A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO BIÓLOGO EM TEMPOS DE PANDEMIA

A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO BIÓLOGO EM TEMPOS DE PANDEMIA

RESUMO: O artigo é apenas um comentário sobre o ano de 2020 até aqui, quando estamos completando 41 anos da Regulamentação da Profissão de Biólogos no Brasil. Na verdade, apresento uma constatação de que os Biólogos do Brasil e do Mundo precisam se envolver mais e adquirir mais poder de fogo na hora de decidir sobre as políticas ambientais planetárias.


Meus amigos Biólogos, embora devêssemos estar em festa hoje (03/09/2020) pelos 41 anos de regulamentação de nossa profissão, não sei se realmente temos algum motivo efetivo para comemorar. Esse ano de 2020 está, além de difícil e conturbado por uma Pandemia anunciada, que já matou muita gente e adoeceu toda humanidade. Mas, também se encontra bastante complicado pela inoperância ambiental dos governantes e administradores em vários países. Aqui no Brasil, temos um ministro do Meio Ambiente que, dentre outras coisas, tem defendido abertamente o uso de veneno e assumido posturas antiambientais. Além disso, ainda tem o desserviço prestado por grande parte da mídia que se aproveita do momento triste e da situação ruim para enganar a população distribuindo “fake news” e disseminando o terror.

Entretanto, ainda que a humanidade e o país estejam muito doentes e que a Pandemia do COVID-19 exista realmente, é preciso compreender que não é apenas por causa disso que o mundo e o Brasil vão mal. Na verdade, o mundo e o Brasil vão mal já faz muito tempo e a Pandemia é apenas mais um dos muitos sintomas que têm demonstrado o fato de que o planeta não suporta mais o comportamento predatório, irresponsável e inconsequente da espécie humana, de alguns de seus administradores públicos e de muitos picaretas poderosos que se locupletam com a morte de seres humanos e de outros organismos.

O Antropoceno não é apenas uma ideia de alguém, ele é um fato incontestável, pois o homem realmente criou mecanismos muito diferenciados e deletérios com sua interferência nociva no planeta. A sexta grande extinção em massa está efetivamente acontecendo nas nossas barbas e estamos vendo ela passar como se tudo fosse obra do acaso ou como mera condição natural. Na verdade, continuamos dando de ombros aos acontecimentos, mas somos os grandes responsáveis pelos acontecimentos catastróficos que têm ocorrido nos últimos tempos.

Infelizmente, quase nada tem sido feito para minimizar os danos produzidos pela ação antrópica sobre o planeta. Em que pese a existência de algumas valiosas ideias e sugestões, elas não têm passado disso, ou seja, são apenas sugestões, algumas até brilhantes, mas sem nenhuma ação prática e consequentemente sem nenhum efeito real, porque a humanidade se recusa terminantemente a mudar de hábitos e posturas. Assim, a população humana segue aumentando absurdamente e a mancha humana, seguida de seus efeitos, ocupa, cada vez mais, o espaço limitado terrestre.

Por outro lado, em consequência dessa crescente mancha humana, o consumo dos recursos naturais tem aumentado de maneira drástica e a exaustão já é sentida em vários locais e momentos. Além disso, o nível da poluição em todos os meios físicos é perigosa e assustadoramente sempre crescente e sendo assim, é progressivamente mais sentida e mais destruidora para toda vida planetária. No meio desse quadro lamentável ainda surgiu a Pandemia do COVID-19.

Cabe lembrar que o COVID-19 não foi nenhuma novidade, porque foi só mais uma das muitas zoonoses que têm se abatido sobre a humanidade nos últimos anos. Deste modo, o COVID-19 é uma tragédia mais que anunciada e que esteve por acontecer várias vezes nos últimos anos. Não importa aqui discutir se a Pandemia é oriunda de causas naturais ocasionais ou produzidas, porque de qualquer maneira a culpa é consequência da ação antrópica indevida no planeta e do desleixo no trato e no contato com outras espécies animais.

O COVID-19 originou-se na China, mas se espalhou pelo mundo contaminando e ceifando milhões de vidas humanas, por conta exclusiva da irresponsabilidade da humanidade, que não encarou a questão com o devido cuidado. Na China omitiu-se informações por outros interesses; na maior parte da Europa procedeu-se de maneira errada e desleixada. Nos Estados Unidos não se acreditou e aqui no Brasil, optou-se pela realização do carnaval e pelas praias no verão, dando de ombros para o que já acontecia no mundo.

A humanidade, por sua vez, tristemente, ao invés de trabalhar no sentido de tentar produzir respostas para resolver o problema o mais rápido possível, entrou numa briga política e ideológica sem noção e sem tamanho, porque, lamentavelmente o que se buscou foi uma maneira de alguém ganhar mais dinheiro e poder, enquanto milhões morriam pelo mundo afora. O negacionismo científico tem sido usado como uma arma por mal feitores e embusteiros e como projeto de arrumação de vida por alguns pseudoreligiosos e falsos profetas. Enfim, o caos é total! E onde ficamos nós, os Biólogos, em meio a esse caos?

Os Biólogos e outros profissionais das Ciências Biológicas, por muito tempo vêm avisando para o que está acontecendo no planeta, mas a humanidade não quer ouvir e segue sua lida inconsequente. Por outro lado, agora os Biólogos e os demais profissionais das Ciências Biológicas, estão sendo cobrados para resolver a questão imediatamente e arrumar uma vacina que possa conter a desgraça ou que acabe de vez com a dispersão desse vírus fatídico pelo mundo. Entretanto, isso não é tão simples como se queria que fosse e o flagelo segue acoitando e matando seres humanos.

Historicamente, os Biólogos e muitos profissionais das Ciências Biológicas tentaram informar sobre a tragédia que estava por vir, mas a humanidade não se importou e não acreditou, ou melhor, preferiu acreditar nos falsos profetas e na capacidade tecnológica humana de resolver situações.

Entretanto a tecnologia não pode e não sabe se virar em tudo na velocidade necessária e os falsos profetas agora trocam acusações entre si, para justificar o injustificável. Bem, o resultado está aí! E agora, o que fazer para mudar o quadro?

Mais uma vez a opção imediata era curativa e não preventiva. Mas, como curar aquilo que não se conhece? Parece que a humanidade gosta de viver para apagar incêndios e não para impedir que eles aconteçam. Mas, obviamente, também existem “seres humanos” que gostam de manter esse status quo de risco iminente, porque lucram economicamente bastante com essa situação. Não sei se devo realmente chamar esses indivíduos de seres humanos, por isso usei a expressão entre aspas.

É óbvio que depois de muitas vidas perdidas desnecessariamente, depois de algum tempo a vacina deverá aparecer e as Ciências Biológicas terão “vencido e resolvido a questão”. Por conta disso, obviamente, surgirão alguns novos heróis, serão reconhecidos os novos vilões e a vida vai continuar, até quando Deus permitir. Assim a humanidade seguirá, cuidando, aqui e ali, das questões até que venham as próximas e a caravana humana na Terra vai seguindo em frente. Até quando vamos continuar assim?

Pois então, é esse continuar da vida que preocupa, porque sociologicamente a humanidade continuará seguindo o mesmo caminho, sem rumo definido. Ou melhor, no triste rumo de sua extinção precoce. Alguns humanos têm falado bastante sobre o “novo normal”, que se estabeleceu na humanidade por conta da Pandemia do COVID-19 e que para muitos deverá ser mantido depois da mesma.

Poxa vida, como eu queria que esse “novo normal” fosse verdadeiro, mas não acredito nessa possibilidade, porque a mudança no comportamento humano não irá existir se nos mantivermos presos às mesmas receitas metodológicas que utilizamos até esse momento. Na realidade, vamos continuar apenas repetindo as crises e as pandemias, que certamente, serão cada vez mais comuns, mais violentas e mais perigosas à vida humana. Não poderá existir um “novo normal” baseado nas velhas atitudes.

A Pandemia talvez seja o “último grande aviso” do planeta Terra à humanidade, para ver se os seres humanos parem, pensem e mudem o seu comportamento em relação ao planeta e talvez, os Biólogos sejam os únicos profissionais que possam ser capazes de entender essa mensagem e de vislumbrar o que tem que estar projetado nesse novo e necessário comportamento. O âmago desse novo comportamento, que poderá produzir, ao longo do tempo e nunca imediatamente, o tão querido e sonhado, “novo normal”, tem que estar centrado em três aspectos fundamentais, que apenas os Biólogos parecem ser sensíveis e que têm se manifestado há muito tempo sobre eles.

Esses aspectos são o biocentrismo como meta prioritária, o controle do crescimento da população humana como mecanismo fundamental para ocupação do planeta e o decrescimento econômico como ação manifesta e obrigatória para conter a necessidade imposta de consumo. Sem essas três ações efetivas não poderá existir o “novo normal”, pois qualquer mecanismo que mantenha essas condições será paliativo, fortuito e, como tal, certamente ineficaz.

A verdade é a seguinte: a humanidade tem que deixar de depender da sorte ou dos desígnios divinos e tem resolver os seus problemas a partir de atitudes planejadas fortes e oriundas da própria humanidade. E a questão fica mais séria exatamente nesse ponto, pois como convencer a humanidade dessa necessidade? Como andar contra a corrente arraigada e rançosa de que o homem é o soberano da Terra e de que o planeta existe para servir aos interesses dessa soberania humana?

Senhores, em seis meses de Pandemia, reduzimos a sobrecarga planetária em quase um mês (de 29 de julho no ano passado para 22 de agosto nesse ano), mas foi só o pico pandêmico passar para que rapidamente tudo retornasse ao estágio pré-pandêmico e assim, parece muito claro que não existe nenhuma pretensão efetiva para sairmos da mesmice. Como eu já deixei explicito anteriormente, consciência não se adquire de supetão, ela é sempre gradativa e assim, infelizmente, a humanidade ainda vai continuar sofrendo muito, ou talvez, sofra pouco e se extinga rápido.

Não sou pitonisa e, embora torcendo para estar errado, acredito que a segunda opção acima parece ser a direção que lamentavelmente tem mais tendência de ser seguida, exatamente porque a grande maioria dos seres humanos não tem consciência real da questão e, dessa maneira, não tem condições de enfrenta-la com a devida seriedade. O egoísmo humano impede que se visualize a realidade e muitos dão graças a Deus e seguem em frente como se nada tivesse acontecido. Aliás, alguns nem se importaram, mesmo durante os momentos mais críticos.

Bem, mas nós, os Biólogos, não podemos concordar com isso, porque, afinal de contas, somos, até por força de nossa formação, os principais defensores da vida planetária. Temos que chamar a atenção, mostrar e dizer a todos que esse caminho está errado. Nossa missão social e exatamente essa, ou seja, acordar a humanidade para a realidade que se anuncia e tentar reverter esse triste quadro. Sou cético, mas não me nego a tentar, porque acredito e espero que algo ainda possa acontecer ao longo de sucessivas crises, que progressivamente vão levar a necessária mudança comportamental da humanidade.

O mundo melhor, que todos sonhamos, se vier a existir, levará ainda algum tempo e lamento dizer, que acredito que os humanos mais jovens ainda presenciarão momentos piores pela frente. Os mais velhos, como eu, sofreremos menos, porque morreremos antes e não presenciaremos os acontecimentos futuros. Meus amigos, o “novo normal” que tem sido falado, ainda continuará sendo o mesmo “velho anormal”, porque, infelizmente, não vai existir nenhuma mudança radical no comportamento humano. Qualquer mudança, se existir, será gradativa e eu realmente não sei se ainda temos tempo para tanto.

O fim de nossa espécie é cada vez mais uma realidade próxima e o pior é ver que os únicos culpados somos nós mesmos. Nós, os Biólogos, somos, ou deveríamos ser, os únicos de olhos abertos para esse fato. Assim, vamos fazer a nossa parte e avisar ao mundo sobre o que está por vir e dizer claramente que se não houver uma nova filosofia de vida, uma nova atitude e um novo comportamento da humanidade, jamais haverá um “novo normal”. Não haverá sequer o Armagedom, a batalha final, porque a humanidade definhará sem os recursos naturais, sobre as migalhas daquilo que escolheu erroneamente atribuir como fatores importantes à sua existência na Terra, isto é, a exaustão planetária, o dinheiro e o poder.

O planeta vai sofrer, muitas espécies vão se extinguir também por nossa conta, mas a vida, de uma forma ou de outra, vai continuar existindo e o planeta seguirá sua trajetória por mais alguns milhões de anos à frente, mas sem essa espécie fantástica, maravilhosa, criadora e inventiva, que é a espécie humana. A espécie que foi capaz de tudo, menos de se reinventar e sobreviver, porque criou valores que a natureza não conhece e resolveu brigar contra o planeta que lhe abrigou.

Os Biólogos, por sua sensibilidade em relação à natureza são os únicos profissionais capazes de tentar mostrar ao mundo que o “novo normal” precisa existir, mas que ele tem que ser pensado de uma maneira bastante diferente do que se tem vivido com o “velho anormal” que até aqui imperou. A relação Homem X Terra só terá continuidade se o homem quiser, pois a Terra já disse a que se propõe. Isto é, o planeta já começou o seu trabalho de combater e, se necessário, acabar com a espécie humana e somente a humanidade, num trabalho consciente, coletivo e gradativo poderá mudar essa situação.

Meus colegas Biólogos, tomara que esteja errado no pensamento que descrevi nesse texto, mas a humanidade precisa de nossa atuação para tentar mudar o quadro terrível que se aproxima de maneira muito célere. Façam suas respectivas partes, sejam os exemplos, gritem contra o desperdício dos recursos naturais e da degradação planetária, pressionem os políticos e administradores, porque o tempo continuará passando e cada vez fica mais tarde e mais difícil para que a humanidade possa conseguir sobreviver na Terra.

É triste que no dia de nosso aniversário não tenhamos boas notícias e nem bons motivos para comemorar, mas, ainda assim, eu quero desejar um Feliz Aniversário para os Biólogos desse país. Vamos torcer para que as ações ambientais corretivas comecem a ser desenvolvidas e que essas soluções possam ser progressivamente mais céleres e que a humanidade acorde e atente mais para a vida e para o planeta.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (64)

2 comentário(s)

  1. Meu grande Mestre suas palavras ecoam com um certo pessimismo porém muito pertinente devido aos fatos que vemos todos os dias na mídia, nos temos a obrigação de lutar e defender toda vida na terra e conquistar o respeito que nos cabe.
    Faço minha parte ensinando as gerações futuras que sem o uso sustentável não haverá amanhã
    Grande abraço
    Airton

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    1. Valeu Airtão, mas amanhã sempre haverá o que pode não haver são seres humanos no amanhã. Mas, nós estamos brigando para a humanidade continue firme no planeta. Um abraço.

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