Religiosidade, Doutrinação, Proselitismo, Intolerância e Conflitos Religiosos

REFLEXÕES SOBRE CRENÇA, RELIGIOSIDADE, PROSELITISMO E DOUTRINAÇÃO

Resumo: Parece que está cada vez mais próximo um conflito entre certos grupos religiosos, mesmo aqui entre nós, por conta de questões ideológicas oriundas de aspectos e fontes religiosas. Essa situação é esdrúxula, perigosa, preocupante, absurda e precisamos estar atentos para que esse problema continue longe de nós, aqui no Brasil. 


A ideia do religioso e do sagrado sempre existiu naturalmente na grande maioria das várias civilizações humanas e na atualidade isso não é diferente. Assim, a maioria das pessoas possui algum tipo de crença. Essas crenças são as mais diversificadas possíveis e muitas delas crenças podem ser definidas dentro do conceito mais estrito de religiões. Entretanto, as maneiras como cada um desses grupos de pessoas veem (entendem ou assumem) uma ou mais situações determinadas de crenças é o que produz realmente as diferentes religiões.

Desta maneira, existem várias religiões definidas e várias seitas religiosas ainda não definidas ou identificadas sociologicamente como religiões de fato, mas em todas essas situações existem crenças, que devem ser respeitadas por todos. Assim, também existem diferentes formas do ser humano individual ou coletivamente se ligar ou se relacionar, ou não, com o sagrado e toda humanidade deve respeitar esse fato, concordando ou não com a ideia que ele apresenta.

Essa é uma realidade da humanidade que precisa ser entendida e legalmente garantida em todos os lugares, mas, infelizmente, não é isso que temos visto. Deste modo, a intolerância religiosa tem se intensificado progressivamente na humanidade e está ficando cada vez mais difícil que determinados grupos religiosos aceitem o direito à religiosidade de outros grupos. A partir disso, surge a intolerância e os conflitos por questões religiosas.

Na maioria dos países da Terra, os grupos sociais humanos sempre foram livres para escolherem entre o que consideram sagrado e o que consideram não sagrado à sua maneira e consequentemente assim definir a sua crença religiosa específica. Porém, dentro daquilo que se tem como sagrado, algumas religiões se assumiram no “direito” de entender que elas são as mais responsáveis diretamente por muitas dessas situações.

Isto é, tem religiões achando que só elas têm direito e razão. Ou seja, parecendo querer ser mais religião do que outras. Esse problema, se é que se pode chamar essa situação caótica, apenas de problema, é que muitas religiões em seus respectivos dogmatismos criaram líderes, que são seres humanos como quaisquer outros, mas que acreditam que são “seres superiores”, porque lideram grupos que acreditam ter os únicos princípios religiosos corretos.

Esses indivíduos que se assume pretensamente como “seres superiores” costumam ser carismáticos e em função disso, passam a ser muito mais proselitistas, preocupados em arrebanhar mais seguidores de sua causa e da sua vontade, do que propriamente religiosos e seguidores de sua pretensa fé naquilo que primitivamente idealiza sua religião. Assim, muitos deles terminam por esquecer os propósitos religiosos primitivos relacionados ao sagrado e enveredam por questões ideológicas pessoais ou de grupos de interesse próximos. O pior é que, essa condição cria muitos fanáticos que seguem esses líderes sem nenhuma contestação.

Nesse padrão, a “religiosidade do líder” termina por ver a si mesma como solução, quando, na verdade, ele deveria ser o caminho que poderia levar a solução verdadeiramente religiosa, que, para a grande maioria delas deveria ser Deus, Alá, Oxalá ou algum outro nome que identifique, o verdadeiro ser superior, ou uma entidade equivalente. Essa situação conflitante do sagrado com o pessoal, acaba criando conflitos sociais e ideológicos, os quais geram conflitos religiosos, a partir de líderes proselitistas mais radicais e se irradia por seus infelizes seguidores.

Historicamente muitos desses conflitos pessoais se transformaram em guerras sangrentas que ocorreram em vários momentos da humanidade. Mas, nós estamos no século XXI e não deveria mais ser possível que alguns de nós ainda quisessem guerrear por causa exclusiva de divergências religiosas. Entretanto, ainda não estamos livres dessas mazelas e muitas guerras ainda fluem pelo mundo afora, por conta exclusiva das religiões e principalmente de seus líderes.

Esses líderes proselitistas passam a se sentir como emissários de Deus ou de qualquer Ente Superior e se acham capazes de resolver as questões, simplesmente exterminando seus desafetos e suas causas, enquanto os seguidores acompanham piamente os líderes. Na verdade, Deus, o Ente Superior, seja lá que nome tenha, não entra nessa briga, porque as “Guerras Santas” ou “Jihads” não têm nenhum sentido religioso, são meras visões ideológicas de alguns indivíduos, que criam fanatismos em determinados grupos sociais.

Essa situação se acentua mais ainda, quando os proselitistas passam efetivamente também a ser tipos de doutrinadores. Isto é, aquele que disciplina e orienta o preceito “religioso”. Normalmente isso acontece, quando o líder já aumentou bastante o rebanho e agora assume a postura autoritária de obrigar o rebanho a fazer o que ele quer e da maneira que ele quer, mesmo contrariando preceitos da sua pretensa religião. Esse é o grande perigo dos líderes religiosos tendenciosos e de má índole. Esses sujeitos acham que seus respectivos pensamentos são os únicos pensamentos certos e assim não aceitam outras maneiras de pensar.

De qualquer maneira, um indivíduo acreditar que seu pensamento esteja correto é uma coisa que até pode ser salutar, boa e obviamente natural, mas querer que o outro obrigatoriamente pense exatamente como ele é que consiste numa arbitrariedade e num autoritarismo. As “guerras santas” derivam principalmente desse fato, até porque muitas vezes elas acontecem dentro de religiões que possuem a mesma base e o mesmo fundamento religioso. Se os líderes entram em conflito e os seguidores também acabam entrando.

Pois então, talvez por isso, apesar do proselitismo, as religiões têm perdido valor e adeptos valorosos exatamente nesse ponto, porque o sagrado e verdadeiramente religioso acaba desaparecendo no meio da confusão ideológica e dos interesses escusos de seus líderes. A questão toma novos rumos e acaba se perdendo nas mais diversas teias ideológicas, gerando alguns conflitos insanos e intermináveis, onde a culpa é sempre do outro que pensa diferente e que não aceita aquilo que se quer impor a ele.

A noção teológica, sagrada ou religiosa fica de lado, sendo relegada a segundo ou terceiro plano e a essência da religião acaba se desintegrando totalmente. Muitas vezes, a própria religiosidade do grupo se perde nesse contexto e o culto vira uma espécie de “teatro do absurdo”, sem nenhuma conexão com o sagrado, passando a ser uma simples dramatização da vida a serviço de alguém, sem nenhuma conotação religiosa.

Mas aí vem a pergunta; existe solução para essa questão? Obviamente, eu acredito que sim. Tem que existir. Entretanto a solução quase sempre dependerá do aparecimento de novas lideranças que possuam novas ideias sobre as questões e que se proponham a discuti-las. Mas, ainda assim, dificilmente um líder concordará integralmente com o outro. Mas, essa concordância parcial, se existir, até poderá criar outra seita, com uma nova maneira de pensar, o que, poderá resolver os problemas, mas também poderá trazer novos conflitos para o futuro.

Em suma, é bastante difícil estabelecer condições que propiciem respeito mútuo entre os grupos religiosos, não por culpa das religiões, nem mesmo pelos cultos religiosos em si, mas pelas pessoas que delas fazem parte, principalmente os líderes. Desta maneira, é preciso que as diferentes religiões, coloquem um pouco mais de humildade em seus preceitos, de humanidade em suas práticas e um pouco mais de sanidade na indicação e escolha de seus líderes, para evitar situações de confronto, tanto efetivamente religioso, quanto pessoalmente ideológico. Se o sagrado visa o bem, por que criar conflitos por religiões, já que, a priori, todas elas são boas e preocupadas com o bem?

A vida humana não pode ser menosprezada e muito menos posta em risco, por conta da irresponsabilidade de alguns líderes e seguidores religiosos preconceituosos, inescrupulosos e fanáticos que se sobrepõem ao credo que dizem praticar e defender. Qualquer preceito religioso deve, antes de qualquer coisa, partir da premissa do respeito ao seu semelhante, pois caso contrário as pessoas de religiões diferentes serão sempre consideradas como adversárias e algumas vezes até mesmo como inimigas e, por isso mesmo, deverão ser excluídas de alguma maneira do ambiente próximo.

O proselitismo religioso, ainda que necessário ao crescimento das religiões, tem que ser contido e a doutrinação religiosa não pode ir além da escolha pessoal de cada indivíduo. Inclusive, também tem que ser claramente preservado o direito daqueles que não querem professar ou aderir a nenhum credo religioso. Religião é objeto de escolha e aceitação e não de imposição de quem quer que seja. O ser humano é livre para optar entre ser religioso ou não da forma como melhor lhe convier e essa é uma questão de foro íntimo, que não pode ser questionada e nem combatida por nenhum outro ser humano ou grupo social.

Pois então, meus amigos, esse assunto para muitos dos senhores deve ter soado como algo longe da maioria de nós aqui no Brasil. Entretanto, é preciso que fiquemos mais ligados aos nossos atos comuns, muitos dos quais são hábitos originários de nossa religiosidade, para evitarmos situações de intolerância. Essas situações já estão mais próxima de nós do que somos capazes de perceber e começam a existir problemas e preconceitos mais contundentes em determinados locais, que vez por outra alardeiam a mídia nacional.

A sociedade necessita estar atenta ao fato de que quaisquer das religiões existentes, a priori, devem atuar e se envolver na busca maior do bem comum e não na priorização efetiva de um determinado grupo religioso, principalmente do próprio grupo. Pensem nisso, porque estamos vendo cada vez mais, que, a exemplo de outros tipos de preconceitos, o preconceito religioso também está se exacerbando e já está deixando máculas perigosas ao convívio social e esses fatos não podem continuar prosperando.

Temos o mal hábito de comentar sobre o fanatismo religioso dos outros, mas precisamos olhar um pouco mais para dentro de nós mesmos, quando nos referimos às condutas humanas relacionadas com as religiões. A História nos mostra que conflitos religiosos sempre existiram, mas quero crer, que hoje e doravante, com o grau de informação e conhecimento que a humanidade alcançou, eles não podem mais ser justificados de maneira nenhuma. Hoje sabemos que qualquer forma forçada de doutrinação, além de não garantir nada religiosamente, também não oferece vantagem e muito menos segurança a quem quer que seja.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (65)

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