VALE DO PARAÍBA: SUSTENTABILIDADE É A ÚNICA SOLUÇÃO

VALE DO PARAÍBA: SUSTENTABILIDADE É A ÚNICA SOLUÇÃO

Resumo: Neste artigo, que na verdade, é a fala que fiz no XXXIII Simpósio de História do Instituto de Estudos Valeparaibanos (agosto de 2023), apresento minha opinião do que entendo ser necessário para o Desenvolvimento Sustentável da região do Vale do Paraíba Paulista. Faço um apanhado histórico geral do passado, do presente e apresento as possibilidades e os mecanismos para o futuro de nossa região;


Meus amigos, neste momento, passamos por uma situação bastante difícil, estamos numa encruzilhada importantíssima visando garantir a nossa permanência planetária e aqui em nossa região, que não é nada diferente do restante do mundo, seguimos persistindo no mesmo erro global de outros “seres humanos”. Isto é, ainda insistimos em não querer respeitar o Meio Ambiente e minimizar os problemas ambientais. Tivemos, ao longo dos últimos 400 anos da história recente do nosso Vale do Paraíba, três situações distintas que ocorreram, no que diz respeito a ocupação e ao uso efetivo dos recursos naturais da área geográfica da região. Aqui vou chamar essas situações de momentos.

No primeiro momento queríamos encontrar “coisas” para produzir dinheiro e enriquecer as pessoas, com base exclusiva no uso da área e de seus recursos naturais (as “coisas” interessantes que aqui encontrávamos). Ou seja, esse momento se baseava exclusivamente na exploração, na destruição e na degradação do “meio ambiente primitivo”. Por favor, entendam a expressão “meio ambiente primitivo”, como sendo todo o espaço físico, sua fisionomia e obviamente todos os recursos naturais nele disponíveis antes da chegada do “homem branco” à região. Naquele momento nossa preocupação era apenas e tão somente exploratória, extrativista e modificadora da fisionomia do meio ambiente. Queríamos apenas explorar o espaço físico, encontrar e, se possível, capturar as “coisas” interessantes.

Quer dizer, nesse primeiro momento havia uma exploração massiva e excessiva do meio ambiente da região. Assim, tudo que fosse possível deveria ser retirado e ainda tudo que fosse interessante e possível também deveria ser modificado no interesse do homem. Imagino que posso considerar que esse primeiro momento foi o mais longo, durando bastante, cerca de 300 anos, até pelo menos, o fim da segunda guerra mundial (1945). Estou considerando e assumindo isso, porque até então, não existia, formalmente, nenhuma preocupação ambiental no mundo, tão pouco legislação ambiental e por sorte, também não existia tecnologia que permitisse uma exploração mais contundente e efetiva das “coisas”.

O segundo momento, que se manteve, aproximadamente, até os últimos 30 a 40 anos, caracterizou-se por ainda tentar criar condições econômicas para causar melhoras nas cidades e nas pessoas, através da exploração do espaço físico e dos recursos naturais. Entretanto, nesse segundo momento os homens estavam muito preocupados em revitalizar e melhorar a urbanização, além de aumentar a viabilização da industrialização como modelo de progressão da renda, do conforto, da segurança e consequentemente de mecanismos de incremento da sociedade e “embelezamento” dos espaços físicos urbanos, mantendo a exploração rural intensa.

O mote era, principalmente “melhorar” os espaços urbanos e produzir mais satisfação à vida das populações humanas que ocupavam, cada vez mais, esse tipo peculiar de espaço. Desta maneira, as pessoas se dirigiram em grande escala aos centros urbanos, acreditando que assim a vida seria melhor, pois as áreas urbanas eram mais bem cuidadas e “desenvolvidas”. O “progresso” e a urbanização eram os fatores mais importantes. Por conta disso, as condições vida nas cidades certamente deveriam ter muito mais qualidade do que a vida no campo.

Entretanto, o tiro acabou saindo pela culatra e esse modelo, contrariando as expectativas, consumiu mais recursos, ampliou significativamente a produção de resíduos e aumentou gravemente a poluição ambiental, complicando a saúde e, ao contrário do que se esperava, foi significativamente mais degradante da qualidade de vida das pessoas e do meio ambiente.  Talvez a ideia do modelo não fosse ruim, mas sua prática, aleatória e sem nenhum controle, acabou sendo drástica, porque manteve a exploração e não se preocupou, com questões simples e fundamentais, como, por exemplo, a preservação de reservas florestais naturais e a manutenção da qualidade da água, do ar e do solo.

Agora estamos em pleno terceiro momento, onde já conhecemos bastante sobre as coisas erradas que fizemos errado e onde parece que estamos mais preocupados em manter a qualidade ambiental, porque alguns de nós, já entendemos que isso é fundamental para garantir a qualidade de vida das pessoas. Quer dizer, hoje, muitos de nós, sabemos que qualquer procedimento que possa ser viabilizado economicamente, por mais que aparente ser benéfico à sociedade, precisa ser primeiramente analisado e autorizado ambientalmente. Existe uma legislação ambiental efetiva e principalmente existe o crivo do licenciamento ambiental, que hoje é obrigatório, pelo menos no texto legal, embora haja quem não concorde com isso.

Hoje o meio ambiente, ao menos no papel, é o fator balizador preponderante das ações antrópicas. A sociedade só estará realmente satisfeita se mantiver as condições ambientais que aparentam permitir aquela pretensa satisfação que se quer ter. Assim, os Estudos de Impacto Ambiental prévios passaram a ser atividades fundamentais para a realização de qualquer empreendimento possivelmente impactante. Precisamos nos manter ativamente nesse último momento, mas aparentemente ainda tem gente que duvida que essa seja uma condição necessária e prefere seguir no segundo momento e assim, continua seguindo no caminho errado.

Nesse terceiro momento temos que procurar a efetivação de nossa preocupação com o meio ambiente e com a garantia da qualidade de vida das pessoas. Somente depois disso poderemos pensar na geração de recursos econômicos. Temos que acabar com a exploração massiva de recursos naturais, temos que minimizar a geração de resíduos, além de reciclar ou recuperar tudo aquilo que for possível. Temos que colocar todas as pretensas ações numa balança de custo-benefício para identificar a viabilidade de qualquer empreendimento. Em suma, já sabemos que: ou utilizamos o meio ambiente com coerência e parcimônia ou tudo acaba, inclusive nossa espécie que é a mais dependente de todas.

Nós humanos, poderíamos estar bem melhores e o planeta também, mas, por conta de outros interesses, mesmo neste terceiro momento, ainda estamos vivendo “num mato sem cachorro”, como dizia meu avô. Talvez, estejamos nessa condição, porque os cachorros agora também estão muito mais abundantes nas cidades do que antes e assim, no “mato” está faltando cachorro e certamente outros animais. Por conta dessas e outras questões similares, os nossos conceitos de ambiente Urbano e Rural se misturam cada vez mais para o pretenso bem da Economia, mas para o verdadeiro mal do Meio Ambiente, das pessoas e dos demais organismos vivos que neles habitam.

Contudo, hoje temos tecnologia para resolver tudo ou quase tudo. Quer dizer, hoje podemos fazer melhor, ocupar melhor, usar melhor e viver melhor, porque, se quisermos, a tecnologia pode nos auxiliar bastante. Assim, nossa questão não é mais técnica, agora ela é apenas ética e oportunamente política. Deste modo, temos que estabelecer políticas públicas que garantam o uso devido dos espaços físicos e dos recursos neles existentes e que desta maneira favoreçam amplamente a qualidade de vida.

O problema é que muitos de nós, infelizmente, continuam insistindo em fazer errado, descumprindo a legislação, desprezando o conhecimento adquirido com os erros do passado e com a tecnologia do presente, que certamente poderiam nos ajudar a minimizar bastante e, em muitos casos, até impedir a possibilidade de continuar errando. Nós humanos, somos muito teimosos, somos burros mesmos, principalmente o tipo humano que aqui vou chamar de “Homo politicus”, que insiste, por vários motivos, em manter os procedimentos errôneos e incorretos, que não cabem serem discutidos aqui, mas que são fundamentais na hora das eleições e que, tristemente, nos trouxeram à condição atual. Estes tipos de “seres humanos” querem nos manter nesse “status quo” arcaico, predatório, perverso e porque não dizer suicida.

Precisamos nos preocupar mais objetivamente com a manutenção da sustentabilidade ambiental, porque a população, ainda que cresça menos, não para de crescer e deste modo, as necessidades são sempre maiores. Precisamos sempre de mais espaços, de mais recursos, de mais ações e obviamente de mais dinheiro. Aqui na nossa região, temos uma questão mais delicada e complicada ainda, por conta da necessidade, cada vez maior, das águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul e da consequente situação aflitiva na segurança hídrica dessa bacia que, hoje, já abastece diretamente cerca de 30 milhões de pessoas, embora a mídia não fale nada a esse respeito.

Pois então, temos que ter muita parcimônia e uma política regional definida, mas nossos políticos, infelizmente, ainda não têm ou não querem ter essa visão, que é necessária e urgente. Deste modo, cada político ganha os seus votos e muitos acabam se elegendo e fazendo o que querem, sem nenhuma conexão com a necessidade explicita da realidade regional. Temos aqui no Vale do Paraiba, alguns municípios que são verdadeiros “paraísos”, mas também temos alguns quase “infernos”.

Num pequeno pedaço de terra que equivale a apenas cerca de 6% da área geográfica total do Estado de São Paulo, temos 39 municípios e somos a quinta maior região metropolitana do país, com quase 3 milhões da habitantes. Por outro lado, ainda possuímos grande parte da maior reserva florestal natural do estado e não podemos nem pensar em perdê-la, porque nela, certamente, reside a sorte e o futuro da região e das pessoas que aqui ainda vão nascer.

Aqui em nossa região, temos várias Unidades de Conservação Federais, Estaduais e Municipais, além da região ser margeada ao Norte a ao Nordeste por dois grandes Parques Nacionais e pela APA da Mantiqueira a Noroeste. Nas áreas estaduais destacam-se os 5 núcleos do Parque Estadual da Serra do Mar (Cunha, Picinguaba, Santa Virgínia, Caraguatatuba e São Sebastião), que compõem a parte mais significativa dos remanescentes da Mata Atlântica do país. Além disso, temos vários municípios de destaques que nos dá o título de maior fluxo turístico religioso do país.

Esses aspectos nos garantem um imenso potencial turístico e nos coloca entre as regiões de maiores possibilidades nessa área específica de atuação. Entretanto, aparentemente os nossos administradores públicos ainda não entenderam (ou não querem entender) bem esse aspecto e não se dedicam a investir ativa e efetivamente nessa possibilidade de incrementar o turismo da região.

Se, por um lado, temos grandes possibilidades, por outro, continuamos, na maioria das vezes, votando e escolhendo beneméritos respeitados, aventureiros loucos ou picaretas de plantão, para serem os administradores públicos e isso tem que parar de acontecer. Temos que passar a eleger administradores públicos com boa visão geral da realidade socioambiental regional, porque precisamos pensar mais na região e no futuro das pessoas. As eleições têm que deixar de ser coisas de amigos ou de interesses individuais do momento eleitoral. Nós precisamos estar ligados no tempo futuro e trabalhar para o sempre da região. Mais do que, apenas boas pessoas, nós precisamos de pessoas probas, corretas, capazes, competentes e interessadas em fazer efetivamente o que precisa ser feito pela região.

Infelizmente, esse marasmo político que historicamente acompanha a população brasileira, mormente aqui no Vale do Paraíba, por óbvio, é a principal causa dessa triste situação, que põe alguns de nós nos dois extremos (paraíso e inferno) de desenvolvimento e de qualidade de vida. Contudo, é mais triste ainda, quando se observa que a maioria de nós, cidadãos vale-paraibanos, ainda está no purgatório das incertezas à procura da melhora e certamente poderíamos, e pela nossa história, além de nossos recursos naturais e de nosso cabedal humano, deveríamos estar bem melhores, se o trabalho fosse feito seriamente por todos, dentro da realidade e sobretudo, respeitando os interesses regionais primários.

Meus amigos, as cartas estão postas à mesa e lamentavelmente a maioria de nós ainda está discutindo que jogo vamos jogar. Ou seja, nós estamos fora do tempo e da realidade, pois o jogo já está acontecendo faz muito tempo e nós já estamos perdendo feio, aparentemente sem saber. Agora, nós devemos lutar para minimizar o prejuízo, tentar empatar o jogo e lá na frente, se tudo der certo, quem sabe, ainda poderemos até chegar a uma vitória. Mas, isso já está bastante difícil de acontecer. Entretanto, temos que acreditar, porque a “esperança é a última que morre” e a nossa não vai morrer. Para tanto, precisamos mudar o nosso pensamento e principalmente criar atitudes comportamentais muito diferentes das habituais para que essa vitória possa acontecer.

É sabido de todos, mas não custa repetir mais uma vez, que: “não se muda o resultado, cometendo os mesmos erros”, ou seja, “não se consegue alterar um resultado, utilizando sempre os mesmos métodos”. Assim, há necessidade de mudar. É preciso pensar e agir com base efetiva na sustentabilidade. Mas, que fique claro, sustentabilidade real e não o modismo que andamos vendo e vivendo, onde se vulgarizou e se prostituiu a ideia da sustentabilidade. A palavra sustentabilidade está se desgastando muito rapidamente e a verdadeira ideia por traz da palavra está sendo mascarada ou totalmente omitida para atender outros interesses menos nobres e nada importantes aos interesses planetários e sociais.

 A sustentabilidade inexiste sem o equilíbrio do seu tripé: Meio Ambiente, Sociedade e Economia. Qualquer coisa ou que privilegie a Economia, antes de respeitar o Meio Ambiente e de incluir a Sociedade, não é sustentabilidade e sim prestidigitação. Na verdade, acaba sendo enganação mesmo e que muitas vezes pode acontecer por ignorância, mas que, na maior parte das vezes, tem ocorrido pela ganância ou pela má intenção de quem a produz. De qualquer maneira, é necessário entender que a escolha política que fizermos hoje é que definirá o futuro ambiental regional e, consequentemente, o futuro do homem da região.

Não podemos mudar o passado, mas sempre podemos trabalhar, corrigindo os erros e construir um futuro diferente e melhor. Nós devemos ser os artífices de nosso novo futuro, mas temos que começar a construir esse novo futuro agora, no presente, pois não dá para esperar mais. Nosso compromisso com a gerações vindouras, nos obriga a tomar posições concretas e desenvolver atitudes efetivas desde já. A ocupação do espaço físico, gerando empregos e garantindo a qualidade de vida é possível, mas precisamos parar de brincar e temos que passar a pensar, acreditar e agir seriamente objetivados nessa possibilidade.

O primeiro passo é definir o futuro que queremos, depois escolher políticos capazes, preocupados com o desenvolvimento sustentável da região, com visão efetiva da sustentabilidade e, sobretudo, honestos e cumpridores das leis. Por fim, temos que exigir que as ações definidas sejam estabelecidas e tomadas a contento, respeitando o interesse coletivo regional, sem privilégios de quem quer que seja. Somente dessa maneira poderemos sair do purgatório e assim, começaremos uma caminhada progressiva para o paraíso regional.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (67) é Biólogo (Zoólogo); Professor, Pesquisador, Escritor, Revisor e Ambientalista

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