O Plano Nacional de Recursos Hídricos e os Diferentes Entes da Federação Brasileira
Resumo: O texto comenta sobre a importância do estabelecimento do novo Plano Nacional de Recursos Hídricos, que deverá ser aprovado em 2010 e será aplicado nos próximos 20 anos (2021 e 2040). Por outro lado, o texto traz algumas preocupações com a eficiência e a eficácia das normas que serão definidas, porque se não forem aplicados critérios objetivos e rígidos, o plano poderá ser dificultado, por questões de conflitos de interesses entre os entes políticos da federação brasileira.
Primeiramente quero aproveitar o momento para reafirmar o que todo mundo já sabe, mas parece não querer saber e nem se preocupar muito com o assunto: “a água e sua gestão é um problema mundial e talvez seja o maior problema de todos”. O Brasil, por ser o país que abriga a maior quantidade de água no estado líquido de todo planeta e a nação brasileira por ser a verdadeira detentora dessa riqueza imensurável, assumem uma responsabilidade ímpar sobre a gestão desse valioso recurso natural, renovável e imprescindível à vida. Desta maneira, existe uma necessidade premente de que se estabeleçam normas e procedimentos para a gestão da água no país.
Por conta disso e de outras questões adicionais relacionadas à própria água, foi proposta e aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Federal 9433, em 08 de janeiro de 1997 (“Lei das Águas”), que está vigendo desde aquele ano. Esta lei estabeleceu, em seu Artigo 1º, item V que: “a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos”. Isto é, as Bacias Hidrográficas são as unidades básicas de gerenciamento da água em todo o território nacional.
Além disso, no Artigo 5º, no item I, também definiu como instrumentos fundamentais à gestão os Planos de Recursos Hídricos, os quais deverão ser estabelecidos pelas diferentes Bacias Hidrográficas e ainda, no artigo 8º, determinou que esses planos devem ser elaborados por Estado e para o País. No caput do artigo 7º, também é dito que os: “os Planos de Recursos Hídricos são planos de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas”. Pois então, o atual Plano Nacional de Recursos Hídricos esgota seu tempo devida e necessita de uma revisão agora em 2020. Assim, um novo Plano Nacional de Recursos Hídricos precisa ser estabelecido.
A Lei 9433/97 diz ainda que o Plano Nacional de Recursos Hídricos e os diferentes Planos das Bacias devem determinar as ações de aproveitamento, manutenção, recuperação da água, visando atender da melhor maneira os usos múltiplos de suas águas, obviamente respeitando as prioridades impostas pela citada lei. Cabe lembrar também que no seu Artigo 1º, dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, o item III afirma que: “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”.
É bom que se diga, que a Lei 9433/97 foi muito feliz, porque Bacia Hidrográfica é certamente a melhor forma de tratar e gerenciar o espaço geográfico em qualquer situação e não só para questões hídricas. Entretanto, a divisão política e administrativa do país, dos estados e principalmente dos municípios, na maioria das vezes, não condiz necessariamente com aquela estabelecida naturalmente pelas bacias hidrográficas. Assim, alguns estados e muitos municípios próximos, muitas vezes ocupam bacias ou sub-bacias distintas, o que produz dificuldades administrativas e operacionais significativas, as quais criam entraves à gestão da água.
Por outro lado, a Constituição da República Federativa do Brasil (1988) e o Estatuto da Cidade, Lei Federal 10257/2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da própria Constituição, estabelecem que cada município estabeleça seu Zoneamento Ambiental, seu Parcelamento, Uso e Ocupação do solo e ainda seu Plano Diretor. Além disso, o item I do Artigo 30 da Constituição Federal também estabelece que o município deve legislar sobre assuntos de interesse local.
Quer dizer, em certo sentido, o município tem o poder legal de tomar as posturas contrárias àquelas estabelecidas pelo Plano de Bacia, pois embora o plano seja legal e estabelecido por legislação federal, muitas vezes ele poderá não ser de interesse do público local. Ou seja, contra o interesse público municipal. Em suma, poderemos ter que enfrentar discussões duras e embates legais, onde, a princípio, todos os entes políticos e administrativos terão algum tipo de razão. Mas, o que será melhor para a gestão das águas e para o Meio Ambiente nesta situação?
Pois então, esse é o grande nó górdio da questão e que precisa ser superado, mormente agora que estamos discutindo e preparando o Plano Nacional de Recurso Hídricos, o qual se encarregará de definir as diretrizes da gestão das águas, a partir de 2021 até 2040. Cabe lembrar, que além da União, o Brasil tem 26 estados, 1 Distrito Federal e 5.570 Municípios. Como fazer com que os estados e municípios se adequem incondicionalmente ao que será estabelecido, deixando muitas vezes os seus interesses locais de lado? A situação é realmente muito complicada, porém precisa ser resolvida antes do estabelecimento efetivo do Plano Nacional.
Aqui no Vale do Paraíba, nosso problema é mais complicado ainda, porque o Rio Paraíba do Sul e sua Bacia Hidrográfica são pertencentes à União, mas muitos de seus afluentes são estaduais e alguns são exclusivamente de domínio municipal, mas a Constituição, no Artigo 24, item VI, estabelece que somente a União e os Estados podem legislar sobre à agua. Assim, como resolver esse imbróglio e fazer a gestão das águas? Os municípios terão seus interesses mantidos dentro do que os estados estabelecerem? Os rios municipais serão deixados aos interesses às legislações municipais, em condições especiais de uso? Isso será legal? Os rios estaduais seguirão a legislação estadual que terá ressalvas para permitir a ação dos municípios? Isso será legal? Enfim, existem várias questões que precisam ser bem definidas, pois O Plano Nacional é previsto para os próximos 20 anos e precisa estar bem adequado para não trazer mais transtornos do que soluções.
Observem bem o tamanho do problema que teremos na nossa frente e que ninguém na comunidade está discutindo. Eu vou ainda dar uma de “advogado do diabo” e colocar mais sério um complicador. O Plano Nacional é para 20 anos, mas os estados e Municípios trocam seus administradores a cada 4 anos e obviamente os interesses políticos mudam com essas mudanças. Assim, como manter os municípios “fiéis” ao Plano Nacional depois dele aprovado? Como será realizada a fiscalização dessa “fidelidade”? Isso não é brincadeira, o problema realmente existe e precisa ser pensado e evitado, se possível. O princípio da prevenção nos indica que: “é melhor prevenir do que remediar”. Assim, que ações estão sendo e serão tomadas para evitar as situações controversas que decorrerão desse problema?
Aliado a tudo isso, ainda é bom lembrar que o governo federal está estudando a possibilidade legal de unir alguns municípios brasileiros. Se essa união acontecer, de fato, e se o Plano Nacional de Recursos Hídricos já tiver sido aprovado, considerando o demarcação territorial anterior à fusão dos municípios, como ficará a situação? Acredito que o Plano Nacional de Recursos Hídricos, deverá se estabelecer dentro de um critério geográfico para os próximos 20 anos, assim esse plano terá que considerar a fusão, se é que ela vai mesmo acontecer.
Em suma, com a fusão (união) dos municípios ou sem a fusão dos municípios, o Plano Nacional deverá ser único e qual será ele? De qualquer maneira o Plano tem data certa e a fusão ainda não tem. Assim, o Plano não deverá, a priori, seguir os pressupostos da fusão dos municípios, o que poderá produzir problemas operacionais futuros, caso ocorra mesmo a fusão proposta.
Eu confesso que não sou capaz de resolver todos esses problemas e acredito mesmo que ninguém sozinho tenha essa capacidade. Entretanto, vou me atrever e deixar aqui a minha modesta opinião e manifestar algumas sugestões sobre como imagino deveria ser tratada a questão, a fim de que o Plano Nacional de Recursos Hídricos possa ter êxito, além da efetiva abrangência Nacional e não se dissocie numa imensa colcha de retalhos mal feita, por conta dos diferentes interesses locais, regionais ou estaduais aqui e ali.
1 – Primeiramente penso que a União deveria estabelecer uma consulta pública aos Estados e Municípios, a fim de se informar sobre as pretensões locais quanto ao uso da água, obviamente de acordo com os preceitos estabelecidos na legislação vigente.
2 – Estabelecer o Plano Nacional de Recurso Hídricos considerando princípios gerais, respeitando a segurança hídrica e procurando atender, dentro das possibilidades reais, as pretensões locais que forem condizentes com a legislação.
3 – Como não haverá acordo total, porque certamente os interesses serão muito diversos, deverão ser estabelecidas regras legais claras, baseadas em análises técnicas e sanções rígidas aos Estados e Municípios que, por acaso, não quiserem cumprir o que estiver estabelecido.
4 – Estados e Municípios vizinhos e que pertencem à Bacias Hidrográficas comuns, deverão ter acordos legais estabelecidos para garantir o cumprimento devido da gestão da águas de interesse comum.
5 – A União deverá criar um órgão fiscalizatório específico para tratar da água e seus múltiplos usos, o qual possa atuar efetiva e eficazmente no controle do cumprimento do Plano Nacional em todo território brasileiro.
6 – No caso efetivo de haver uma nova divisão territorial, se houver tempo, esta divisão deverá ser considerada pelo Plano Nacional, pelo simples fato de que não podemos desconsiderar a realidade geopolítica na gestão dos recursos hídricos.
Como fazer para cumprir essas metas ou para se definirem outras que possam ser necessárias eu realmente não sou capaz de responder, mas, por outro lado, é certo que se nada for feito, também não adiantará absolutamente nada estabelecer um Plano Nacional de Recursos Hídricos, que, como tantos outros que existem no país, passará a ser mais um “plano de papel”. Aliás, o mal do Brasil em certas áreas tem sido exatamente esse: “se planeja muito, mas se constrói efetivamente pouco, porque se esbarra na burocracia e nos interesses difusos”. Está na hora de acabar com esse ranço e de mudar essa história. Está na hora de cumprir efetivamente aquilo que se escreve, sem ressalvas, lembrando que o Plano consiste numa legislação é nacional e que “dura lex sed lex”.
No caso específico da água, do jeito que a coisa anda, hoje ainda temos muito, mas amanhã, com todas essas mudanças climáticas que estão acontecendo e com os políticos e administradores que o país possui, ninguém sabe o que pode acontecer. Assim, é fundamental que se estabeleça um Plano Nacional de Recursos Hídricos que seja realmente de interesse nacional e que privilegie a nação brasileira antes de qualquer outro interesse. Por conta disso, é fundamental que o povo brasileiro exerça a sua devida cidadania nesse contexto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, 1997. Lei Federal 9.433, de 08 de janeiro de 1997 (Lei das Águas). Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, Diário Oficial da União, Brasília, 09/01/1997.
BRASIL, 2008. Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto das Cidades). Senado Federal. Secretaria Especial de Editoração e Publicações, Subsecretaria de Edições Técnicas, 3ª Ed., Brasília.
SÃO PAULO, 2019. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. (Atualizada até a Emenda Constitucional nº 101, de 03 de julho de 2019). Imprensa Oficial do Governo do Estado de São Paulo, São Paulo.
Luiz Eduardo Corrêa Lima