorfizar o animal) não é uma atitude correta, porque certamente isso não é bom para o animal. Apenas os seres humanos egoístas, prepotentes ou intelectualmente debilitados podem pensar que os animais (domésticos ou silvestres) estão no mundo para servir aos interesses humanos e que assim, devem “pensar” e “agir” como seres humanos. Considerar posturas e atitudes antrópicas nos animais é um grande e grave erro que os humanos possuidores de animais domésticos necessitam compreender e obviamente evitar.
DISCUTINDO A QUESTÃO MAIS DETALHADAMENTE
Antes do processo de domesticação, que parece ter começado a acontecer por volta de 12 mil anos atrás, todos os animais eram silvestres, inclusive os próprios grupos humanos, em certo sentido. A possibilidade de domesticação e o envolvimento de algumas espécies animais nesse processo trouxe novas possibilidades para a espécie humana, em consequência da apropriação e utilização desses animais no interesse estritamente antrópico. Algumas espécies se mostraram mais amistosas e mais facilmente foram domesticadas, outras nem tanto e outras ainda não se deixaram domesticar. Aquelas que foram domesticadas, progressivamente foram sendo modificadas geneticamente e cada vez mais têm servido aos interesses humanos. Entretanto, é bom que se diga que essas espécies domesticadas não deixaram de ser espécies animais e nem são menos animais que as espécies silvestres. As espécies domésticas apenas se adaptaram a conviver mais proximamente dos seres humanos.
É importante que se entenda que esses animais não são humanos e nem vivem com o homem porque deliberadamente querem e por isso mesmo eles não devem ser tratados como se fossem humanos ou coisas próximas dos humanos. Ao contrário, os animais precisam ser tratados e considerados como animais naturais que são, obviamente com o devido respeito e cuidado, mas sem antropomorfismos acentuados. Aqui cabe ressaltar que até mesmo certos modelos de adestramento são maléficos aos animais, porque criam situações inverídicas para as atitudes dos animais e que muitos seres humanos passam a tentar imitar e também produzir nos animais de suas respectivas “propriedades”. O desgaste e o estresse causado nesses animais por conta disso é extremamente grande, mas a maioria dos seres humanos não percebe e, como já foi dito, talvez nem seja por maldade. Ao contrário, muitos acreditam que estão fazendo da maneira certa.
Na verdade, a espécie humana, por falta de conhecimento e pelo mal sociológico de se achar “dona do planeta” e “responsável” por todas as demais espécies sobre a superfície da Terra, comete uma apropriação indevida da vida daquele animal, que é um organismo vivo planetário e que deveria ser livre. Além disso, o ser humano ainda se sente no direito de exigir que a espécie animal em questão faça exatamente aquilo que o humano deseja que seja feito. Ora, isso, além de ser antinatural, também é ilógico, porque existem limites físicos e principalmente biológicos, que condicionam as ações das diferentes espécies e muitas vezes as incapacitam de realizar determinadas tarefas. Mas, a maioria dos seres humanos não consegue nem dimensionar, quanto menos compreender essa realidade.
Muitos dos seres humanos não entendem ou não querem entender e não dão o direito desses animais serem da maneira como são, simplesmente porque esses seres humanos não querem e porque eles acham que os animais são “propriedades” suas e têm que atender à vontade humana integralmente. Assim, por exemplo: se o sujeito usa perfume o seu “porco” (Sus domesticus) deve usar perfume, se o sujeito come “alface” o seu “cachorro” (Canis familiaris) deve comer alface; se o sujeito bebe cerveja o seu “gato” (Felis catus) deve beber cerveja; se o sujeito usa roupas o seu “coelho” (Oryctolagus cuniculus) deve usar roupas também, se o sujeito usa sapatos o seu “cavalo” (Equus caballus) deve usar e várias outras situações absurdas semelhantes.
Ora, isso é uma grande incoerência, mas lamentavelmente muitos dos “proprietários” de animais pensam e agem dessa maneira. O “dono” do “pet” pensa (entende) que age corretamente e ainda afirma que faz essas coisas absurdas porque ele “ama” o seu “pet”. Entretanto, se ele amasse mesmo o seu animal, obviamente deveria pensar e agir de maneira totalmente diferente. Ser “dono” de um “pet” é muito mais do que apenas ser “proprietário” de um animal. Não basta dizer que “ama”, é preciso saber cuidar devidamente do animal que se diz amar. É preciso se colocar no lugar do animal, mas com o olhar do animal e não com o olhar estritamente humano.
Outra situação mais desagradável ainda é que se, por acaso, o animal reage positivamente aquela situação pensada e imposta por seu “dono”, infelizmente é aí que o animal acaba sofrendo mais ainda, porque o “dono” passa a querer mostrar essa “qualidade diferente” de seu “pet” para todos os demais humanos que conhece. Como o ser humano, acha que a “qualidade diferente” é interessante ou engraçada, ele pensa que o seu “pet” e que outro ser humano também deverão pensar da mesma forma. Entretanto, na maioria das vezes, essa atitude é estressante, muito desagradável e até dolorosa para o animal em determinados casos.
E, volto a dizer, o ser humano em questão não vê maldade nas atitudes que promove, porque o animal “pertence” a ele e, além disso, ainda diz que o animal “gosta” de mostrar aquela “qualidade diferente”. Por favor, me desculpem pelo excesso de aspas, mas penso que elas sejam efetivamente necessárias. Além disso, é muito difícil de admitir que qualquer organismo vivo possa ser considerado como propriedade particular de alguém e ainda que qualquer animal possa manifestar deliberadamente atributos antrópicos. Essas situações são muito complicadas de serem assumidas e muito difíceis de serem entendidas por pessoas que se dedicam a estudar a Biologia. Não há dúvida de que nós, os seres humanos, somos biologicamente organismos animais, porém isso não nos permite acreditar que, em contrapartida, alguns animais também possam ser “humanificados” e partir disso criar situações estereotipadas que queiram justificar essa maneira errônea de pensar.
O QUE PODE E DEVE SER FEITO
(ANIMAIS DOMÉSTICOS)
Depois de ler até aqui o leitor sério, preocupado com os animais e que tem o seu “pet” deve estar achando que eu devo ser contra a possibilidade de qualquer ser humano conviver com um animal qualquer de estimação. Não, com certeza não é nada disso. A domesticação já aconteceu e muitos dos animais domésticos estão aí para serem companheiros dos seres humanos. Conviver com um animal de estimação é muito importante para alguns seres humanos (crianças em particular), por vários motivos, mas deve ser destacado aqui o fato de que a convivência com o “pet” é fundamental para que os seres humanos se mantenham ligados às suas raízes naturais. A presença de um “pet” é sobremaneira um ótimo negócio pessoal, social e natural para qualquer ser humano. Porém, é preciso que se entenda que o animal é um animal e que, como tal, deve ter respeitada a sua condição animal.
A relação ser humano X “pet” deve se estabelecer de maneira amigável e não autoritária. O animal deve ter seu espaço e deve viver sua vida da maneira mais natural possível, para que possa se sentir como se estivesse na natureza. A casa do homem por melhor que seja, nunca será um ótimo espaço para o animal, que deveria estar livre. A casa do homem é algo pensado e desenvolvido para o homem e não serve para a maioria dos animais. Não é porque o homem pensa que alguma situação seja boa, que o animal vai se sentir bem naquela mesma situação.
A verdade é que, aquilo que costuma ser bom para a espécie humana, na maioria das vezes não se apresenta como bom para outras espécies animais, mesmo para muitos dos animais domésticos. Desta maneira, é fundamental que o “pet” seja tratado pelos interesses dele e não pelos interesses do “proprietário” e essa é uma equação bastante difícil de ser compreendida e aplicada pelos humanos, porque há necessidade de que sejam estabelecidas regras e os animais, sendo seres livres, não deveriam estar sujeitos a nenhuma regra. Alguns animais são inclusive perigosos e podem atacar e morder aos seres humanos e isso é um complicador a mais a ser considerado, mas não será discutido aqui.
Por exemplo, se você relaciona-se com um cão, defina um espaço para o cão no quintal e não dentro da sua casa ou do seu apartamento. Aliás, me desculpem, mais é um absurdo e uma judiação criar cães em ambientes fechados. Coitados desses cães. Quem ama não prende. O amor não pode ser egoísta e dirigir a relação do jeito que somente uma das partes exige. Quem ama tem que dar condições de viver melhor. Um cachorro num apartamento é uma grande maldade com o cachorro, por mais que se pense estar tratando bem, está se tirando o que ele mais precisa que é o espaço e a sua liberdade. Tenho certeza que se fosse possível perguntar ao cão em que lugar da sua casa ele preferiria ficar, certamente a resposta seria o quintal. Então, me desculpem, mais uma vez, mas se sua casa não tem quintal, então você não deve “possuir” um cachorro. Mas, se você “possui” um cachorro no seu apartamento, tenha a consciência de que você está fazendo um mal negócio para o seu cachorro.
A alimentação de animais é alimentação de animais e não costuma ser a mesma dos humanos, embora obviamente possa haver situações compatíveis. Eu estou cansado de ouvir a seguinte frase: “na minha casa o meu “pet” (qualquer que seja o “pet”) come o que eu comer”. Isso costuma ser uma verdade, porque até por questões biológicas, o animal não vai morrer de fome e nem vai comer exageradamente, mas hoje é relativamente comum “pet obeso” ou “pet subnutrido” em consequência do que come no local onde vive. Hoje, por exemplo, cachorro chupa sorvete e bala, gato come fruta e bebe refrigerante. Depois esses animais têm problemas de dentição ou de má digestão e os seus “donos” fazem isso por “amor”. Alguma coisa está errada nessa maneira de amar.
O abrigo é outra questão fundamental. O animal deve estar bem abrigado sim, mas ele sabe como se abrigar da melhor maneira possível e não há necessidade de encher o “pet’ de roupas ou cobertores e principalmente, de colocá-lo para dormir na cama junto do humano. Ah! Mas ele gosta disso. Não, não, não. Isso não é verdade. O “dono” do animal é quem gosta e por gostar acredita que o “pet” também goste. O “pet” aprendeu, porque alguém ensinou, que ali é um lugar bom e se o “dono” deixar ele vai ficando, mas certamente esse não é o melhor lugar para ele. Por outro lado, convenhamos que tampouco é o melhor lugar para o “dono” também, por mais que possa parecer. O animal, seja ele qual for, vai sempre se sentir melhor se for respeitada a sua condição primária de animal, independentemente de qualquer “boa intenção” do seu “dono”. Sua liberdade, certamente é seu interesse maior, mas essa condição, nem sempre o “dono” quer ou pode dar.
O QUE PODE E DEVE SER FEITO
(ANIMAIS SILVESTRES)
No que se refere aos animais silvestres, obviamente que não existe nenhuma possibilidade legal de que o relacionamento com os seres humanos possa ser ampliado, haja vista que a legislação proíbe a posse e o comércio desses animais silvestres por parte de qualquer ser humano, salvo em casos especiais e ainda sob as mais severas normas de exigências no controle dos animais. Quer dizer, os animais silvestres efetivamente só podem ser vistos e mantidos na natureza, onde, aliás é o lugar devido para eles e de onde eles nunca deveriam sair, como já foi dito no início desse artigo.
Entretanto quero aqui fazer uma ressalva importante, porque acredito muito na frase que diz: “ninguém ama aquilo que não conhece”. Nesse sentido, confesso que tenho muita preocupação, porque entendo que existe uma grande necessidade de que o cidadão comum conheça mais as nossas espécies nativas, inclusive para auxiliar nos trabalhos referentes à proteção desses animais e conheça também as leis de proteção à fauna. É sabido que o tráfico de animais silvestres é a terceira maior fonte de tráfico ilegal no planeta, perdendo apenas para drogas e armas. O Brasil sendo o país de maior biodiversidade da Terra é um dos mais afetados pelo tráfico de animais e a população muitas vezes se envolve e até protege criminosos por puro desconhecimento.
Aqui no Brasil, cada vez mais se conhece menos daquilo que é nativo, principalmente no que tange aos animais silvestres, onde parece haver um total desinteresse de que haja conhecimento. Tenho feito pesquisas de informação com relação a essa questão e reafirmo que o número de pessoas que reconhece as espécies nativas, que se identifica com os problemas relacionados ao tráfico de animais e que efetivamente se preocupa com a situação de ameaça à fauna nativa brasileira é progressivamente menor. O tempo vai passando e os animais brasileiros vão ficando menos conhecidos das populações e tristemente parece mesmo que existe uma orientação velada nessa direção para defender interesses menos nobres, porque claramente se discute menos sobre essa questão. Hoje, apenas os ambientalistas e cientistas ligados ao problema comentam sobre esse assunto. Mas, esse tema será discutido em outra oportunidade.
A grande maioria da população, principalmente dos jovens, o que é pior ainda, não reconhece quase nada das espécies naturais brasileiras, nem da localidade onde vivem. Os valores naturais estão sendo rapidamente abandonados e os animais silvestres são os mais esquecidos. As escolas e os diferentes centros culturais não têm conseguido suprir essa carência coletiva de interesse sobre a fauna e a desinformação nessa área só aumenta. Essa é, sobretudo, uma situação perigosa, porque cada vez mais se criam animais domésticos e se importa e se introduz animais silvestres de outros países para mantê-los também como “pet” e se deixa de lado o conhecimento sobre a nossa fauna nativa.
Quero crer que hoje exista uma necessidade premente de organizar mecanismos que possam começar a promover o conhecimento de nossa fauna para os nossos seres humanos, antes que a gente acabe por destruir drasticamente o que temos. Somos o país de maior biodiversidade planetária e os nossos animais são desconhecidos pela maioria dos brasileiros. Isso é um grande contrassenso que precisa ser mudado urgentemente. Falar, escrever, promover e informar sobre a fauna brasileira é uma obrigação que precisa se estabelecer no cenário cotidiano da mídia no país.
Existe um pequeníssimo número de espécies silvestres que são ícones e quase todos, de alguma maneira, já ouviram falar, mas ainda assim, nem sempre identificam o nome que ouvem com o animal quando observam. Por exemplo, infelizmente, eu já vi “sagui” (Callithrix sp.) pintado de amarelo, passar por “mico-leão-dourado” (Leontopithecus rosalia). No entanto, a grande maioria é totalmente desconhecida das populações humanas, particularmente nos locais onde elas se encontram. Se você não acredita em mim, pergunte a qualquer jovem (rapaz ou moça), se eles conhecem um “tapiti” (Sylvilagus brasiliensis), ou um “gato-maracajá” (Leopardus wiedii), ou uma “cuíca” (Philander opossum), ou ainda um “furão-pequeno” (Galictis cuja), que são espécies de mamíferos ainda comuns aqui da Mata Atlântica. Tenho certeza que mais de 85% dos entrevistados dirá que não conhece nenhum desses animais.
Enfim, os animais silvestres necessitam ser conhecidos para que possam ser amados e protegidos. Embora, como já foi dito, existam algumas leis para proteger as espécies animais da fauna brasileira, na verdade como as populações infelizmente entendem sociologicamente que animal, embora diferente na forma, é tudo igual no tratamento, pouco acaba sendo feito no que se refere à proteção desses animais pelo cidadão comum. Por outro lado, como a maioria também não sabe (não identifica) as espécies nativas, acabam agindo como se as diferentes espécies animais fossem um coisa só. Desta maneira, as espécies nativas são dizimadas e mortas rapidamente, pelas mais diversas maneiras e as espécies exóticas, cujo comércio é permitido e que entram livremente no país, são criadas, mantidas e favorecidas.
Muitas dessas espécies exóticas que são comercializadas livremente acabaram por se tornar “pets” e estão se multiplicando nas casas dos seres humanos, como acontece com algumas aves, mamíferos e particularmente répteis (cobras e lagartos principalmente). Muitos desses animais acabam fugindo ou são soltos por seus proprietários pelos mais diversos motivos. Assim, vão invadindo os ambientes naturais e ocasionalmente reproduzindo e multiplicando suas populações, que como não têm inimigos naturais crescem rapidamente e passam a competir com as espécies nativas. O crescimento dessas populações de espécies exóticas tem sido um dos maiores problemas no que se refere principalmente a diminuição das populações das espécies nativas brasileiras.
Só para dar dois exemplos, veja os casos do “caramujo-africano” (Achatina fulica), que foi introduzido e tornou-se praga no país, desde o final da década de 1980 e os nossos caramujos do Gênero Megalobulimus praticamente desapareceram. O “javali” (Sus scrofa), que foi introduzido no Brasil, no estado do Rio Grande do Sul, na década de 1960, e por lá se manteve relativamente controlado, até a década de 1990, quando fugiu do controle e hoje já existe registro desta espécie em pelo menos 14 estados brasileiros. Em compensação as populações de nossas espécies nativas de porco-do-mato, o queixada (Tayassu pecari) e o caititu (Pecari tajacu) têm diminuído acentuadamente e certamente muitos brasileiros nem sabem que aqui existem essas duas espécies de porcos nativas. A coisa ficou bem pior, porque o javali é capaz de formar um híbrido (popularmente conhecido como “javaporco”) com os “queixadas” e isso tem ampliado bastante o problema.
Em suma, os animais silvestres brasileiros necessitam de ajuda e só nós, seres humanos brasileiros, podemos fornecer essa ajuda. Para tanto há necessidade de conhecer melhor as espécies da nossa fauna. Desta maneira torna-se fundamental que sejam desenvolvidos programas de orientação as populações humanas sobre as espécies animais nativas nas diferentes regiões brasileiras. Obviamente a proibição de criação desses animais silvestres em cativeiro deve ter continuidade, pois os animais silvestres precisam ser mantidos na natureza, a fim de garantir os bancos genéticos e o equilíbrio dos ecossistemas naturais.
CONCLUSÕES
1 – As Relações Homem X Animais são benéficas aos humanos e devem ser intensivadas, entretanto devem ser tomados alguns cuidados fundamentais, haja vista que tais relações têm sempre que priorizar os interesses primários e as necessidades dos animais e não os interesses dos humanos.
2 – Os Animais que podem conviver livremente com os seres humanos nos ambientes antrópicos são única e exclusivamente os Animais Domésticos, os popularmente chamados de “pets”, cujas as espécies já se encontram bastante antropomorfizadas, pois vêm sendo trabalhadas ao longo do processo de domesticação.
3 – Os Animais Domésticos (“pets”) não podem ser tratados como se fossem seres humanos e devem ser respeitados nas suas respectivas condições de animais, principalmente pelo seu “dono”, o qual precisa conhecer um pouco mais da realidade biológica do seu animal de estimação, a fim de poder trata-lo da maneira mais natural possível.
4 – Os Animais Silvestres não devem e nem podem em hipótese nenhuma ser mantidos em habitação humana na condição de “pets”, pois além de ser degradante aos ecossistemas naturais, também constituem uma agressão a vida animal, que está prevista em lei como sendo um crime ambiental. Assim essas espécies silvestres devem continuar protegidas, mantidas nos ambientes naturais e, dentro do possível, isoladas do convívio direto com os seres humanos.
5 – Embora a Legislação Brasileira permita, não é interessante que as Espécies Exóticas de Animais sejam criadas e mantidas em ambientes antrópicos, pois essas espécies animais oferecem riscos às populações de Espécies Nativas e podem produzir problemas graves e até insolúveis. Desta maneira é interessante que se desenvolvam mecanismos que dificultem ou mesmo proíbam a importação e o comércio dessas espécies de animais.
6 – As Espécies Exóticas de Animais que, por ventura, sejam criadas em ambientes antrópicos, devem ser mantidas controladas e impedidas de contato com os ambientes naturais para garantir que não se integrem aos ecossistemas e entrem em qualquer tipo de competição com as Espécies Nativas. Os “proprietários” devem ser severamente penalizados pela fuga desses animais para os ambientes naturais.
7 – Os Governos em todas as três esferas do Poder devem desenvolver e promover programas de orientação e identificação das diferentes Espécies Nativas, mormente daquelas que se encontram em situação de raridade ou ameaçadas de extinção, para que as populações humanas possam reconhecer os animais brasileiros e assim parar de matar esses animais deliberadamente.
8 – As Escolas em todos os níveis de ensino devem desenvolver e promover programas de orientação e identificação das diferentes Espécies Nativas e Exóticas de animais mais comuns nos diferentes biomas, a fim de que os alunos possam reconhecer os animais da fauna brasileira e não façam confusão das nossas espécies com aquelas que são estranhas à nossa fauna.
Luiz Eduardo Corrêa Lima
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04/01/2017
Parabéns Luiz, mais um texto abordandoum assunto extremamente relevante. Infelizmente, os pets estão sendo tratados como humanos, os animais silvestres estão sendo esquecidos, e quando são “lembrados” geralmente passam a ser alvo de uma tentativa de domesticação, como por exemplo, os pássaros que são engaiolados e espécies raras de peixes criadas em aquários.Assim, a tal frase: ” conhecer para preservar” é cada dia mais verdadeira. Abraços