Apesar da chuva, nós continuamos sem água

Resumo: Nossa abordagem dessa vez está relacionada ao grave problema que temos encontrado nesses últimos meses com relação à crise instalada por conta da carência de água. O atual desaparecimento da água no Sudeste, em especial no Estado de São Paulo tem causa conhecida, que é o desmatamento na Amazônia e assim, não é culpa particular de ninguém, ao contrário ele é o resultado coletivo do desleixo histórico com o meio ambiente e da pouca importância que nossa cultura deu a água, por conta de existir grande quantidade desse líquido precioso em nosso país. Assim, estamos vivendo uma situação difícil e estamos dependentes de fato de mais chuvas, até porque nada fizemos para o momento em que ela efetivamente faltasse, como está acontecendo atualmente.


 Apesar da chuva, nós continuamos sem água

As chuvas voltaram, mas lamentavelmente a água ainda não. Essa frase que parece ser um tremendo contrassenso, infelizmente é uma grande verdade. O pior é que, ao que está parecendo, tão cedo a água voltará, apesar das chuvas estarem aí, inclusive já virem castigando bem algumas áreas do estado, em particular alguns bairros da capital. Ora, se temos chuvas e continuamos não tendo água é porque alguma coisa está muito errado. Pois então, eu quero dizer que esse erro é histórico. A questão da água na grande São Paulo é um problema de mais de 100 anos e não é culpa desse ou dos últimos governos isoladamente, embora possa ser de todos eles coletivamente. Isto é, cada um tem a sua parte de culpa no processo. Mas, com certeza, os governos não são os únicos culpados.

Na verdade a coisa vem se perpetuando ao longo da história faz muito tempo, porque de fato, por uma questão cultural, nós brasileiros nunca demos a devida importância ao recurso natural água. Em nossa cultura, fomos ensinados e aprendemos que “a água cai do céu e vem de Deus” e também sabemos que Deus jamais pensaria em nos deixar sem esse líquido precioso. Por outro lado, além disso, aprendemos em Geografia, que o Brasil é o país do planeta que mais possui água em estado líquido e assim água nunca seria um problema nesse país, pois para acabar a água no Brasil, já teria que ter acabado no resto do mundo. Mas, a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9433/97), que está em vigor desde 1997, diz que “a água é um bem de domínio público e um recurso natural dotado de valor econômico” e portanto, nós precisamos reavaliar os nossos conceitos em relação a esse recurso natural tão precioso.

Exageros à parte, quando se fala de acabar a água, na verdade estamos cometendo um erro extremamente absurdo, porque a água existente no planeta jamais vai acabar. Ou melhor, quando a água acabasse, se isso efetivamente fosse possível de acontecer, certamente toda a vida no planeta já teria se extinguido e nós humanos seríamos, muito provavelmente, os primeiros a desaparecer da Terra se acontecer mais uma extinção em massa, porque somos possivelmente a espécie planetária mais dependente de todas. É bom lembrar que só existe vida na Terra, porque existe água no planeta, isto é a vida no planeta é dependência e consequência da água.

Entretanto, certamente ainda estamos muito longe do fim da Terra, ao menos por conta da carência de água, pois a água, embora em sua grande maioria salgada (97,2%), continua abundante no planeta. O que tem acontecido é que nós, os seres humanos, temos feito, ao longo da história, é simplesmente modificado, para pior, a qualidade natural da água e também temos mudado os cursos da água na natureza. Embora eu tenho certeza que está muito longe o fim da Terra, não tenho tanta certeza que esteja tão longe assim o fim da espécie humana, mas essa é uma outra questão que não vou discutir no momento.

Aqui cabe esclarecer que a expressão mudar os cursos da água na natureza, utilizada anteriormente, não se refere especificamente às mudanças feitas nos curso dos rios (embora isso também interfira na questão), mas sim, na mudança efetiva do ciclo natural da água como um todo, porque temos produzido significativas modificações nesse mecanismo e assim temos mudado geograficamente a ocorrência e consequente distribuição da água na Terra. Esses dois aspectos, a transformação físico-química da água e a sua mudança de rota na natureza são os fatores quem têm nos trazido muita dor de cabaça e atual carência de água em algumas regiões.

Ainda que talvez não fosse necessário, porque acredito que todos nós saibamos desse fato, mas devo dizer, até para reforçar, que a quantidade de “água doce” é apenas 2,8% de toda a água existente no Planeta e que apenas uma parte ínfima desses 2,8%, inferior a 1% desse total, podem ser utilizados pelos humanos como fonte de água potável. Vejam bem, agora chegamos ao problema verdadeiro, o que está acabando não é a água, o que está acabando é a água que interessa ao humano, porque essa tem ficado cada vez mais rara e mais difícil, em função das próprias atividades desenvolvidas pela humanidade, que geram mudanças físicas e químicas na qualidade (poluição) e mudanças físicas (falta de chuvas) no ciclo da água em algumas regiões.

Aqui na grande São Paulo, como de resto em todo grande centro populacional humano, essas modificações são mais acentuadas e assim os efeitos também são mais facilmente sentidos, principalmente porque aparentemente antes nunca havíamos tido problemas relacionados com a escassez de água. Obviamente, em regiões onde a quantidade de água já era historicamente baixa, a sua carência certamente foi menos sentida do que em regiões onde ela era abundante. Por exemplo, não é novidade faltar água na região do polígono das secas no Nordeste Brasileiro, mas é novidade faltar água na Serra da Mantiqueira, cujo nome significa “Mãe das Águas”, em consequência de tanta água que lá existia.

Pois então, estamos exatamente nessa situação, nesse momento novo, o momento de faltar água, onde nem se podia imaginar que isso fosse possível, porque simplesmente não tem chovido o necessário para manter a água naquele local. Mesmo com as chuvas, a retirada ainda está sendo maior do que a entrada. Mas, afinal, o que aconteceu? Será que São Pedro brigou com São Paulo? Ou será que Deus se esqueceu do Brasil?

Infelizmente eu devo dizer que não ocorreu nada de anormal e que nem São Pedro e muito menos Deus, nenhum dos dois certamente não têm nada a ver com isso. Na verdade o único culpado é o ser humano que habita a região da grande São Paulo, que acabou com quase todas as florestas, modificou curso dos rios e canalizou alguns deles, impermeabilizou o solo, contaminou os lençóis freáticos, fechou olhos d` água e nascentes, aumentou a temperatura do ar e a evaporação, jogou porcarias das mais diversas na água e que NUNCA se preocupou com isso. Dessa maneira a água foi “desaparecendo” progressivamente, até que sumiu. Um belo dia ela “saiu para comprar cigarros e não voltou”, como diz a lenda.

Esse desaparecimento vem acontecendo faz muito tempo, mas a grande São Paulo, a capital do maior e mais desenvolvido estado brasileiro, não pode parar de “crescer” (inchar) e assim “nunca se teve oportunidade” de trabalhar essa questão. Historicamente, o que se fez foi o seguinte: toda vez que parecia que ia acontecer algum problema relacionado com a carência de água, os administradores públicos mandavam buscar água em outra localidade, cada vez mais longe. Assim foram surgindo os diferentes mananciais de São Paulo. Entretanto, nunca se procurou saber e muito menos controlar as verdadeiras causas da carência de água que acontecia.

Hoje estamos numa encruzilhada do tempo e numa sinuca de bico da história, pois não dá mais para buscar água mais longe, porque vai custar muito caro trazer essa água (trazer água do Rio Ribeira de Iguape) ou porque a água já está comprometida com outras localidades (água do Rio Paraíba do Sul que vai para o Rio de Janeiro). Além disso, todas as medidas emergenciais até aqui anunciadas são paliativas e certamente não irão resolver o problema. Então, como fazer?

Só existe uma saída e esta saída remonta em voltar na História e fazer o dever de casa que não foi feito lá atrás. É preciso estudar um mecanismo que garanta a água para todos e esse mecanismo talvez passe por ter que fazer São Paulo parar de “inchar”, a exemplo do que acontece em Londres, que vem diminuindo a sua área. Além disso, obviamente, deve ser controlado o eterno desperdício de água que ocorre naquela área, onde se joga fora 34% de toda água já tratada, por conta de “gatos” (ligações clandestinas), vazamentos e os inúmeros usos indevidos. Por fim, também é fundamental que se promova o uso da água dentro de condições compatíveis com a realidade local, que hoje é de uma região carente de água e que não pode mais achar que água vem do céu e que Deus vai resolver tudo. Usar racionalmente talvez seja a única alternativa viável ao racionamento da água.

Estamos em São Paulo, aqui temos a maior população do país, a maior universidade do país, a maior agência ambiental do país (uma das maiores do mundo), o maior centro de pesquisas meteorológicas do país (um dos maiores do mundo) e não podemos mais achar que Deus ou São Pedro vão resolver os nossos problemas físicos, químicos e muito menos a ocupação dos nossos espaços urbanos. Não é possível morar tanta gente numa área de manancial como ocorre no entorno da Represa de Guarapiranga, por exemplo. Não é possível achar que buscando água mais além vai se resolver o problema. Temos que usar a ciência e principalmente a consciência para resolver a questão.

Não dá mais, independentemente dos governos, acharem que medidas paliativas vão resolver os problemas, porque a gente sabe que na verdade só estaremos adiando a morte e produzindo problemas maiores para o futuro. No que tange a água, estamos fazendo coisas erradas há mais de 100 anos e possivelmente no início não conhecíamos os nossos erros, mas hoje nós sabemos o que está errado e não podemos de maneira nenhuma continuar errando mais. É preciso ter coragem para dar um basta nessas coisas absurdas que estão aí e começar a mudar o quadro para que São Paulo possa subsistir no futuro com as próprias pernas.

A propósito Deus e São Pedro já estão fazendo a parte deles, porque já está chovendo novamente, mas agora é preciso que nós façamos a nossa parte. Comecemos encarando o problema de frente e aceitando que precisamos mudar a nossa maneira de tratar o recurso natural água e já estaremos fazendo alguma coisa mais útil do que se viu até agora. Vamos parar com esse nosso comportamento histórico semelhante aos bombeiros, isto é, nós até aqui só agimos apagando incêndios, mas agora a realidade terá que ser outra, até porque sem água não seremos capazes de apagar mais nenhum incêndio.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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1 comentário(s)

  1. Parece que em todos meus comentários tento puxar a sardinha para a Casa Ambiente e Saúde, não é meu amigo?
    Mas isso também passo para os visitantes… a importância da água e que sua disponibilidade para consumo também depende do nosso comportamento e consciência. Particularmente em Guaratinguetá, falo da importância da Serra da Mantiqueira e sua vegetação, já que lá estão as nascentes do Ribeirão Guaratinguetá, este que abastece 90% da cidade. Que sem a vegetação na Serra e sem a recomposição das ciliares, poderá futuramente impactar na vida da população um colapso hídrico também…
    Abraço

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