15 out 2014

Profissão Professor: afinal qual é o segredo?

Resumo: O Prof. Luiz Eduardo apresenta mais um artigo, onde aproveita o dia do Professor para fazer uma reflexão sobre a Profissão de Professor e as necessidades para o exercício dessa profissão, que é responsável pela formação básica de todas as pessoas e também pela formação de todos os profissionais das outras profissões.


Profissão Professor: afinal qual é o segredo?

Introdução

Inicialmente quero falar um pouco de História. Não sou historiador, mas sou um ser humano e por isso mesmo sei que a História faz parte de mim e de toda a humanidade. Minha condição cultural como ser humano é consequência da História da Humanidade. Aliás, penso mesmo que o homem se torna mais humano a partir de cada dia que é acrescentado à sua História.

A História é fundamental, porque é ela quem relata e retrata todas as passagens da atividade antrópica sobre o planeta e talvez a grande diferença do homem para os demais animais esteja aí demonstrada, até porque biologicamente não existem grandes diferenças. Apenas os aspectos anatômicos divergem, mas a fisiologia animal é sempre a mesma. Assim, o homem se diferencia dos demais animais, nessa experiência humana que é única no planeta, pela possibilidade de contar, de refazer, de ensinar, de errar, de aprender, de corrigir e de mudar as coisas e as situações ao longo do tempo. Toda a Cultura da Humanidade reside na capacidade do homem de aprender, ensinar, modificar e transmitir.

Assim, talvez fosse possível dizer que sem ensinamento não haveria Cultura, não haveria História e assim o homem não seria intelectualmente tão diferente dos demais animais que habitam o planeta. O registro histórico é uma questão fundamental para a própria busca humana do conhecimento e do aprimoramento. Se a humanidade não aprendesse, guardasse e transmitisse as informações ao longo do tempo, certamente ela não teria caminhado de maneira tão significativa.

Aquilo que hoje, aliás, já faz algum tempo, nós chamamos de Educação, na verdade é o que garante a continuidade histórica e cultural da humanidade. Ou melhor, aquilo que nos últimos anos temos chamado de desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade, resulta dos processos básicos de criação, ensinamento, aprendizagem e transmissão da informação. É isso que a História nos conta e é isso que agrega Cultura ao acervo intelectual da nossa espécie ao longo do tempo. Embora isso seja aparentemente óbvio, sempre é bom, como educadores que somos, nós nos lembrarmos desse fato e dessa característica social humana. Somos o produto da quantidade acumulada e adquirida de informação ao longo de nossa História Natural na Terra.

O Professor, aquele indivíduo que professa e ensina uma ciência, uma arte ou uma técnica, seja ele quem for, é o sujeito mais importante da História Humana, porque sem ele não haveria o transporte e a continuidade do conhecimento ao longo da História e sem isso não existiria Cultura e nós não seríamos absolutamente nada de especiais como seres humanos sem essa condição. Seríamos animais efetivamente iguais aos demais, sem nenhuma conotação diferenciada. Em suma, o Homo sapiens sapiens jamais teria saído das cavernas, talvez nem tivesse entrado nas cavernas e talvez nem mesmo tivesse continuado sua existência no planeta até aqui, se não fosse a passagem gradativa do conhecimento acumulado pelas gerações das diferentes civilizações.

Bem, senhores, peço que me desculpem pelo detalhamento, talvez excessivo, mas considero que esse preâmbulo seja realmente necessário para dar andamento as minhas elucubrações sobre a Profissão de Professor, entretanto, não é exatamente sobre isso que queremos e devemos conversar nesse artigo. Porém, por outro lado, eu não poderia me esquecer sobre essa verdade histórica e sobre a importância de nossa profissão na História Humana e na permanência da Humanidade sobre a superfície da Terra.

Como ninguém nasce sabendo, obviamente é necessário aprender e o aprendizado se dá basicamente através da transmissão da informação. A profissão de Professor é aquela que garante a transmissão da informação e que ajuda a passar o conhecimento e produzir todas as outras profissões que existem. Certamente, não há nenhum indivíduo humano que não tenha participado da experiência de ter sido ensinado por um Professor, pois todo e qualquer ser humano sempre teve que aprender alguma coisa com outro ser humano que o ensinou. Esse outro ser humano que ensinou alguma coisa a alguém, de uma forma ou de outra, profissional ou não, certamente foi um Professor. Pois então, é sobre esse sujeito, essa figura ímpar, de importância relevante e fundamental em todas as sociedades humanas e em todos os momentos da história da humanidade, o Professor, que eu passarei a discorrer agora.

Atributos Fundamentais do Professor

Quando se pensa ou se fala sobre a função de Professor, algumas palavras e alguns requisitos automaticamente são lembrados e isso não é mera coincidência, ao contrário isso é uma contingência natural do exercício do Magistério. Ensinar profissionalmente exige alguns preceitos básicos, os quais estão subentendidos por alguns conceitos teóricos incluídos e abrangidos principalmente nas palavras a seguir: Cultura, Inteligência, Liderança, Criatividade e Sabedoria.

Esses são requisitos fundamentais e qualidades indispensáveis para qualquer indivíduo que manifeste a intenção de abraçar o Magistério Profissional e assumir a condição de ser Professor. Essas cinco palavras e seus respectivos conceitos precisam estar em consonância com as três qualidades necessárias ao Professor para o bom exercício de sua atividade profissional.

As Três Necessidades Fundamentais do Professor

Conhecimento – Estudar para conhecer bem sua área de atuação ou sua disciplina e poder opinar e discutir um pouco sobre as demais. Como foi dito acima, o Professor tem que ter Sabedoria, Cultura, Inteligência, Criatividade e Liderança. O Professor tem que ser um indivíduo generalista e tem que acumular saberes e conhecer um pouco de tudo, mas é preponderante que ele tenha domínio de sua área específica do conhecimento.

Além disso, também é fundamental que ele efetivamente seja capaz de demonstrar esse domínio, buscando exemplos, criando situações, simulando problemas e condições para que seu aluno perceba que “ele é o cara”. Pode ter certeza que é isso que ele quer, pois ele adora dizer: “Fui aluno do fulano de tal: o cara é fera!” Entretanto, o Professor precisa investir toda a sua capacidade intelectual para demonstrar que é mesmo a “fera” que seu aluno quer que ele seja.

Comunicação – Argumentar e Informar de maneira clara, objetiva, atraente e abrangente. A aula é o negócio do Professor, portanto ele precisa cuidar muito bem dela! Ela tem que ser interessante e chamativa, porque sempre haverá outras coisas que certamente poderão interessar mais e o Professor não pode perder a atenção do aluno.

A capacidade comunicativa é talvez a principal característica do “Bom Professor”. Um “Bom Professor” necessariamente tem que ser um bom comunicador. Não adianta ter muito conhecimento se não houver mecanismos de comunicação e transmissão capazes de levar esse conhecimento para os alunos de maneira clara, simples e agradável.

Segurança (Convicção e Poder de Convencimento) – O Professor tem que ter e tem que saber demonstrar que possui toda segurança sobre aquilo que fala. É igual aquela história da mulher de César, que não basta ser direita, mas tem que parecer direita. Em suma, o Professor tem que encantar, além de convencer o seu aluno. Se você é um “Bom Professor”, você sabe o que estou querendo dizer e sabe que isso, embora difícil, é possível e necessário.

O Professor na sala de aula é o protagonista de uma grande peça teatral e ele tem que efetivamente “dar o seu show”. Isto é, o Professor tem que manter o aluno atento e fazer com que ele se envolva naquele momento como se fosse um espectador totalmente encantado e vivendo aquela situação. Isso só é possível, quando se tem o total domínio da plateia e esse domínio é conquistado por convencimento e não por pressão, ameaças ou excesso de autoritarismo, como lamentavelmente ainda fazem alguns sujeitos.

O Professor tem que demonstrar sua autoridade através da sua capacidade de convencer. O aluno tem que acreditar naquilo que o professor está dizendo, pelo simples fato de que é o Professor quem está dizendo. Autoridade é algo que se conquista por mérito cotidiano e não que se impõe por força de vez em quando. Não há receita pronta, mas a melhor maneira de conquistar o aluno é sendo, educado, agradável, competente e convincente. Não há necessidade de bajular ou ser ridículo para agradar e convencer, basta apenas o Professor demonstrar educada e graciosamente que efetivamente sabe daquilo que está falando e seu aluno ficará maravilhado com você. Ser piegas é tudo que o Professor não pode ser, pois aí sua autoridade jamais se manifestará.

 

E então, qual é o grande segredo para ser um “Bom Professor”?

Meus amigos não há segredo nenhum. É óbvio que, como já foi dito, existem algumas exigências mínimas para ser um “Bom Professor”, mas todas essas exigências são possíveis de serem conquistadas e mesmo suplantadas por aqueles que tiverem interessados e quiserem atingir o êxtase do prazer, o verdadeiro orgasmo de ser Professor. Entretanto, é preciso gostar muito e querer mais. Freud já dizia a sua maneira que: sem vontade e sem prazer nada é possível. Ter vontade e fazer com prazer são atributos fundamentais para qualquer coisa e aqui no exercício do Magistério não é diferente. Talvez, sejam esses os grandes segredos, que permitem superar as dificuldades do exercício da Profissão de Professor: a força de vontade e a busca do prazer.

Mas, alguns colegas dirão, mas que vontade devo ter para trabalhar nas condições em que trabalho e para ganhar o salário de fome que eu ganho? Que prazer devo ter para continuar trabalhando feito um miserável, como eu tenho que trabalhar?

Bem, essa é uma questão que cada um deve responder a sua maneira. Não sei, mas, no meu caso específico, talvez eu seja meio (ou muito) masoquista ou mesmo louco, porém depois de mais de 38 anos efetivos de exercício do Magistério Profissional, eu continuo adorando o que faço e fazendo a cada dia com mais prazer. Em contra partida, tenho sido homenageado todos os anos ininterruptamente, pelo menos até aqui, pelos meus alunos nas diferentes escolas e nos diferentes cursos em que atuei. Ora, que prazer maior eu posso querer ter? Que maravilha, faço o que me dá prazer e ainda me pagam e me homenageiam por isso!

Meus colegas Professores, nenhuma profissão pode dar isso que a nossa nos concede. Trabalhamos com pessoas e essas pessoas nos admiram e nos adoram ou não, simplesmente pelo que somos e nós certamente não somos super heróis. Não prometemos nada, não damos nada, não fazemos nada que possa ser avaliado com algum valor venal, apenas procuramos ensinar e ver aquele indivíduo crescer e ser melhor. Isso nos coloca numa condição de altruísmo tal, que aquele indivíduo que recebe o nosso trabalho geralmente nos supervaloriza, desde que sejamos merecedores e efetivamente capazes de realizar um bom trabalho. Só depende de nós mesmos e para isso precisamos apenas trabalhar com seriedade e entender que, em certo sentido, o exercício do Magistério acaba sendo isso mesmo, uma doação altruísta que fazemos e um investimento no futuro da Humanidade para que a Cultura se estabeleça cada vez mais e que a História continue, como eu já disse lá no início do texto.

Estudar, aprender e ensinar, essas são verdadeiramente as palavras, os três verbos, as três ações, que nos devem atrair mais que quaisquer outras, pois o nosso negócio, a Educação, está basicamente contido nessas três palavras mágicas. Se fizermos essas coisas com prazer e vontade, certamente seremos “Bons Professores” e os nossos alunos continuarão nos homenageando eternamente. Sim eternamente, pois mesmo depois de mortos, nós continuaremos sendo lembrados e tendo grande importância na vida de cada um de nossos alunos e nós continuaremos falando (ministrando aulas) para outras pessoas através deles. Pense um pouco e você certamente verá que eu tenho razão, pois você, de repente, está quase sempre pensando e lembrando aquele “Bom Professor” que você teve em dado momento e que lhe ensinou uma determinada coisa ou lhe forneceu certa informação. Pense mais e você verá que, de vez em quando, você cita uma frase, uma fala, um mote, ou qualquer coisa que você aprendeu com algum Professor. Existem inúmeras pesquisas que comprovam que os Professores são os profissionais que mais marcam na vida da grande maioria das pessoas.

Meu amigo, meu colega Professor, o seu aluno é gente como você e sofre as mesmas vicissitudes e vive no mesmo tempo histórico que você e se ele não vive necessariamente a mesma História, pelo menos vive na mesma trilha histórica que você e também deverá lembrar eternamente de você como Professor. É bom lembrar que é até possível que ele não se lembre do seu nome, mas certamente ele se lembrará do Professor daquela matéria que lhe disse aquela determinada coisa. Mas, isto só acontecerá, se você for, de fato, um “Bom Professor”, porque não existe nenhuma lembrança significativa sobre os outros. A escolha é sua.

Por favor, se você optar por não ser um “Bom Professor”, então desista desde já do Magistério e procure outra coisa para fazer enquanto você ainda tem tempo, porque o aluno, da mesma maneira que adora, idolatra e venera, também deprecia, odeia e repudia. Faça um exame de consciência e busque a satisfação e o prazer, mas seja Professor por inteiro, Professor com “P” maiúsculo, como escrevi essa insigne palavra todas às vezes no transcorrer desse texto.

 Luiz Eduardo Corrêa Lima

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12 out 2014

A ARTE DE EDUCAR BEM

Resumo:A partir de um caso imaginário, o Prof. Luiz Eduardo tenta apresentar uma situação referente aos principais problemas educacionais encontrados na sociedade, indicando como sendo possíveis culpados a família e o governo e ainda propondo uma conscientização das escolas para o orientação de que a coletividade deve ter prioridade sobre a individualidade como regra na sociedade.


A ARTE DE EDUCAR BEM

 

“Educação é fundamental”. “Sem educação não há solução”. “A educação é a base de tudo”. “Todos os problemas são, antes de tudo, problemas de educação”. Esses e vários outros chavões já foram ouvidos milhares de vezes por quase todas as pessoas, mas como são chavões não parecem ser verdades e as pessoas escutam e repetem, porém não acreditam, não investem e não vivem as verdades contidas em cada um desses chavões.

A confirmação destes fatos traz em si a própria necessidade da educação e a consequente carência educacional em que vivemos, pois não efetivamos os conceitos educacionais que proclamamos. Isto é, vulgarizamos a educação de forma tal que a própria noção que temos de educação é de algo que não tem muito valor, embora tenhamos que adquiri-la por conta de alguma convenção pre-estabelecida, algum mal sociológico ou talvez até, porque possa ser interessante ser educado.

A educação passou a ser, por contingência, o assunto da moda, que sempre está fora da moda. Falamos em educação todo o tempo, porém não fazemos educação em momento nenhum e o que é pior, deturpamos a noção de educação e criamos um cenário em que não ser educado acaba sendo uma grande virtude, pois estimulamos atitudes que refletem grande falta de educação.

Em suma temos uma situação conflitante entre a teoria e a prática, no que tange a educação. E esse quadro precisa ser modificado vertiginosamente, pois os abusos advindos desta confusão epistemológica, metodológica e conceitual têm produzido uma total inversão de valores na sociedade em todos os níveis. Sendo assim, vamos tentar demonstrar como imaginamos que será possível produzir uma boa educação.

Imaginemos a seguinte situação teórica.

Uma senhora com toda a preocupação possível vai atravessando a rua e eis que um menino de bicicleta, em alta velocidade e na contra mão, atropela a senhora, derrubando-a no chão, e vai embora, sem que ninguém se manifeste e ainda diz assim: “o velha cega olhe por anda, quase que me você derruba, sua nojenta”.

Na verdade, nos tempos atuais a falta de educação e a libertinagem é tal, que a terminologia utilizada certamente seria de mais baixo calão do este. Mas, isso não vem ao caso, até porque é só um exemplo.

Quero crer que qualquer pessoa já deva ter visto (talvez até vivido) uma situação parecida com esta.

Agora vamos tentar descobrir e analisar quantos problemas educacionais existem na cena:

1 – Menino de bicicleta na contra mão – O “Novo” Código Nacional de Trânsito, que lamentavelmente, não pegou, proíbe que ciclistas trafeguem na contra mão. Lei é lei e não tem que pegar ou não, ela tem que ser cumprida ou então não é Lei.

2 – Agressão física à Senhora – Derrubar uma senhora, de propósito ou não, é uma agressão física, que pode refletir, pelo menos falta de atenção, entretanto muitas vezes esse atropelamento é premeditado (desculpem-me pelo pré-julgamento).

3 – Ofensa moral à Senhora – Ofender, sem razão, com palavras de baixo calão uma Senhora é, no mínimo, uma falta de princípios éticos e de consideração com as demais pessoas da sociedade.

4 – Falta de respeito ao falar com uma pessoa, particularmente sendo mais velha – Desrespeitar uma pessoa mais velha demonstra total falta de escrúpulos e de noção de moralidade e da valorização que os mais velhos devem ter, pois precedem a nossa existência. Se eles não tivessem vivido, talvez também não vivêssemos.

5 – Segundo o ciclista, a senhora é quem quase derruba ele – O egoísmo e o individualismo são duas das principais características dos mal educados. Parece que só eles existem, pois só eles são importantes. As outras pessoas sempre os atrapalham, mesmo quando são eles quem protagonizam as ações drásticas.

6 – Total despreocupação com as pessoas do entorno – No momento da ofensa, o mal educado diz qualquer coisa para qualquer um, sem se preocupar com quem está por perto. Até porque, como foi dito no item anterior, as outras pessoas não são importantes.

7 – Alienação das pessoas do entorno, que não fizeram nada – A sociedade é hipócrita, apática e não reage às ações que ela efetivamente reconhece como sendo errôneas. Aceitamos tudo, desde que não sejamos envolvidos direta ou indiretamente.

8 – Essa cena acontece, várias vezes, todos os dias – A sociedade já se “acostumou” com as coisas erradas como estão e certas situações tornaram-se banalizadas a ponto de não fazerem nenhuma diferença no comportamento social.

Então eu pergunto: o que a sociedade tem feito para evitar isso? Eu mesmo respondo. Nada, absolutamente, nada.

Não fazemos nada porque todos somos mal educados e porque estamos bem com a nossa má educação. Só procuraríamos entender e talvez até discutir o problema se, por acaso, estivéssemos no lugar da senhora. Aí, ficaríamos aborrecidos e iríamos procurar aqui e ali uma maneira de culpar alguém do acontecido.

O mais interessante é que ainda assim, muitos de nós relutaríamos em culpar o menino, porque há um outro aspecto a ser considerado. A sociedade tem medo e nós não sabíamos quem era aquele menino, que passou tão rápido e não foi possível identificar. De repente, ele era filho de alguém importante, ou era filho de um parente ou amigo nosso, ou ainda poderia ser um aprendiz de marginal (“trombadinha”), que na verdade queria pegar a bolsa da senhora. Então, porque dizer alguma coisa e correr um risco desnecessário. Diz o ditado que: “em boca fechada não entra mosca” e que “quem não faz nada não vai preso”. Por outro lado, eu quero lembrar também que “quem não deve, não teme” e que “aquilo que eu não quero para mim, não devo fazer aos outros”. Aliás, esse último dito deveria ser o grande acordo de toda sociedade para poder viver bem.

Geralmente, o principal culpado que encontramos é o Governo, em qualquer dos seus níveis. Efetivamente o Governo tem a sua parcela de culpa, mas não é, de forma nenhuma o único culpado. A culpa é da sociedade mal educada que somos. Nossa sociedade, ao invés de tentar deter ou, pelo menos, remediar a tempestade, faz que nem avestruz, enfia a cabeça no buraco para não ver o que está acontecendo e espera a tempestade passar. Como não vimos o que aconteceu, pois estávamos com a cabeça enterrada, não podemos fazer nada em relação ao assunto. Assim, a cena se repete várias vezes e ninguém vê e muito menos diz alguma coisa.

O título desse artigo fala na arte de educar para o bem e a mim parece extremamente fácil. Basta começar a agir no sentido contrário da maré e ao invés de concordar com os erros, ou fingir não vê-los, ou ainda culpar o Governo por todas as coisas que acontecem, porque não começar um processo de depuração da sociedade pela sociedade. As coisas erradas (ruins para a coletividade) devem ser reprimidas pela sociedade, pois só assim elas tenderão ao desaparecimento.

Educar para o bem não é fazer só coisas boas ou benevolentes, mas é, antes de tudo, trabalhar pelo interesse coletivo e contra o individualismo. A sociedade é muito diversa pois é composta de vários setores, vários segmentos, vários profissionais que se unem e que se corporativizam em vários grupos, entretanto todos esses grupos são formados, sobretudo, por pessoas. O interesse das pessoas tem que estar acima do interesse dos grupos, pois esses últimos só existem porque as pessoas existem.

É preciso educar para o bem, fazendo o bem social e rechaçando o mal à sociedade. A família precisa se reestruturar e o Governo precisa fazer a sua parte, mas é preponderante que a sociedade diga o que quer e prove que quer o que diz querer. A ação social coletiva vai acabar com o menino na contramão em alta velocidade, porque não haverá interesse social que conceba este fato. A senhora vai poder atravessar a rua e talvez até ela seja atropelada, mas a postura do menino e das pessoas do entorno serão outras, basta apenas a sociedade querer.

As escolas deverão ensinar esse preceito, a vida em sociedade tem que ser boa para todos e “o direito de cada um acaba, quando começa o do outro”. Andar de bicicleta é um direito, mas andar a pé também é. As pessoas só andam de bicicleta porque primeiramente foram capazes de andar a pé, então andar a pé tem prioridade sobre andar de bicicleta. O menino precisa aprender isso e tem que entender que há uma Lei, o Código Nacional de Trânsito, que dispõe sobre a maneira correta de proceder quando se está dirigindo um veículo, seja um caminhão ou uma bicicleta. Mas ele terá que se conscientizar de que antes da bicicleta ou do caminhão estão as pessoas e que ele também é uma pessoa que tem direitos e deveres para com o resto da sociedade.

Será que isso é tão difícil assim? Será que acreditar que é possível educar para o bem é uma utopia? Será que todos males que afligem a sociedade não resultam desta falta de educação par o bem? Desta falta de vontade coletiva de viver melhor?

A educação é um processo e como tal só se desenvolve com trabalho e metodologia adequadas. A arte de educar bem deve ocorre a partir de princípios éticos que destinem a sociedade ao bem, isto é, princípios que evidenciem a importância e a necessidade do coletivo antes do individual. Arregacemos as mangas e vamos colocar as mãos na massa para construirmos uma nova sociedade, que se não beneficiar a todos, certamente beneficiará a grande maioria e que acabará com a nossa falta generalizada de educação.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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08 out 2014

O Professor e a Caixa de Fósforos


O Professor e a Caixa de Fósforos

Assim como é uma caixa de fósforos com seus respectivos palitos incineráveis, também é o professor com o seu conhecimento e sua capacidade de ensinar. Ambos têm um grande potencial para “botar fogo”, o fósforo nas coisas e o professor nas pessoas. Entretanto, se ambos não forem estimulados, apesar do potencial que possuem, nada acontece.

O tempo passa, novos mecanismos incineradores surgem, mas na hora de acender o cigarro, de produzir um fogueira para o churrasco, na hora de queimar qualquer um objeto qualquer, enfim, na hora de “botar fogo” em alguma coisa, a primeira ideia que se tem em mente é sempre aquela da caixa de fósforos, ainda que hoje em dia, possam existir inúmeros aparelhos e mecanismos, cada vez mais modernos para produzir a incineração.

Com o professor acontece, ipsis litteris, a mesma coisa. Os mecanismos de ensino, os chamados multimeios, estão aí, cada vez mais diversificados e mais sofisticados, entretanto ninguém pensa neles antes do professor, porque eles não são capazes de realizar nada sozinhos. Apenas o professor é capaz de ensinar e os multimeios, que até podem ser ferramentas úteis, sempre necessitam do professor.

Se até aqui, apesar das novidades, não trocamos as caixas de fósforos, também não podemos e nem devemos trocar os professores, haja vista que ambos são essenciais ao bom andamento das coisas e, em certo sentido, acabam sendo vitais às necessidades em que atuam. A figura do professor, com seus multimeios ou não, da mesma forma que a caixa de fósforos com seus palitos incineráveis, também é uma ideia simples, porém insubstituível, como dizia uma antiga propaganda de caixa de fósforos.

Entretanto, ultimamente, temos tido, infelizmente, algumas ideias absurdas quanto aos professores e suas maneiras de atuar, porque diferentemente dos palitos de fósforos que têm que ser acionados mecanicamente por ação externa humana, bastando apenas riscar o palito, os professores são humanos e precisam de uma série de outras coisas para funcionar, as quais são independentes de um simples ato mecânico. Os professores pensam, sofrem, amam e principalmente têm vontade própria para agir e qualquer ato mecânico, do mais simples até o mais extremamente complexo, depende dessa vontade.

Pois então, a vontade é o agente detonador da atividade do professor e obviamente de todo e qualquer ser humano. É através da vontade que o professor pode buscar todas as outras qualidades que necessita para desenvolver bem o seu ofício de ensinar. É através da vontade que o professor estuda, aprende e ensina. O professor, antes dos multimeios, precisa ter algum conhecimento e muita vontade para poder ensinar.

Ora, mas então, como fazer explodir essa vontade internamente no professor para que ele possa “botar fogo” nos seus alunos, produzindo uma boa qualidade de ensino?

Imagino que sejam necessárias algumas condições físicas e psíquicas, mais precisamente considero pelo menos quatro condições fundamentais, as quais podem agir como estimuladoras ideais da vontade do professor.

Primeiramente é fundamental que se tenha condições infraestruturas mínimas para exercer um bom trabalho, quais sejam: local de trabalho limpo e asseado, segurança garantida, material funcional disponível dentro da necessidade mínima do uso. Depois, vejam bem depois e não antes, é fundamental um salário compatível e digno, ao menos satisfatório para o exercício da função e organizado numa grade que permita vislumbrar uma condição de crescimento funcional na profissão. O salário tem que ser consequência do trabalho e não o contrário. Sendo assim, primeiro é preciso pensar no trabalho para depois pensar no salário, mas para que o trabalho se desenvolva a contento, há necessidade de que existam algumas condições físicas ideais.

Num segundo momento, é importante lembrar que o professor precisa gostar de ser professor. Ensinar é um ofício que tem peculiaridades como outro qualquer e exige cultura e curiosidade razoável, além de grande capacidade de argumentação, de conversação e de convencimento. Embora essas características andem bastante escassas nos tempos atuais, os professores não podem abdicar das mesmas para o cumprimento do bom exercício de suas respectivas funções. Professor que não se adequa a essas peculiaridades, que não gosta do que faz e que está dando aula por falta opção melhor precisa ser banido dos meios educacionais.

Outra coisa muito importante é que o professor, além de culto e curioso, como já foi dito, seja também conhecedor de sua matéria e que esteja sempre atualizado em relação a mesma. Para tanto torna-se necessário que existam cursos de extensão, de atualização, de reciclagem e de aperfeiçoamento que o professor possa cursar por conta dos empregadores, mas também por suas próprias expensas, haja vista que o interesse em melhorar profissionalmente deve ser, de forma precípua, do próprio professor. É fundamental que o professor saiba muito bem sobre aquilo que fala, pois ele tem que convencer ao aluno quando está falando e só quem conhece tem segurança e produz convencimento. Sem conhecimento não se cria bagagem, não se está seguro, não se desenvolve capacidade argumentativa e assim não é possível ensinar e muito menos convencer quem quer que seja.

Por fim, também é muito importante que o outro lado, os alunos, se predisponham a receber a informação e que vislumbrem aquele conhecimento contido na informação como fonte de interesse para sua vida individual ou social, tanto do pontos de vista teórico, prático, funcional, filosófico, ético e moral. Se o aluno não der importância ao ensino, certamente o ensino não acontece, porém o professor tem que procurar demonstrar essa importância que o aluno precisa ver e que muitas vezes ele infelizmente não quer. Embora o aluno deva vir para a escola cônscio de sua parte no processo educacional, a tarefa de motivar, em certo sentido, também pertence ao professor. Cabe a ele tornar a sua aula interessante para despertar um pouco mais o interesse de seu aluno.

Não sei se isso é bom ou ruim e nem vou discutir esse fato aqui, porque foge ao interesse deste modesto ensaio. Porém, a verdade é que no ensino privado as condições acima descritas estão mais bem estabelecidas do que no ensino público e assim fica fácil entender porque o ensino privado está significativamente melhor que o ensino público, embora isso não seja uma regra absoluta. Todavia, faço questão de lembrar que no passado a verdade era outra e ocorria exatamente ao contrário do que hoje acontece e muitos de nós, inclusive esse escriba, tiveram seus ensinamentos básicos em escolas públicas. Aliás, é bom ressaltar, que as vagas nas escolas públicas eram disputadas através de concursos e só os melhores, a partir de uma nota mínima estabelecida anteriormente ao concurso, conseguiam ingressar nessas escolas.

A caixa de fósforos exige condições especiais para produzir o efeito esperado, por exemplo, para “botar fogo” é preciso haver oxigênio no ambiente onde a riscagem do palito de fósforo acontece. Além disso, é necessário que o palito de fósforo e o local da riscagem na caixa estejam secos. Se essas condições mínimas forem estabelecidas e o ato mecânico que estimula o efeito se efetivar, certamente a incineração sempre acontecerá.

Com os professores a questão é bastante diferente, embora eles também sejam profissionais que têm necessidades especiais, não basta apenas satisfazer essas necessidades para que a ação esperada se realize. Os professores trabalham com um material que é especial, o aluno, o qual também é um ser humano. Como já vimos, esse tipo de material, o aluno, assim como o professor, tem vontade própria e essa característica pode mudar tudo, independentemente das condições ideais estarem todas estabelecidas. Ao contrário do que muita gente pensa, ensinar é uma tarefa muito difícil e não é qualquer um que pode estar em condições de desenvolver essa função, há necessidade de um bom preparo, de uma boa qualificação e sobre tudo de muita vontade.

Em suma, se todas as condições básicas forem satisfeitas e se os alunos e os professores tiverem vontade reciprocamente, os professores poderão “produzir boas chamas”, dar boas aulas e assim formar bons alunos. Porém, se não houver vontade, mesmo que todas as condições estejam estabelecidas, o palito que produziria a chama da Educação não se incinerará e as chamas não se formarão. Ou seja, sem vontade não há ensino. Aliás, sem vontade não há nada.

Então meus amigos, acabo finalmente de chegar onde eu queria. Estamos vivendo um momento em que somos cientes da necessidade dos professores como profissionais, porque estamos carentes de informação e de conhecimento. E mais, temos certeza de que a Educação é o único caminho que poderá nos levar a uma condição melhor. Entretanto, estamos fazendo a coisa errada, pois estamos tentando acender palitos de fósforos molhados e o que é pior, no vácuo. Desse jeito vamos ter que destruir muitas caixas de fósforos e gastar muitas vezes mais energia do que conseguiremos produzir. Isso admitindo que sejamos capaz de conseguir produzir alguma coisa, o que, pelo andar da carruagem, é bem pouco provável, para não dizer impossível.

Gente, está na hora de melhorar as escolas, mas de colocar gente boa e capaz dentro delas, de remunerar e qualificar melhor os professores, de questionar os pais para que ajudem a motivar seus filhos, de aprovar os bons e de reprovar os maus alunos, pois só assim, vamos poder “botar fogo” na educação do país, produzindo um ensino de boa qualidade que nossa gente tanto necessita. Chega de conversa mole, pois na vida tudo se põe à prova, até mesmo uma simples caixa de fósforos, se está em desacordo é descartada, então porque com a Educação, que certamente é a mais fundamental das atividades humanas, temos tentado mascarar a realidade e agir diferente.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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05 out 2014

Retrato do Cotidiano no Subúrbio Brasileiro

Resumo: O Prof. Luiz Eduardo conta um acontecimento de um homem que abraça e leva para casa um amigo machucado, por conta de um escorregão que lhe deixou de cara com uma árvore na descida de um morro. A partir daí desenvolve-se uma história engraçada que acaba por complicar bastante a situação no que diz respeito a sexualidade de ambos.


 

Retrato Cotidiano do Subúrbio Brasileiro

Era um final de tarde de domingo, quando Zé Encrenca acabava de descer a Ladeira do Morro Liso, no Bairro do Barro Vermelho em direção à sua casa e eis que, de repente, ele ouve aquele estrondo: URHURHURHURHURHURHURHURHURHURHURHURH….

Imediatamente, Zé Encrenca se volta para trás e ainda consegue observar seu amigo, João Mala Cheia, arrastando, a grande nádega que lhe originou o apelido, morro abaixo e parando de cara com uma árvore. Zé Encrenca corre e se dirige ao amigo, que ainda está meio tonto e assustado, além, obviamente, da cabeça dolorida, do glúteo e das coxas violentamente ralados, e diz:

O João, o que aconteceu rapaz?

Sei lá Zé, eu nem me lembro direito, mas eu estava saindo da casa da Tia Joana, que mora lá em cima quase no pico do morro e aí, tropecei, caí sentado e vim escorregando até aqui e se não fosse essa árvore, eu não sei onde ia parar. Rapaz, mas eu estou todo ralado e lambuzado de sangue e barro, tenho que me limpar, você pode me acompanhar até em casa?

É claro, João, vamos lá.

O Zé ajudou o amigo a se levantar, os dois se abraçaram e se dirigiram para a casa do João.

No caminho, muita gente perguntava sobre o que havia acontecido e o Zé Encrenca, cada vez mais encrencado, parava e explicava o acontecido. Nessas alturas do campeonato, o João Mala Cheia já estava se lastimando muito das dores produzidas pelas raladuras em carne viva e que, cada vez mais se associavam ao barro incrustado e ao suor de seu corpo.

João Mala Cheia já não estava agüentando mais aquele sofrimento, aquele anda e para interminável. Por conta disso, ele solicitou ao amigo que não parasse outra vez, porque ele precisava chegar logo em casa, pois as dores estavam ficando mais fortes e se ele não limpasse logo as feridas, estas poderiam infeccionar e aí a coisa poderia ficar muito mais complicada.

Obviamente o Zé Encrenca não gostou da reclamação do amigo, porque entendeu aquela solicitação como sendo um pito por sua atitude e aí fez jus ao seu apelido, dizendo: escuta aqui o João, eu estava indo para minha casa quando você descia o morro ralando essa sua bunda grande, fui lá para lhe auxiliar e agora estou tentando levá-lo para sua casa e você está reclamando comigo. Caramba! Se você não está satisfeito eu deixo você aqui mesmo, vou embora e que se dane.

Calma Zé, não é nada disso, desculpe-me. Eu só estou dizendo que estou com muitas dores e que gostaria de chegar lá em casa o mais rápido possível.

O Zé, ainda de cara amarrada, falou: então está bom, vamos embora.

Pouco mais à frente, eis que aparece a mulher do Zé Encrenca, a Dona Maria Problema, que já vai dizendo: o Zé você não ia passar na Padaria e comprar o pão e o leite para as crianças tomarem café? Então, o que você está fazendo aqui para essas bandas, estranhamente abraçado com outro homem. A padaria fica do outro lado do bairro.

Antes do Zé responder, o João roubou a palavra e foi dizendo: Dona Maria a culpa é minha que caí do morro, ralei a bunda e o Zé está me auxiliando e me levando para casa.

E a Dona Maria disse, Ué, o meu marido agora é quem cuida de sua bunda ralada? Tome vergonha na cara Senhor Mala Cheia e arrume sua vida, deixe esse negócio de ralar a bunda de lado. Ainda mais com o meu marido! Não é isso Dona Maria, eu escorreguei pelo Morro abaixo e me machuquei e seu marido, está apenas me levando para casa.

Está bom, mas enquanto ele leva você para casa, quem cuida da casa e dos filhos dele? Nessas alturas o Zé Encrenca, que até então estava calado, mas que já não suportava mais ouvir a voz de sua mulher, resolveu intervir.

Mulher, espera aí! Para começar não entendi essa sua desconfiança e depois o João é meu amigo e eu estou fazendo um favor para um amigo que está com problemas, não vejo nada de mal nisso. Por outro lado, sou eu quem deveria estar perguntando: porque é que você está passeando pelo lado de cá do bairro? Era por isso que você não podia ir à Padaria comprar o pão e o leite das crianças? Eu também quero saber, quem cuida das crianças, quando eu não compro o pão e o leite?

O que se está falando, Zé? É isso mesmo que você ouviu! Você não disse que não poderia ir à padaria porque tinha algumas coisas para resolver, então o que você está resolvendo por aqui? Está procurando sarna p’ra se coçar?

Ah! Não encha o saco, Zé!

Não encha o saco você, Maria Problema! Vá para casa, mas antes passe na padaria e compre o pão e o leite das crianças, enquanto eu vou levar o meu amigo João Mala na casa dele e não quero mais discussão, em casa nós conversamos. Maria saiu, sem falar mais nada e sem causar mais nenhum problema.

Nesse momento o João virou-se para o Zé e disse: o Zé desculpe-me pelo aborrecimento que causei entre você e sua mulher.

E logo veio o troco do Zé Encrenca. Você não tem culpa de nada e não teve aborrecimento nenhum. A Maria é problemática e complicada mesmo, mas depois eu me acerto com ela. Porém, agora, vamos embora e não vamos mais discutir sobre isso.

Finalmente, depois de mais alguns minutos de caminhada, os dois chegaram à casa do João Mala Cheia.

Teresa Maluquinha, esposa do João Mala, ao ver o marido todo sujo e ensangüentado, começou a gritar: Socorro, Socorro! Meu Deus, Meu Deus, o que aconteceu com o meu marido? O Zé Encrenca, você bateu nele? Ele foi atropelado? Algum cachorro mordeu ele? O que fizeram com ele, Zé?

O Zé virou para o João e disse baixinho. O João manda essa maluquinha da sua mulher calar a boca e explica logo o que aconteceu, antes que eu perca a linha e mostre para ela, porque me chamam de Zé Encrenca.

Teresa, eu rolei escorregando pelo Morro Limpo abaixo, me arranhei todo e ainda bati com a cara numa árvore. O Zé veio me trazer, porque não dava para eu chegar aqui sozinho. Agora me prepare um bom banho e venha me ajudar a tirar esse barro e esse sangue do corpo.

Sangue e barro que, nessas alturas, já estavam devida e respectivamente coagulado, pisado e incrustado. Dava dó vê o estado do João Mala Cheia.

Mulher ponha água para ferver, porque tem que tirar essa sujeira toda e matar as bactérias que estão se aproveitando de mim, pois está tudo em carne viva e pode infeccionar. O Zé, não vá embora, espere um pouco até eu me arrumar. Tonico, meu filho, (Tonico Medroso é o filho caçula do casal.) vá até lá na geladeira e pegue uma cervejinha para o Tio Zé.

O João e a mulher sumiram no banheiro, a cerveja chegou, a água ferveu e o Zé ficou lá com o Tonico, esperando o João voltar limpo do banheiro.

Enquanto o Zé enchia o copo de cerveja, o Tonico perguntou: Tio Zé, meu pai vai morrer? Mas o Zé fingiu que não ouviu e sorveu o seu gole de cerveja. Tonico insistiu: Tio Zé, meu pai vai morrer?

Menino vá brincar e deixe de conversa boba que eu estou muito cansado e não quero conversar agora.

Se o menino já estava assustado e com medo, o silêncio de Zé Encrenca à sua pergunta o deixou pior ainda.

Nesse ínterim, começam a ser ouvidos alguns ais e uis produzidos pelo João. Mulher, está doendo muito.

Eu sei João, mas tem que limpar essa sujeira.

Ai, mulher, devagar. Caramba! Puta que pariu, mulher, isso dói demais. Está ardendo p’ra cacete!

O João estava chiando mais do que panela de pressão.

O pequeno Tonico começava a deixar escorrer algumas lágrimas, por conta dos gritos de seu pai, enquanto o Zé Encrenca dava gargalhadas sozinho, por conta da choradeira de seu amigo arranhado. Homem frouxo e chorão esse João! Exclamou ele repentinamente, consigo mesmo.

De repente Zé Encrenca observou o choro do menino e disse: O menino venha até aqui. Seu pai é frouxo, mas não vai morrer não. Pelo menos dessa vez ainda não e você não precisa ficar chorando.

Mas, Tio Zé, meu pai está gritando muito. Parece até que minha mãe está batendo nele.

Ele está gritando porque, como eu já disse, ele é muito frouxo, mas está tudo bem com ele. Não há nada, além dos arranhões. Fique tranqüilo que ele vai ficar bom.

Quase meia hora depois, o João e sua mulher saíram do banheiro. O Zé quando viu o amigo todo vermelho e com várias partes em carne viva, ficou até com certo arrependimento de ter chamado o amigo de frouxo, haja vista que o corpo dele devia estar mesmo ardendo à beça. E meio sem jeito, questionou ao João: Então rapaz, agora está tudo sobre controle?

Parece que sim, respondeu João. Porém, eu tenho certeza que esses arranhões vão me incomodar muito nos próximos dias, principalmente na hora de dormir e já estou preocupado como vou fazer com o trabalho amanhã.

Zé Encrenca falou: Meu amigo, não se preocupe não que eu explico direitinho o que aconteceu para o seu chefe lá na fábrica e por outro lado, você vá até o posto de saúde para que o médico lhe dê uma licença por alguns dias.

Está bem Zé, muito obrigado. Se não fosse você, talvez eu ainda estivesse sentado de cara naquela árvore lá na descida do Morro Liso. E obrigado também, pelo favor que você irá me fazer amanhã.

Meu caro João, não esquente a cabeça. Amigo é para essas coisas e para essas horas. Bom, a prosa está boa, a cerveja também, mas agora você já está devidamente ajeitado em sua casa e eu preciso ir para a minha. Aliás, eu ainda vou ter que acabar aquela discussão com a Maria Problema. Mas, essa é uma discussão que só interessa a mim mesmo. Até manhã meu amigo e se cuide para se recuperar o mais rápido possível.

Zé Encrenca atravessou, outra vez, o Bairro do Barro Vermelho e finalmente chegou à sua casa. Já passava das 19h30min, quando ele abriu a porta, sentou no sofá e já foi gritando: Maria, Oh! Maria venha cá, que eu quero conversar com você. Entretanto, houve um silêncio absoluto e Maria não respondeu ao seu chamado. Ele insistiu: Maria venha cá. Mas, nada da Maria aparecer. Caramba! Cadê essa mulher?

Zé Encrenca vasculhou a casa toda e não havia nenhum sinal de Maria Problema, nem das crianças (Aninha e Paulinho, gêmeos com 7 anos de idade). Aí ele pensou: “Ué, que será que deu na minha mulher? Será que ela resolveu sair com as crianças para comprar o pão e o leite? Ou será que ela ficou muito aborrecida comigo e resolveu ir embora, levando as crianças?

Se Zé Encrenca que antes estava apenas brabo, agora começava ficar efetivamente danado, com a possibilidade de sua mulher ter saído de casa e levado os seus filhos.

Ah! Eu vou matar aquela mulher. Exclamou ele, várias vezes.

Ele pegou o telefone e começou a ligar para todo mundo que conhecia e para todos os lugares onde Maria poderia estar, mas ninguém sabia de Maria. Assim, o Zé Encrenca foi ficando cada vez mais atormentado e aborrecido.

Por volta de 22h30min, eis que Maria e as crianças aparecem na casa.

Zé Encrenca já foi logo chutando o balde: O mulher, você é doida? Onde é que você estava? E essas crianças até agora na rua? Quem você está pensando que é? E o que você está pensando que eu sou?

Maria, com a voz trêmula de medo do marido, disse: Espere aí e fique calmo homem, que eu posso explicar. Logo depois que encontrei você com o João, eu vim para casa. Mal cheguei e o Manezinho, filho da Zilá, (Minha amiga que mora na Fazendinha e que você conhece.) entrou aqui correndo e pedindo socorro porque havia estourado a Panela de Pressão na casa dele.

A Fazendinha é considerada a área mais nobre do bairro, porque lá existe um pequeno parque onde a grande maioria das pessoas do bairro passeia, se diverte e faz convescotes.

Tia Maria, por favor, vamos lá comigo, porque sujou tudo, quebrou um monte de coisas e, além disso, a minha mãe também se queimou nos braços, pernas, parte da frente do corpo e estava precisando de alguém para ajudá-la.

Daí, eu juntei as crianças e fomos correndo para lá. Afinal de contas, ela é minha amiga e vive sozinha com o filho, desde que o marido morreu naquele acidente terrível. Da mesma maneira que você em relação ao João, eu também não fiz nada de errado, apenas estava ajudando uma amiga necessitada.

Está bem mulher, me engane que eu gosto. Agora conta outra.

Zé foi isso mesmo que aconteceu. Por que eu haveria de mentir? Pergunte as crianças.

Então, porque você não ligou para casa Maria?

Primeiro porque lá na casa da Zilá não tem telefone e segundo porque eu sabia que você não estava em casa, pois tinha ido levar o João na casa dele, do outro lado do bairro.

Está legal Maria, mas então me conte o que aconteceu.

A Zilá estava cozinhando feijão para ela e para o Manezinho na panela de pressão e de repente a panela explodiu. A casa ficou um cacareco, quase tudo se quebrou na cozinha, o teto e as paredes ficaram totalmente lambuzados. Alguns respingos pegaram na Zilá, que, por sorte, estava longe do fogão na hora da explosão, mas, ainda assim teve várias queimaduras e está com o corpo todo ardendo. Nada muito sério, mas vai perturbar por algum tempo. Levei a Zilá na Farmácia do seu Zé da Botica, que deu uma boa olhada nas queimaduras dela e mandou que ela passasse uma pomada para amenizar as dores. Depois voltei com ela para casa e ajudei na limpeza e na arrumação da bagunça. Saí de lá e vim para casa, mas só consegui chegar agora.

Aninha resolveu ajudar a mãe e disse: Foi isso mesmo que aconteceu pai e enquanto a mãe arrumava as coisas para a Tia Zilá, eu, o Paulinho e o Manezinho ficamos na sala vendo televisão com uma moça que ficou o tempo todo cuidando da gente. Aliás, ela é muito legal e conseguiu nos distrair tão direitinho, que nem ficamos assustados com o acontecimento.

Então está certo. Bom, agora eu vou dormir, porque amanhã eu tenho que ir trabalhar cedinho e tenho que avisar para o chefe do João que ele não irá ao serviço. Boa noite.

Zé eu também vou ter que sair amanhã cedinho, depois que as crianças forem para a escola eu vou voltar lá na casa da Zilá, para ver se está tudo certinho com ela e depois eu volto para casa.

Tudo bem mulher, tudo bem. Amanhã é outro dia e espero que seja menos complicado que hoje.

No dia seguinte, no trabalho, o comentário era sobre duas histórias acontecidas no bairro, no dia anterior.

A primeira era sobre um “casal” de homossexuais que atravessaram o bairro abraçados, porque um deles, que tem uma bunda privilegiada, estava com a cara e o corpo ensanguentado, pois caiu e rolou escorregando morro abaixo, enquanto o outro, possivelmente seu namorado ativo na relação, o arrastou pelas ruas do bairro para garantir que ele chagaria em casa sem ser molestado por ninguém. Disseram também que a mulher de um deles, ao ver a cena, bateu boca com o marido no meio da rua.

A segunda história era sobre uma mulher, conhecida por Zilá, que deu uma festa de arromba, onde aconteceu de tudo, lá na Fazendinha. Alguém divertia as crianças das pessoas que lá chegavam, numa sala de televisão, enquanto a esbórnia comia solta nos outros cantos da casa. Diz que a barulheira era tal, que até parecia com o estouro de uma panela de pressão. Falaram até que tinha uma mulher, que chegou com um casal de crianças, que era a mais animada de toda. Inclusive disseram que essa foi à farmácia do seu Zé Botica junto da Zilá, para comprar pomada japonesa e preservativo para os homens. Ao que parece ela era a principal e a mais festeira das amigas da Zilá.

Zé Encrenca coçou a cabeça (entenda testa) e resolveu não falar nada, no serviço, sobre o que aconteceu com o João, apenas disse ao seu chefe que o amigo tinha ido ao médico, não viria trabalhar e que depois ele mesmo explicaria o que havia acontecido. Por outro lado, Zé Encrenca nunca mais saiu de casa, nem para ir à padaria, nem discutiu mais com sua mulher e também nunca mais comeu nada feito em panela de pressão, apenas pediu para que sua mulher deixasse de ir à casa da Zilá.

Por sua vez, a mulher do Zé Encrenca, Maria Problema, agora está pensando em mudar de nome, pois o problema agora é só do seu marido, mas ela está com a consciência tranquila. A única questão que ainda existe e que está chateando um pouco o Zé Encrenca é que as crianças vivem pedindo a mãe para serem levadas à casa da Tia Zilá, a fim de ver televisão e conversar com a moça que cuidou delas. Por conta disso, de vez em quando a testa do Zé Encrenca ainda coça, mas certamente não é nada de muito comprometedor e ele conseguirá suportar.

Ah! Ia me esquecendo. O amigo do Zé Encrenca, João Mala Cheia, está cuidando das feridas e de vez enquanto o Zé vai lá para visitá-lo e para tomar uma cervejinha. A mulher do João, Teresa Maluquinha, que, depois dos comentários, anda meio desconfiada com as visitas do Zé Encrenca ao seu marido, agora endoidou de vez e tem passado um pouquinho de ácido nas feridas do João. O menino, Tonico Medroso, também anda bastante envergonhado, por conta das coisas que ouviu sobre o seu pai e agora não tem mais dúvidas, acha mesmo que o pai é frouxo e precisa morrer.

Enfim, o Bairro do Barro Vermelho continua o mesmo, mas as famílias envolvidas nessas duas histórias estão marcadas pelo resto de suas vidas, embora ninguém possa efetivamente dizer nada de ninguém. O Bairro continua tranquilo e a Fazendinha continua sendo a área nobre da cidade, mas agora, de acordo com a opinião popular, com atrativos alvissareiros e muito interessantes.

Quem se deu bem mesmo foi a Zilá, a mulher que ninguém nem sabe se existe mesmo, mas que, segundo consta, teve sua casa arrumada e ficou famosa por causa das festas que promove. No imaginário popular o Bordel da Zilá é o maior e o mais importante prostíbulo do bairro. Já há até quem tenha unido as histórias e diga que o casal homossexual se conheceu lá no Bordel da Zilá.

Bem, certamente eu não sei e ninguém vai saber, se o caso é totalmente verdadeiro, mas fica aqui o adágio popular que diz: “o povo aumenta, mas não inventa.”

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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02 out 2014

Crise Hídrica no Estado de São Paulo

*Para saber mais acesse www.headtalks15.com.br

 

Vídeo: Crise Hídrica no Estado de São Paulo

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28 set 2014

Externalidades e Hipocrisia

Resumo: O Prof. Luiz Eduardo apresenta mais um artigo, dessa vez fazendo uma reflexão acerca do uso maciço e cotidiano da INTERNET e do afastamento entre as pessoas, o que ele acredita ser ruim para o relacionamento forte e real que precisa existir entre os seres humanos. O texto é relativamente curto, embora um pouco subjetivo e procura demonstrar que é preciso controlar o egoísmo que naturalmente existe nos representantes de nossa espécie. Apesar da complexidade do assunto, acredito que o artigo possa servir como boa fonte de reflexão para pensarmos juntos num mundo melhor, com humanos melhores. Leiam o texto e digam o que acharam do mesmo.


Externalidades e Hipocrisia

É claro que todo mundo tem problemas e que esses problemas lamentavelmente são pouco significativos para os outros, porém certamente os problemas são fundamentais para as pessoas que os têm. Assim, quase ninguém tem tempo efetivo para os problemas dos outros, haja vista que cada um está olhando para dentro de si mesmo, preocupado com seus próprios problemas. Quer dizer, de uma maneira geral, as pessoas só se preocupam consigo mesmas e seus respectivos problemas (umbigos), mas é óbvio que existem alguns seres humanos raríssimos, ilustres e quase santos que fogem a essa regra, como Madre Teresa de Calcutá, só para dar um exemplo. Mas, não é desses seres humanos especiais como Madre Teresa que eu quero falar. Vou me referir aos humanos comuns. Todos nós, meros seres humanos comuns, apesar de convivermos sistematicamente com outras pessoas, na verdade não conhecemos direito esses outros seres humanos que estão ao nosso lado e na verdade, parece que não queremos mesmo conhecê-los. Quando muito, nós temos apenas e tão somente uma visão externa, superficial e muito pouco abrangente das demais pessoas a nossa volta, salvo raríssimas exceções, como é o caso de pessoas mais próximas e importantes que nos surgem pelos mais diversos motivos e situações, como os pais, os filhos e aqueles amigos mais chegados. Quer dizer, de maneira geral quase todos nós somos bastante desconhecidos de nós mesmos, pois temos uma visão caolha dos outros com quem convivemos e ao mesmo tempo somos naturalmente falsos e hipócritas com os problemas dos outros, com os quais ladinamente fingimos nos preocupar. Não fazemos isso por mal. Na verdade, nós não participamos da vida das outras pessoas, porque estamos muito envolvidos com os nossos problemas e não temos tempo e nem nos damos o direito de conhecer o outro plenamente. Isso não bom e nem é ruim, esse fato é apenas natural, pois essa é uma característica muito marcante de nossa espécie. É duro ter que admitir, mas somos naturalmente uma espécie egoísta e o pior é que essa característica parece ter sido de significativa importância para a nossa evolução, mas essa é outra questão que não cabe ser discutida neste momento. Por outro lado, já que temos consciência desse fato, não podemos, de maneira nenhuma, deixar transcender o limite do possível e utilizar o nosso egoísmo natural como forma de prejudicar outros indivíduos deliberadamente e assim acabar prejudicando toda a nossa espécie. Somos indivíduos, mas temos que pensar como espécie, porque do contrário caminharemos muito rapidamente para a nossa extinção, haja vista que o egoísmo exacerbado de alguns indivíduos pode comprometer todo o grupo social. Essa é realmente uma situação complicada e difícil de entender. Temos que pensar como indivíduos para sobreviver, o que é fundamental para qualquer indivíduo, mas, em contra partida, temos que agir de forma que a nossa sobrevivência não afete a sobrevivência dos demais seres humanos do planeta. Como resolver esse impasse íntimo? Os “grupos sociais fortes” (coesos e melhor identificados) tendem a superar significativamente essa barreira e as pessoas, nesse caso específico, costumam se conhecer melhor e assim convivem bem e são mais francas e reais entre si. Nesses grupos é que encontramos aquilo que se convencionou denominar de altruísmo, embora dificilmente haja um altruísmo puro nos indivíduos da espécie humana. Aqui observamos e encontramos os companheiros, os camaradas e mesmo os grandes amigos da humanidade, mas ainda assim não é muito comum encontrarmos naturalmente esses “grupos sociais fortes”. Parar ilustrar o que estou tentando dizer, tomemos, por exemplo, o ambiente de trabalho, que é um grupo social onde as pessoas convivem e algumas até se relacionam muito bem. Nesse tipo de ambiente, seja ele qual for, cada um de nós, convive diuturnamente com uma infinidade de pessoas, mas não conhecemos, de fato, quase nenhuma delas. Nós apenas identificamos algumas de suas características externas e suas peculiaridades mais chamativas, o que eu vou chamar aqui de “externalidades”. Muitas vezes nós somos obrigados a emitir conceitos e pareceres sobre essas pessoas que não conhecemos direito e que são nossos colegas de trabalho. Exatamente nesse momento, surge a falsa impressão, a opinião, o palpite e muitas vezes a mentira, pois estamos falando daquelas pessoas que deveríamos conhecer, mas que na realidade não sabemos direito quem são. Desta maneira, acabamos por nos tornar hipócritas, desonestos e levianos. Julgamos as pessoas apenas e tão somente por “feeling” ou por “ouvir falar”, pois não conhecemos seu interior, suas vontades, seus pensamentos reais e muitas vezes não conhecemos, nem mesmo, suas opiniões e as possíveis ações que manifestariam nas mais diversas situações do cotidiano. Pois então, nos mais diversos grupos sociais acontece a mesma coisa que foi citada acima. As pessoas lamentavelmente julgam as outras a partir de pareceres e de “externalidades” que ouviram dizer, mas que na realidade não têm como comprovar. Vivemos num mundo de mentiras, onde é comum os filhos não conhecerem pais e vice-versa, irmãos não conhecerem irmãos e amigos não conhecerem amigos. Quer dizer, na verdade, muitas vezes não existe parentesco além da genética e nem afinidade social real entre essas pessoas, que se suportam ou se aturam e assim convivem por mera formalidade ou por pura contingência, graças exclusivamente às suas “externalidades”. Os laços afetivos são fracos e se originam de aspectos externos e pouco efetivos. Infelizmente o mundo moderno está cada vez mais constituído assim, através de conexões informais, frágeis e quebradiças, que não nos permitem saber efetivamente quem é o outro com quem convivemos cotidianamente. Não participamos da vida dos nossos mais afins e por isso mesmo, em dado momento, a relação (conexão) se rompe e já não temos mais aquele vínculo social. De fato, essa conexão nunca existiu, porque ela sempre foi superficial e externa. O comportamento humano precisa mudar para ser mais íntimo, mas real e menos externo. Precisamos conhecer realmente as pessoas com as quais convivemos e nos relacionamos. Precisamos saber efetivamente quem é o outro ao nosso lado. Estamos em tempo de INTERNET, de mundo virtual e desta maneira a situação ideal está ficando cada vez mais difícil de ser conseguida, porque estamos nos afastando sempre mais dos outros humanos e estamos tornando as conexões físicas progressivamente mais fracas. Está na hora de voltarmos a tentar encarar o mundo real, o mundo das pessoas que existem realmente e sairmos do mundo do faz de contas. A INTERNET é uma ferramenta útil e fantástica em alguns aspectos, mas ela não é nem pode ser nada além de uma ferramenta, como muitos têm tentado demonstrar. O mundo virtual não existe e nem pode existir mesmo, do ponto de vista físico. As pessoas, estas sim são reais e com elas é que devemos nos preocupar e nos comprometer. Penso que estamos à beira de um abismo e assim as “externalidades” e o nosso egoísmo natural têm crescido progressivamente por conta do “universo virtual” estabelecido pelas redes sociais. Essa situação precisa ser freada para manter a nossa necessidade existencial maior como indivíduos e permitir a continuidade planetária de nossa espécie. Temos que acabar com a hipocrisia e criar conexões embasadas em valores afetivos e morais mais fortes entre os humanos do presente, porque somente assim iremos garantir a humanidade do futuro.

Luiz Eduardo Corrêa Lima 

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24 set 2014

O “SER” E O “TER”

Resumo: O Prof. Luiz Eduardo apresenta mais uma Curtinha, dessa vez para discutir um pouco mais a velha questão entre o ser e o ter, apresentando categoricamente o seu pensamento a respeito dessa eterna questão, que tanto preocupa alguns segmentos da humanidade. O texto é curto, conciso e procura deixar claro o porquê da necessidade de priorizar o ser. Tenham uma boa leitura e reflitam comigo.


O “SER” E O “TER”*

Ao longo dos anos, a história humana tem registrado a eterna polêmica do homem entre a relação “Ser” X “Ter”. Quanto mais recente a parte da história considerada, maior é o conflito, porque maiores são os valores atribuídos ao “Ter”. Parece que a humanidade tem vivido exclusivamente preocupada com o “Ter” e se esqueceu, ao longo da história, que para “Ter” alguma coisa é preciso “Ser” alguém. Talvez, este seja o grande problema, a busca da identidade humana ao longo da história e até aqui essa identidade não parece ter sido encontrada.

Enquanto o homem evoluiu, sociologicamente, preocupado com o “Ter”, o “Ser” humano ficou relegado a um segundo plano e a valorização do homem pelo próprio homem tem deixado de existir. A natureza do homem, como entidade biológica viva, perdeu importância para outros valores no decorrer da história.

Partindo da premissa acima é possível questionar: qual a razão desse fato? Por que o homem esqueceu-se do homem? Por que o homem esqueceu-se da vida? Por que o homem valorizou mais o “Ter” do que o “Ser”?

A racionalidade do homem fez com que, historicamente, a necessidade de melhorar a sua condição social crescesse na sua mente e há de se convir, que isso deve ter produzido biológica e evolutivamente algumas vantagens para a espécie. Porém, por outro lado, essa mesma racionalidade não permitiu ao homem, observar o custo natural de suas ações ao planeta. Até porque, ainda que o homem tivesse a “razão”, ele não tinha conhecimento suficiente e não podia saber que estava agindo erradamente.

É bom lembrar que o conceito de razão independe do conceito de conhecimento, porém quanto maior o conhecimento adquirido, maior será a possibilidade de avaliar a razoabilidade de uma determinada questão. A questão ambiental como um problema crucial para a humanidade e para o planeta só começou a preocupar o homem nos últimos 100 anos e só se tornou clara para grande parte da sociedade, há pouco mais de 30 anos. Talvez, isso justifique os erros do passado, mas, certamente, não justifica os erros atuais.

O “Ser” precisa estar no primeiro plano no pensamento humano, enquanto o “Ter” deverá ocorrer como mera contingência da condição do “Ser”. É evidente que a melhora do “Ser” seja também, em parte, condicionada pelo “Ter”, porém esta não pode ser a base do desenvolvimento humano, nem pelo lado social e muito menos pelo lado natural.

Somos “Seres Vivos” e precisamos continuar sendo para podermos “ter” alguma coisa, do contrário não teremos nada, pois não seremos “seres vivos”. Quem “tem” alguma coisa está (“é”) vivo, pois só o que está vivo “é”, e só o que “é” vivo pode continuar “sendo”. O homem precisa se conscientizar que o “Ter” depende do “Ser” e não o contrário.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

 
*Trecho retirado do Livro de minha autoria e modificado para esta publicação: “Trilhando o Futuro: A Biologia e a Sociedade na Civilização Pós-Moderna”, Editado pela Cabral Livros Técnicos Editora, Taubaté, 2002.
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20 set 2014

RIO PARAÍBA DO SUL, o rio da vida eterna

Resumo: O Prof. Luiz Eduardo apresenta mais uma Poesia, dessa vez para homenagear o Rio Paraíba do Sul. Faz pouco mais de 20 anos que eu escrevi esta poesia sobre o Rio Paraíba do Sul e, considerando que nesta segunda-feira, dia 22 de setembro, é o Dia Oficial do Rio Paraíba do Sul, presto aqui minha homenagem, trazendo novamente a velha poesia para os novos leitores. O texto não é muito grande e, como sempre, claro, objetivo e o nosso Rio Paraíba merece que ele seja lido e, se possível, multiplicado para que as gerações atuais e futuras se preocupem um pouco mais com o nosso maior patrimônio, aquele que nos alimenta, nos une e que empresta o seu nome a nossa região. Tenho certeza que vocês irão gostar.


RIO PARAÍBA DO SUL, o rio da vida eterna

És um rio como outro qualquer, mas és mais forte que qualquer outro. Tua água é barrenta, suja e poluída, mas és mais belo que qualquer outro.

Tens em ti o dom da vida, embora hoje, quase toda destruída, brigas sem medo para defendê-la e em meio às tuas curvas, sempre consegues mantê-la.

Ainda que haja odor fétido em tuas águas, esse cheiro ruim só te enobrece, pois mostra a grande força de vontade, que mesmo sofrendo exerces, para manter a vida em qualidade.

Querem te matar Paraíba do Sul, mas tu conheces bem os teus inimigos e sabes como torná-los incrédulos. Eles estão até ficando pasmados, pois não conseguem acabar contigo.

Mas eles continuam tentando, ácido, álcool, éter, óleo e fenol, tudo cai nas tuas águas, fizeram de ti um grande urinol.

Se não bastasse as indústrias, as prefeituras também não gostam de ti, pois a maioria delas não se preocupa contigo e todas as cidades da região em tuas águas derramam “ xixi”.

Não bastasse o “xixi” das cidades e toda a química das indústrias, jogam ainda em tuas margens toda a sujeira possível e imaginária. Com isso, atinges carga orgânica absurda, com toda sorte de parafernálias.

Existe fezes em tuas águas, não fosse a grande quantidade, talvez, até isso te fizesse bem, mas como todo exagero é danoso, essas fezes te prejudicam também.

Ainda tem mais Paraíba do Sul, quase ia me esquecendo. O que sobra da lavoura também fica sendo teu e até parece que a chuva é tua inimiga, pois te leva todo o agrotóxico, que o solo, já saturado, não absorveu.

Tiram a areia do teu leito e destroem tua margem natural. Isso causa uma grande dor no meu peito, pois, apesar de ser “bicho-homem”, eu sei que isso te faz muito mal.

Paraíba, velho amigo, o “rio ruim”, o índio que te deu esse nome, previu muito bem o teu futuro. Certamente, o crime contra ti terá fim, mas ainda passarás por grandes apuros.

O “rio ruim” daquele índio, hoje encontra-se muito pior. Mas, aquele índio, o bravo tupiniquim, já sabia desde os tempos remotos, que quem ri por último, ri melhor.

Paraíba, você que é calmo e sereno, sabe que o tempo é o melhor remédio. Conheces muito bem teus aquele que te maltrata. Sabes como é o “bicho-homem”, desde os tempos da colônia e do império.

Paraíba, rio da vida e da morte, não tens que brigar com o “bicho-homem”. Sabes bem, que isso não é preciso, pois, apesar de tudo o que acontece, ainda continuas belo e forte e um dia ……. certamente, o homem tomará juízo.

LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA

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17 set 2014

Agrotóxicos e Transgênicos

Resumo: O Prof. Luiz Eduardo apresenta mais uma Curtinha, dessa vez enfocando uma questão muito controvertida, na qual o Brasil é campeão mundial e que está na mesa de todo cidadão brasileiro: os alimentos com substâncias químicas tóxicas e os alimentos modificados geneticamente (Agrotóxicos e Transgênicos). O texto é relativamente curto e chama a atenção da falta de controle sobre o uso dessas substâncias no país. A questão é assustadora, se considerarmos a quantidade de veneno de certos alimentos e a quantidade de transgênicos que já estão na nossa casa e que a gente nem imagina. Leiam o texto que vocês poderão comprovar o que estou dizendo e quem sabe vocês passem a somar comigo na luta contra esses absurdos.


Agrotóxicos e Transgênicos

A grande maioria dos brasileiros certamente desconhece os fatos de que, desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos e que, desde de 2010, é o segundo maior produtor de transgênicos da Terra, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Só para dar uma ideia, no ano de 2010, o país utilizou mais de 800 milhões de litros de veneno nas lavouras e nesse mesmo ano a área plantada com transgênicos no país atingiu 25 milhões de hectares e de lá para cá, obviamente, os números só ficaram maiores. Mas, e daí? Qual a importância desses números e dessa situação?

No que diz respeito aos alimentos transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGMs), eu particularmente considero um absurdo e uma incongruência, no mínimo bastante estranha, que o país que possui a maior biodiversidade planetária, ao invés de trabalhar para garantir essa biodiversidade e procurar investir em pesquisas para conhecer melhor o seu patrimônio natural e, quem sabe, até mesmo identificar novas fontes alimentares agrícolas, prefere pagar “royalties” às multinacionais detentoras das sementes e dos direitos sobre os alimentos transgênicos. Além disso, o país ainda facilita a distribuição dessas sementes sem nenhuma parcimônia, algumas vezes até, em detrimento das chamadas “sementes caboclas” ou “crioulas” (nativas) de determinadas plantas.

Por outro lado, no que diz respeito aos agrotóxicos, eu considero um grande equívoco que o Brasil, sendo um país continental e já com imensas áreas desmatadas e degradadas por força de atividades agrícolas condenáveis e suspeitas ao longo da nossa história recente, ainda não tenha aprendido que é possível cultivar sem envenenar as plantas, o solo, a água e os organismos vivos que se utilizam dessas plantas, inclusive o homem. Além disso, também deve ser ressaltado que é possível produzir alimentos sem ter que comprar fertilizantes e “defensivos agrícolas” (venenos) de grandes indústrias químicas multinacionais.

Por outro lado, os transgênicos e os agrotóxicos também são dois contrassensos aos interesses ambientais e planetários e o Brasil não deveria estar de maneira nenhuma tão envolvido nessas questões. Entretanto, como os interesses das multinacionais e a força da bancada ruralista é muito grande no Congresso Nacional e a preocupação desses setores é única e exclusivamente econômica, eis que somos recordistas nessas coisas ruins. Pior ainda é que por conta desse grupo político o Brasil deixou de assinar, recentemente (agosto de 2014), a adesão às discussões do Protocolo de Nagoya que trata sobre biopirataria e que interessa muito de perto aos países de grande biodiversidade. Pois então, é como diz o ditado: “em casa de ferreiro o espeto é de pau”.

Desta maneira, nós vamos seguindo envenenando os nossos solos, nossa água e nossa comida com agrotóxico e, o que pior ainda, continuamos a licenciar e autorizar o uso dessas diferentes substâncias químicas, que já passam de 8.000 (oito mil) utilizadas no país, com o aval da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Também seguimos ampliando as áreas das essências já existentes e plantando novas essências transgênicas, com a autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Cabe esclarecer ainda, que nada sabemos sobre os transgênicos, nem do ponto de vista comercial, nem industrial e muito menos ainda, do ponto de vista biológico, particularmente genético, haja vista que somente a citada comissão e os detentores da patente podem trabalhar com o produto.

A única verdade é que os nossos supermercados, padarias, restaurantes e demais estabelecimentos comerciais ligadas à alimentação estão repletos de alimentos geneticamente modificados e alimentos ricos em veneno e ninguém sabe dizer exatamente o que isso pode significar ou pode produzir na saúde humana e animal. Por outro lado, estamos cientes de que certos males, como os índices de câncer, principalmente de intestino e de órgãos digestivos aumentam; os quadros depressivos crônicos, que incrementam as taxas de suicídios em certas comunidades rurais, também aumentam; a contaminação de crianças através do leite materno de suas respectivas mães que trabalham ou que vivem em comunidades rurais e agrícolas, estão cada vez mais comuns. Enfim, esses e outros aspectos estranhos e recentes que estão relacionados à saúde do cidadão brasileiro são cada vez mais frequentes e há inúmeros indícios de que as causas são os agrotóxicos.

Em alguns casos a dependência do agrotóxico (veneno) é tal que certas plantas só conseguem se desenvolver por conta quase que exclusiva dos agrotóxicos que lhes são ministrados. O morango, o tomate, a batata e outros estão entre os campeões em quantidade de veneno. A utilização de alimentos oriundos de agricultura orgânica e isenta de agrotóxicos, talvez sejam a melhor solução para não nos envenenarmos, porém ainda não dá (provavelmente nunca dê) para competir com a agricultura comercial e lamentavelmente algumas vezes também não dá para confiar se, na verdade, alguns desses alimentos são efetivamente orgânicos, porque o controle e a fiscalização ainda são muito insipientes.

Por sua vez, os transgênicos, que pela legislação têm que trazer essa condição de transgênico informada nas suas respectivas embalagens, burlam deliberadamente a lei e muitas vezes não trazem nenhuma indicação. Não entendo como nem a ANVISA, nem a CTNBio, nem a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), nem o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO) e nem qualquer outra entidade normalizadora ou fiscalizadora não conseguem fazer as empresas que produzem ou que têm produtos transgênicos na sua composição cumprirem a lei, pelo menos nesse aspecto.

Desta maneira, quero ressaltar que embora o consumidor não seja informado e consequentemente ele não deva saber, hoje mais de 50% dos produtos encontrados nas prateleiras dos supermercados são originários ou têm na sua composição organismos geneticamente modificados (transgênicos). Só para dar um exemplo, até mesmo a nossa cerveja, bebida preferida dos brasileiros, já vem tendo seu malte originado de 45% de milho transgênico. Quer dizer, o consumidor não tem nem a possibilidade de escolher e decidir não usar transgênicos, porque esses produtos são passados e vendidos por debaixo do pano e sem nenhuma informação aos interessados.

Eu confesso que não sei qual deve ser o mecanismo, entretanto alguém precisa tomar as devidas providências no sentido de informar a população e tentar moralizar o verdadeiro estado de coisas que tem acontecido na área de alimentação no Brasil, porque alimentos ricos em veneno ou geneticamente modificados são riscos potenciais à saúde humana, à saúde animal e principalmente ao meio ambiente e precisam ser efetivamente tratados como “coisas perigosas” pelas autoridades, em particular pelos órgãos de fiscalização, em benefício da população brasileira e não de interesses puramente comerciais.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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13 set 2014

A Qualidade de Vida tem que estar acima de tudo

Resumo: O Prof. Luiz Eduardo apresenta um texto chamando a atenção para o fato de que as pessoas e entidades que podem realmente intervir para melhorar a qualidade de vida planetária, efetivamente não se envolvem diretamente nas questões ambientais, porque estão preocupadas apenas com questões econômicas. O texto é denso, porém claro e objetivo. O tema é preocupante e paralelamente palpitante, por isso mesmo precisa ser muito discutido, até porque temos eleições pela frente e precisamos ter informações para cobrar as ações relacionadas com o meio ambiente e com a qualidade de vida, que atualmente devem ser as metas prioritárias de qualquer gestor. Leiam o texto que é muito elucidativo e certamente vocês não irão se arrepender.


A Qualidade de Vida tem que estar acima de tudo

Enquanto a humanidade segue se arrastando para entender e tentar superar alguns problemas geoclimáticos e geopolíticos graves, alguns homens que detêm grande parte do poder econômico planetário continuam trabalhando na contramão dos interesses dessa mesma humanidade.

Ora, a situação descrita no parágrafo acima consiste num grande contrassenso, o qual fica mais agravado ainda, quando os diferentes governos, principalmente aqueles que dirigem as grandes potências econômicas, agem de acordo com a vontade manifesta desses grupos econômicos empresariais dominantes, indo contra os interesses comunitários da grande maioria da humanidade e, mais particularmente, contra os interesses planetários naturais.

Em suma, vivemos uma crise planetária ambiental que é insuflada pelos seres humanos mais ricos com a anuência e a colaboração dos dirigentes e administradores públicos mundiais e contra os interesses maiores do planeta e da qualidade de vida da própria humanidade. Os governos se prendem ao capital e ficam na dependência das pessoas físicas ou jurídicas economicamente mais poderosas e assim não fazem o dever de casa e não cumprem as suas obrigações primárias de atender as necessidades humanitárias fundamentais, porque ficam à mercê dos interesses estritamente econômicos daqueles que possuem dinheiro.

Dessa maneira, exatamente quem poderia e legalmente deveria estar atuando no sentido de buscar melhorias para as diversas questões que afligem a humanidade é quem mais está intensificando os efeitos indesejáveis dessas questões e consequentemente aumentando as mazelas que cada vez mais destroem o planeta e prejudicam a qualidade de vida de toda a humanidade. Os governos necessitam reassumir suas respectivas funções na ordem social, pois a continuar assim, a humanidade rapidamente entrará numa situação irreversível de extermínio.

Como é possível reverter esse quadro?

Do ponto de vista teórico, a solução ideal está na produção de um modelo de Educação Básica para todas as comunidades humanas, na qual sejam revitalizados, intensificados e incentivados os estudos dos mecanismos naturais que permitiram e mantiveram a vida na Terra até aqui, a fim de que a humanidade possa ser fiadora da manutenção desses mecanismos, independentemente dos interesses particulares de alguns grupos. Entretanto, não parece haver muita vontade política e nem muita força efetiva para que essa situação ideal se transforme em plano real de ação, haja vista que esse é um processo caro e que atrapalharia principalmente aos interesses daqueles que dominam o poder econômico. Por isso mesmo, Educar, ainda que apenas basicamente a população humana mundial, lamentavelmente permanece sendo uma utopia pensada por poucos seres humanos e praticada por um contingente menor ainda.

Além do mais, mesmo que fosse possível o estabelecimento desse sonhado mecanismo de Educação, o tempo necessário para que os processos educacionais fossem assumidos pelas diferentes comunidades seria relativamente longo para disponibilidade temporal que ainda existe. Infelizmente, nós não temos mais tempo suficiente para depender de ações meramente educativas. Quer dizer, chegamos num nível tal que, somente a Educação não será suficiente. Há necessidade de agir imediatamente, pois a situação, além de calamitosa, também é urgente.

Assim, considerando que não dá mais para conduzirmos as questões pensando somente nos mecanismos educativos que possam produzir mudanças comportamentais e minimização progressiva dos problemas, resta agora a necessidade real e efetiva de implementarmos posturas radicais e atividades de choque, até mesmo algumas atitudes ditatoriais, que possam induzir e produzir mudanças significativas. Algumas dessas mudanças terão que ser, além de rápidas, também profundas e até drásticas, para conseguir viabilizar a melhoria das condições ambientais do planeta e consequentemente da qualidade de vida da humanidade. Não há mais o que negociar, agora só nos resta fazer as mudanças e obviamente cumpre aos diferentes órgãos governamentais a tarefa de estabelecer as normas e os procedimentos o mais rápido possível.

Até aqui, as inúmeras reuniões internacionais que têm tentado discutir sobre os grandes problemas ambientais planetários, cada vez mais, têm terminado sem nenhum acordo positivo. Discute-se, discute-se e não se chega a lugar nenhum. O que se decide é apenas e tão somente a data da próxima reunião e nada de positivo acontece. Dessa maneira, o tempo tem passado, a desgraça só tem se ampliado e a humanidade e o planeta só se deterioram cada vez mais. Quer dizer, estamos vivendo num ciclo vicioso que discute o que se deveria fazer, mas que não se propõe a fazer exatamente nada e assim nada se resolve.

É preciso que os governos parem de pensar e agir apenas no interesse do viés econômico, pois foi exatamente essa prática contumaz que nos trouxe a esse “status quo”. Além do mais, é preciso também lembrar que dinheiro só serve para a espécie humana e que nossa espécie só poderá utilizar esse dinheiro enquanto estiver vivendo no planeta. Quer dizer, se não pretendemos continuar aqui no planeta, também não precisamos de dinheiro. Quero crer que viver seja prioritário sobre ter dinheiro, mas não parece que os governos pensam desta forma e assim deve ser perguntado: queremos viver ou queremos ter dinheiro?

Os governos necessitam ser mais pragmáticos em relação a vida planetária e as comunidades, por sua vez, necessitam ser mais fortes para contestar, provocar e forçar os governos a tomarem as decisões e agirem no interesse maior da humanidade e do planeta e não no interesse dos grandes grupos econômicos. Aliás, está na hora dos próprios seres humanos que compõem os grupos econômicos privilegiados entenderem que o fim será de todos e não só dos pobres, pois o dinheiro sozinho não conseguirá fazer a mágica de manter a vida. Isso quer dizer que os ricos, se quiserem continuar ricos, terão primeiro que continuar vivos e do jeito que está a situação essa hipótese está ficando cada vez mais remota.

Para a humanidade, doravante, a busca constante pela melhoria da qualidade de vida deve ser a única moeda de valor, para que possamos conseguir reverter o atual estado de coisas e tentar salvar a nossa espécie da extinção prematura. Fomos nós humanos quem criamos esta situação e somos nós humanos quem temos que resolvê-la. Pois então, baseado no exposto, eu conclamo a todos os Senhores que façam suas respectivas opções no sentido de salvar a nossa espécie. Nós já passamos do ponto da conversa, agora temos que ter ações efetivas. Obviamente a Educação deverá continuar trabalhando para a orientação e o aprimoramento das novas práticas que serão transmitidas continuamente às futuras gerações e que garantirão a continuidade da espécie. Assim, as futuras gerações de humanos deverão estar preparadas para permitir o futuro efetivo do Homo sapiens.

Sinceramente eu não tenho mais muita crença nos dirigentes, mas como disse Zé Rodrix: “eu quero a esperança de óculos” e eu ainda acredito que o homem como espécie não deve ter vontade, de fato, de desaparecer do planeta. Certamente o que está faltando é encarar a questão com a devida seriedade e esse é um compromisso que os poderes constituídos podem e devem assumir, fazendo a verdadeira divulgação das reais condições planetárias para toda a humanidade e orientando os procedimentos a serem tomados. Talvez, o problema maior que ainda temos, seja o pensamento errôneo de que a situação ainda está toda sob o nosso controle ou, o que mais terrível ainda, de achar que Deus vai nos ajudar a superar o problema.

É preciso ter coragem de dizer para a humanidade que nós, os seres humanos, os pretensos “donos do planeta”, nunca tivemos as rédeas nas mãos e, o que é pior, agora temos a certeza de não possuímos efetivamente controle sobre nada. Ao contrário, nós sempre fomos dependentes do planeta e a nossa apropriação indevida da Terra e o consumo exagerado dos seus Recursos Naturais foram e são as principais causas dos problemas planetários e da grande ameaça que paira sobre nós. Por outro lado, também deve ser lembrado que Deus está em outro plano e que Ele não vai resolver nenhum problema causado pela humanidade. Nós criamos os problemas e nós temos que solucioná-los, independentemente da ajuda divina.

Se tudo isso acontecer de maneira contundente e efetiva, não há dúvida de que as diferentes comunidades, por si próprias, progressivamente arregaçarão as mangas e começarão a exercer as suas respectivas ações no que se refere a recuperação planetária, independentemente dos interesses particulares dos grandes grupos econômicos. Desta maneira, com apoio das comunidades, os governos ficarão livres para também agir e todos os humanos trabalharão no sentido de resolver todas as questões que ainda puderem ser sanadas. Assim, o poder econômico se dobrará aos interesses maiores da humanidade e do planeta.

Não tenho nenhuma dúvida de que, por mais que alguns queiram admitir, lá no fundo todas as comunidades e todos nós, seres humanos, sabemos que a vida é única coisa que realmente importa, todo o resto é supérfluo e por isso mesmo, nós entendemos que a qualidade de vida é o bem maior e tem que estar acima de tudo. Por conta disso, mesmo sabendo que será muito difícil, eu ainda continuo torcendo e acreditando e acreditando na nossa espécie. Vida longa ao Homo sapiens no planeta Terra.

 Luiz Eduardo Corrêa Lima

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