Resumo: Desta vez trago minha reflexão sobre a influência nefasta do Corporativismo nas atividades e na vivência social da Humanidade. Há necessidade de ações simples que priorizem a valorização moral dos Seres Humanos e possar trazer melhorias nas relações da Humanidade.
Triste e infelizmente, o mundo corporativo tem movido o restante do mundo humano. E quando eu digo, “tem movido o mundo humano”, eu estou querendo dizer exatamente isso. Ou seja, todas (absolutamente todas) as ações “humanas”, há muito tempo, têm sido consequências de atitudes e ações puramente corporativas e nada humanísticas, o que tem gerado um imenso desastre ético para a humanidade, o que tem produzido situações imorais e inconsequentes.
A humanidade se idiotizou e se ridicularizou na proporção direta em que investiu em interesses cada vez menores, mais insignificantes e menos humanas. O “homem bom” (que vive para o bem da humanidade) está, ao longo do tempo, sendo suplantado pela condição de “bom homem” (que vive apenas para obedecer e servir a outros homens). Esta diferença entre o sujeito, o objeto, no que tange a bondade e a obediência humana está complicando muitas das ações atuais da humanidade e isso tem ficado progressiva e perigosamente mais significativo.
PONDÉ (2022)3 disse que: “basta olhar o mundo corporativo para ver como a estupidez e o “progresso” sempre se dão muito bem”. Ainda que minha ideia de progresso não seja a mesma que a do autor, tenho que concordar que, na verdade, aquilo que a maioria das pessoas ainda entende como sendo progresso, continua prevalecendo na mente dos “super-homens” corporativos e da sociedade como um todo. Desta maneira a incitação da estupidez é realmente muito amiga do mundo corporativo.
Em certo sentido, o homem bom virou o homem bobo e idiota, por conta das implicações do mundo corporativo, enquanto, por outro lado, os corporativistas viraram gênios (“super-homens”) que dominam os idiotas, tolos e bons humanos. O valor do ser humano hoje é dependente de quem mais atende aos interesses dos gênios superiores (“super-homens”), os quais se esqueceram que todos os humanos devem ser iguais em direitos e deveres. É preciso discutir e rever esse descalabro social e humanitário.
Tudo o que tem acontecido nos últimos anos é consequência da experiência profissional agressiva e insensível, da imposição corporativa e da prioridade trabalhista e funcional do “ser humano”. No passado, tudo era bastante diferente. O ser humano era o sujeito que criava e desenvolvia a condição que lhe gerava o trabalho, o sustento e a evolução da humanidade, além de lhe conceber os devidos qualificativos que eram necessários para realizar e conduzir determinadas funções profissionais. A função profissional era o objeto exclusivo do homem e de sua vontade pessoal.
Hoje, o ser humano é uma peça, uma simples figura, ou melhor, ele se resume na “triste figura de Dom Quixote”, porque tem que se fazer escravo de sua função para poder ser capaz de sobreviver na “grande floresta” das corporações. Hoje o ser humano é o objeto de manobra das corporações e se assumiu como marionete de suas funções sociais e profissionais. A vontade humana perdeu espaço e as diferentes opções de vida deixaram de ser importantes. O trabalho não é mais uma escolha orientada pela vontade, mas, sim, uma exigência determinada pelo sistema, que, ao seu modo, cria regras e impõe obrigações, direta ou indiretamente, a todos os seres humanos.
Os direitos de pensar e agir de acordo com a vontade e com as afinidades na escolha das atividades profissionais, embora ainda existam, são pouco significativos e deixaram de ser importantes. Hoje, cumprir e fazer o desejo de outros é que passou a ser uma regra fundamental e quem não quiser concordar, que se dane. As pessoas simplesmente não conhecem mais as pessoas e nem querem conhecer, talvez, até para sofrer menos. Quanto menor for o contato com outros humanos melhor para tudo e para todos, haja vista que esse contato poderá trazer empecilhos.
Antigamente se dizia, mais ou menos assim. Cadê o João? Sim, o João, irmão de Tereza e primo da Solange, aquele que é marceneiro e que fez o guarda-roupa da casa da tia Maria. O João, filho do Tião e da Cida, neto seu Virgílio do armazém, que gostava de tocar uma viola e era muito bom de bola, quando jovem. Quando eu me lembra daquele petardo que ele tinha naquela perna esquerda, fico com saudades. Quer dizer, o João era uma figura única, cheia de qualificativos e todos os seres humanos, a seu modo, eram assim. Qualquer um tinha muitas informações para dar sobre todos os demais.
Agora se qualquer um pergunta pelo João, dificilmente alguém vai além de “que João”? Isso acontece, porque ninguém sabe mesmo nada a respeito do João ou porque todos “conhecem” tantos Joãos, que fica difícil identificar. Hoje é mais ou menos assim; preciso de um marceneiro e não encontro “nenhum João” que possa me ajudar. Perceberam o marceneiro é o sujeito e o João é o objeto. Isto é, o João não é o que importa e sim o marceneiro que precisa resolver o problema de alguém.
Pois é isso mesmo, meus amigos. Nós invertemos os valores e o objeto passou a ser mais importante que o sujeito e a ter mais predicados relevantes do que o próprio sujeito. A coisa que o indivíduo faz passou a ser mais fundamental do que o próprio indivíduo e dependendo de qual seja essa coisa, ela pode ser preponderante, enquanto ele mesmo é só mais um indivíduo que está temporariamente ocupando um determinado espaço no mundo.
É claro que existe uma explicação para esta situação vexatória e o pior de tudo é que a explicação é fácil e lógica: “tristemente, as pessoas não conhecem e nem querem conhecer outras pessoas e só se importam com quem elas são”. Saber quem são as pessoas não tem mais cabimento no mundo corporativo em que vivemos e, pelo que parece, vamos continuar “vivendo” assim, se é que isso pode ser chamado de “viver”! Perdemos nossas referências pessoais e supervalorizamos as necessidades situacionais e as referências profissionais corporativas.
Qualquer grupo social hoje, com 10, 100, 500, ou 1000 pessoas (o tamanho do grupo é o que menos importa), não se conhece, ou poucos são os que se conhecem, de fato, dentro do grupo. Isso mesmo: as pessoas convivem, mas não se conhecem! Antes, todo mundo conhecia e sabia algo sobre as pessoas dos seus grupos sociais e até comentavam sobre suas respectivas histórias de vida. Porém, hoje em dia, o que vale é saber: “o que faz esse sujeito que está aí na fila do pão”? As pessoas, são meras “coisas” que exercem determinadas funções e que compram seus pães fresquinhos todos os dias e nada mais.
Ora, como resolver essa questão incômoda e naturalmente ilógica? Como fazer os seres humanos voltarem a entender que antes de qualquer coisa, os demais seres humanos são nossos semelhantes. Isto é, são entes biológicos pensantes, capazes de resolver problemas, sobretudo são naturalmente bons sujeitos e precisam de convivência real com outros seres humanos. Somos seres humanos e, como tal, devemos valorizar, prioritariamente, a humanidade, antes de qualquer outro aspecto. Entretanto, hoje o que o ser humano menos tem referência e menos identifica são, exatamente, os outros seres humanos.
O corporativismo chegou ao ponto de fazer o ser humano passar a ser, deliberadamente, inimigo dos outros seres humanos. Infelizmente a busca pelo poder e pelo dinheiro fez o ser humano desenvolver valores maiores que a própria humanidade. Além disso, o egocentrismo fez o ser humano se esquecer que ele é incapaz de viver sozinho. Isto é, sem se relacionar pessoalmente e sem ter outros seres humanos à sua volta.
Deste modo, a humanidade está trocando valores verdadeiros por falácias e especulações comerciais frágeis, impostas pelo corporativismo. Enfiamos os pés pelas mãos e trocamos a pessoa, pelo trabalho, a razão pelo dinheiro e a sociedade humana pela solidão. Nossos valores naturais básicos e fundamentais estão sendo perdidos rapidamente por conta dessas novas posturas adquiridas.
O ser humano está progressivamente mais longe (distante) da sua condição básica de ser humano. Infelizmente, ninguém quer saber mais nada sobre ninguém! As pessoas acreditam piamente que elas se bastam para “viver” bem. Hoje não existem mais seres humanos (pessoas) importantes, mas certamente existem inúmeros “CEO” fundamentais para o mundo corporativo e apenas isso importa e inspira as sociedades, o resto é mera e fortuita consequência.
Nos diferentes grupos sociais, sejam eles profissionais, assistenciais, clubistas ou quaisquer outros, as pessoas são o que menos importa! E o que é ainda muito mais triste e terrível é que, por conta disso ninguém quer e nem precisa conhecer mais ninguém. Nesses grupos, os seres humanos “vivem” juntos e se suportam (aturam). Porém, se fossem depender apenas de seus respectivos egos, já teriam se livrado das outras pessoas do entorno, que só atrapalham os seus parcos interesses.
Ninguém mais conhece e muito menos admira, os sujeitos especiais que a história consagrou, porque suas excepcionalidades, simplesmente, perderam suas importâncias históricas. Hoje não existem “grandes líderes”, “grandes inventores”, “grandes heróis” ou simplesmente “grandes sobreviventes”. Hoje, todos nós, somos apenas migalhas dos pães amassados pelos interesses das corporações, gerenciadas por “super-homens” insensíveis.
O ser humano atual não tem coragem e nem vergonha. Pois, falta coragem para duvidar e vergonha para contrariar. O ser humano virou fantoche dos sistemas políticos, econômicos, midiáticos e empresariais. Quem ousa ser contrário aos sistemas estabelecidos pelas corporações é, simplesmente, descartado da realidade instalada no local e se possível das outras realidades próximas também. Mais desagradável ainda e saber que quase toda a sociedade, acha, aceita e concorda, que deve ser assim mesmo.
Os grupos sociais não enobrecem mais ninguém. Quem foi o último sujeito que você ouviu falar como exemplo de ser humano para a Humanidade? Papa João Paulo II? Madre Tereza de Calcutá? Mahatma Gandhi? Qualquer uma dessas pessoas, já faz, pelo menos entre 20 e 70 anos que morreram. Ou seja, faz pelo menos 20 anos que não aparece ninguém para servir de exemplo à humanidade. Pois é, está parecendo que não existem mais pessoas para servir de exemplo e capazes de mudar o mundo para o bem da humanidade.
O final do século XX e início do século XXI tem mostrado muitos seres humanos inteligentes e acima da média. Entretanto, ainda não nos trouxeram e nem apresentaram grandes sujeitos em valores humanitários. Estamos carentes desses valores, hoje estamos mais para máquinas. Nos tornamos autômatos, isto é, robôs programados para servir aos interesses dos “super-homens”.
Qualquer sujeito normal, hoje, se resume a apenas um número de CPF ou coisa equivalente e um endereço, mas ainda existem muitos que não têm nenhuma dessas duas coisas. Vida, Família, História, Valores, Sonhos e Realizações pessoais ou coletivas são meras recordações que não existem mais. Antigamente o indivíduo tinha um nome, uma identidade e um currículo de vida, com vários características e atividades. O indivíduo, qualquer que fosse, tinha sempre uma história para ser contada sobre sua vida.
Todavia, hoje, o indivíduo tem somente algumas passagens profissionais que compõem o conjunto de toda sua experiência e nada mais. Pouco importa quem ele é, o que ele sabe e o que ele fez de relevante na sua vida ou no seu trabalho, porque esse sujeito é só mais um ocupante de um lugar dentro do sistema e que fique claro: “ele é descartável, porque ninguém é insubstituível”.
Ou seja, qualquer outro ser humano pode fazer o que ele faz. Se o indivíduo der bobeira o sistema, através de outro ser humano, simplesmente, acaba com ele. Aliás, cabe ressaltar que o corporativismo investe bastante nesta condição competitiva e extremamente danosa entre os seres humanos. Por outro lado, muitas funções já não necessitam mais nem de competição entre os seres humanos, pois já existem robôs fazendo quase tudo e agora com o crescimento exponencial da Inteligência Artificial a coisa certamente ficará pior.
Meus amigos, gente virou número e viver virou loteria! Esqueceram que as pessoas, os seres humanos, são reais e estão vivos e que os números nem existem, pois são apenas símbolos quantitativos. Entretanto, se o cidadão quiser sobreviver, ele tem que se contentar em ser apenas mais um número na sociedade. Que situação horrenda esta coisificação do ser humano, que foi criada e que está cotidianamente sendo ampliada. Esta é uma maldade profunda e contundente, que só faz sentido para os interesses corporativos e nada além disso.
Meu Deus, está faltado amor! A humanidade está carente de afetividade, de altruísmo e de companheirismo. É como eu já disse em outro artigo: “está faltando humanidade ao ser humano” (LIMA, 2020)1. Quase ninguém faz mais nada para ajudar ou pelo simples prazer de fazer. Tudo é controlado pelo deus dinheiro e gerenciado pelos impérios das economias e da superficialidade. Está muito difícil (quase impossível) ser humano no planeta dos humanos. Até quando, vamos aguentar esta situação ilógica e infeliz?
O pior e mais triste ainda é que tem “seres humanos” que acreditam que está tudo bem. Aliás, a grande maioria dos seres humanos, nem consegue perceber que está tudo mal. Além disso, ainda existe uns poucos desses seres inumanos insanos que se ufanam das pretensas benesses do sistema e da “excelente condição” da humanidade. É como diz o ditado: “a ignorância é uma benção”. Mas, eu acredito que até para ser ignorante, tem que haver algum grau de prudência e discernimento.
Como disse Bertrand Russell: “o problema do mundo é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas”. Se os idiotas tivessem menos certeza, talvez o mundo fosse muito melhor e o poder do corporativismo, por óbvio, seria menos influente na mente humana. Entretanto a realidade é outra e Bertrand está cobertíssimo de razão. Os idiotas já dominaram o mundo com suas falsas certezas e isso faz muito bem às corporações e aos corporativistas.
Na verdade, estamos apenas sobrevivendo como os demais organismos vivos do planeta. Continuamos com nossas funções biológicas vitais básicas (Nutrição, Respiração, Circulação e Excreção) e alguns de nós, até, ainda conseguem reproduzir. Contudo, certamente nós já passamos por dias melhores e hoje, não conseguimos nos manter tão bem. Nossa espécie está em declínio ético e correndo risco de extinção moral.
Além da falta de coragem e de vergonha, acima citadas, também já não temos mais quase nenhuma vitalidade e nem vivência coletiva como espécie biológica. Faz muito tempo que nossos problemas deixaram de ser nossas questões biológicas e passaram a ser questões psíquicas, afetivas e, talvez, até mesmo espirituais. A humanidade precisa reagir.
É necessário acordar e renascer como fênix voltando à vida. A história já nos mostrou que nossa espécie é resiliente e pode conseguir se reestabelecer. Por óbvio, temos condições de recuperar a nossa capacidade a partir das nossas próprias cinzas. Para tanto, precisamos urgentemente sair da idiotização e recuperar a nossa capacidade de ser feliz, de ser criança de acreditar que o mundo pode ser melhor e que o ser humano pode ser feliz. Temos que redescobrir a criança que existe dentro de nós para voltar a viver e não apenas sobreviver, como seres humanos normais aqui na Terra.
Além disso, é fundamental que voltemos a entender que o ser humano não pode impor regras corporativas e imperialistas a outros seres humanos, porque apesar de nossas diversidades físicas, sociais, culturais, intelectuais e mesmo econômicas. Todos nós somos seres humanos, isto é, somos unidades da mesma humanidade, que está carente e idiotizada, mas que precisa sobreviver ao novo holocausto que se estabeleceu na modernidade por conta das ações corporativistas.
Referências e Leituras Complementares
- 1 – LIMA, L.E.C., 2020. O Maior Problema da Humanidade ao Longo da História, www.profluizeduardo.com.br .
- 2 – MOTA, P.L., 2017.As Leis Fundamentais da Estupidez Humana, https://www.infomoney.com.br/colunistas/terraco-economico.
- 3 – PONDE, L.F., 2022. O Mundo Corporativo mostra como a estupidez e o progresso sempre se dão bem, https://folha.uol.com.br
- 4 – PRETA, Z. C., 2023. A ciência da imbecilidadehttps://zandercp.medium.
- 5 – SOUSA, M. 2020. O efeito Dunning-Kruger e a estupidez humana, https://terracoeconomico.com.br/ .
Caçapava, 19/20 de março de 2025 – 21:30 horas.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (69) é Biólogo (Zoólogo), Professor, Pesquisador, Escritor, Revisor e Ambientalista.