Resumo: Neste artigo procuro chamar a atenção sobre o atual desprestígio da Língua Portuguesa pelas pessoas e sobre os problemas oriundos dessa constatação. Tento demonstrar que a população brasileira está esquecendo a importância da língua pátria e que esse fato se constitui num fator de significativo empobrecimento cultural que necessita ser extinto para o engrandecimento da Brasil.
Agora, depois de quase um ano e meio sem trabalhar, ou melhor, sem ministrar aulas regulares, por estar aposentado e inativo, na minha função precípua de Professor, tenho conversado mais com outras pessoas, apesar de todas as dificuldades impostas pela pandemia do COVID 19. Desta maneira, tenho tido mais tempo para observar e reparar melhor o comportamento dessas pessoas. Pois então, tenho me preocupado em observar, principalmente os hábitos de falar, o uso das palavras e à utilização da nossa língua portuguesa.
Então, foi neste contexto que surgiram duas questões fundamentais, as quais têm me chamado bastante a atenção. O que está acontecendo com o povo brasileiro, em relação à Língua Portuguesa, que está sendo cada vez mais esquecida? Será que os brasileiros, dentre outras coisas, também estão ficando progressivamente mais mudos, quanto ao nosso querido português? Deste modo, vou comentar um pouco do meu pensamento sobre o que pode estar acontecendo.
Para começar, devo dizer que minhas observações têm me permitido chegar a conclusões preocupantes e algumas delas até estarrecedoras sobre o forte incremento da superficialidade no conhecimento linguístico dos indivíduos brasileiros e talvez mesmo, sobre o crescimento exponencial da bestialidade humana, porque às vezes penso que esse pode não ser somente um problema brasileiro, mas, quem sabe uma questão mundial de “emudecimento humano”. Pude identificar que a maioria das pessoas é incapaz de estabelecer frases e resolver questões linguísticas simples. Muitas pessoas também são incapazes de criar e realizar ações práticas e funcionais comuns que envolvam a fala e principalmente a escrita, pelos mais diversos motivos.
A meu ver, isso acontece, primeiramente porque, simplesmente, algumas dessas pessoas foram levadas a acreditar que ser superficial e que não opinar são boas características humanas na atualidade. Por outro lado, também parece que enriquecer o vocabulário pessoal ou se envolver em questões linguísticas são condições pouco importantes para o ser humano. Deste modo, as pessoas imaginam que questões relacionadas a capacidade de fala humana não precisam ser condizentes com os interesses delas.
Diz o ditado que: “quem fala o que quer, ouve o que não quer”. O problema é que atualmente quase ninguém fala e consequentemente quase ninguém ouve e assim também quase não se ensina e quase não se aprende, porque falar, além de difícil, é perigoso é vexatório para muitos. Tem gente que prefere ficar calado porque “quem fala muito acaba dizendo besteiras”; entretanto, é preciso lembrar que “quem cala, consente” e que se “em boca fechada, não entra mosquito”, certamente também não entra cultura.
Outras pessoas consideram que “essas coisas” linguísticas, terminológicas, gramaticais, semânticas e principalmente relacionadas à concordância são bastante complicadas e dão muito trabalho para serem organizadas. Assim, preferem desconsiderá-las descaradamente, sem nenhum constrangimento. Outras, ainda porque elas sabem que, de fato, elas não possuem base intelectual linguística para planejar e desenvolver tais feitos. Essas pessoas são conscientes de suas limitações e preferem ficar caladas por pura opção.
Ainda que todas as possibilidades citadas sejam terríveis, infelizmente a última, pelo menos na minha maneira de pensar, é a mais comprometedora, porque incide exatamente na possibilidade de pensar que a língua, além de não ser importante, não compromete a formação intelectual e mesmo construtora da comunicação entre os indivíduos. Tenho medo de imaginar a que ponto chegaríamos se todas as pessoas começassem a simplesmente não falar ou apenas dizer coisas sem noção e sem sentido. Ou seja, como se falar fosse simplesmente emitir sons e fazer barulhos sem nenhuma logicidade.
Os brasileiros precisam entender que o simples ato de falar, além de ser a nossa principal maneira de comunicação, também é um mecanismo fundamental para o crescimento intelectual e cultural do ser humano e isso precisa ser divulgado para que se aprenda e se procure conhecer cada vez mais corretamente a nossa língua oficial. É preciso que haja um investimento educacional sério para o uso cotidiano regular da língua portuguesa, tanto falada, quanto escrita.
Estamos vivendo um momento da história, em que a humanidade desenvolveu bastante a sua capacidade de comunicação e assim deveria se esperar que a comunicabilidade entre as pessoas fosse maior, melhor e sobretudo mais efetiva, porém, não é isso que se percebe. A comunicação está ficando mais fácil para os mais próximos e mais afins, por conta de outros códigos comunicativos, mas a comunicabilidade está ficando mais difícil entre os diferentes grupos, porque o entendimento tem piorado drástica e progressivamente.
As “tribos”, quase, só conseguem se comunicar nas próprias “tribos”, ou seja, entre si. Assim, as palavras são menores, as falas estão cada vez mais curtas, os assuntos mais restritos e exigindo menor conhecimento de tudo, inclusive e principalmente da língua pátria, do nosso bom e velho idioma português. Na linguagem escrita, as construções são muito pobres e repetitivas. As preocupações com a maneira correta de escrever inexistem. A concordância não tem mais nenhuma importância. Os acentos atualmente são objetos de luxo da língua, pois não costumam mais serem empregados. Assim, usa acento quem quer e geralmente usa errado.
Em outras palavras, estamos criando dialetos e determinando códigos e simbolismos, cada vez mais específicos e exclusivos de interesses dos grupos sociais específicos e, deste modo, mesmo com todas as facilidades atuais, temos diminuído muito a nossa verdadeira capacidade de comunicação. Embora isso soe mal e pareça muito estranho, é exatamente o que tem acontecido. A verdade é que estamos falando pouco, conversando pouco e consequentemente ouvindo pouco. E, por outro lado, também estamos lendo menos e escrevendo muito menos ainda.
Por incrível que pareça, o português, que está oficialmente em 4 continentes da Terra, em 9 países e atualmente é a quinta língua mais falada no mundo, exatamente por conta do grande contingente populacional brasileiro. Como contrassenso, o português está morrendo principalmente aqui no Brasil. Agora criamos siglas para tudo e entenda quem quiser ou puder. O “internetês” também tem atuado para ampliar essa situação, mas quero deixar claro que o problema é bem maior e que as siglas e o “internetês” não são os únicos culpados.
Em suma, acredito que a Comunicação entre os diferentes grupos sociais humanos, pelo menos aqui no Brasil, está cada dia pior e isso precisa mudar. Cabe ressaltar que, embora existam várias espécies, onde os indivíduos têm a capacidade de se comunicar entre si, a possibilidade de falar, a imensa diversidade de sons produzidos, além dos diversos tipos de códigos e simbolismos na comunicação humana são fatores fundamentais que efetivamente demonstram nossa superioridade evolutiva em relação às demais espécies vivas.
Os seres humanos estão cada vez mais próximos dos objetos e das questões de seus interesses do que das demais pessoas. Quando eu digo isso, não me refiro apenas à proximidade espacial, mas também a proximidade parental efetiva, pois parece haver uma necessidade progressiva e perigosa de se envolver menos com as pessoas de outros grupos sociais. Esse fato, além ampliar o emburrecimento linguístico coletivo, também acaba por aumentar o egoísmo, o individualismo e o corporativismo, características que conduzem a outros males bem maiores e muito mais comprometedores à nossa espécie.
Estamos deixando de ser humanos e nos tornando quase objetos, talvez tipos especiais de máquinas. A tecnologia, que na sua raiz, veio para auxiliar os seres humanos na realização dos trabalhos, assumiu, por conta de outros interesses sociais, a função maior de orientar a vida da humanidade e isso está emburrecendo o homem. A humanidade está, cada vez mais, idiotizada e perdendo a capacidade de pensar, de falar, de escrever, de discutir, enfim de criar e de demonstrar os principais atributos da espécie humana. Somos diferentes das demais formas animais vivas, exatamente por conta desses atributos especiais que adquirimos ao longo da nossa evolução biológica e que estamos progressivamente perdendo. A capacidade de falar talvez seja o principal desses atributos
Passei 45 anos ministrando aulas e sempre me considerei um excelente professor, porque além de cumprir com responsabilidade, afinco e firmeza o meu trabalho no magistério, na pesquisa e na orientação de jovens, eu também sempre me preocupei em tratar bem os meus alunos, colegas e demais pessoas do convívio escolar e, além disso, em todos esses 45 anos, sempre fui de alguma maneira homenageado pelo meu trabalho, pelos meus alunos, ou pelos meus colegas de profissão, ou mesmo pelas instituições onde trabalhei. Ou seja, além de eu me achar competente, as pessoas à minha volta e diretamente ligadas ao meu trabalho, aparentemente também pensavam da mesma maneira.
Enfim, minha carreira como Professor e Pesquisador parece ter sido aquilo que costumamos chamar de sucesso e de minha parte, mesmo sendo suspeito por falar de mim mesmo, eu penso que foi um grande sucesso mesmo a minha carreira profissional. Entretanto, tenho observado que gente como eu e alguns outros “dinossauros” que ainda se encontram por aí, certamente serão totalmente extintos nos próximos anos. E aí, automaticamente eu me pergunto: o sucesso de minha carreira só serviu para mim? Se for assim mesmo, então minha carreira foi um verdadeiro fracasso e não um sucesso, porque, aquilo que eu sempre entendi como sucesso, na verdade nunca existiu.
Meus alunos, colegas e instituições foram meus camaradas ao me incentivarem e homenagearem, pois eles já imaginavam que eu era algo diferente, um ser estranho dos demais, porque eu argumentava e sabia sobre o que argumentava e ainda procurava esclarecer sobre aquilo que argumentava, usando a Língua Portuguesa. Pois então, esse tipo de pessoa preocupada em informar, orientar e sobretudo esclarecer e contextuar o assunto, no meu caso específico como professor, mas esse tipo de pessoa existe (existia) em qualquer profissão ou em qualquer área do saber, agora está em extinção, porque hoje é difícil encontrar alguém que ainda se expresse e se faça entender corretamente em bom Português.
Atualmente pessoas do tipo acima citado são verdadeiras raridades, pois são entidades diferentes da realidade sociológica que se propaga. A Sociedade hoje, investe pesadamente num padrão bastante diferente desse, onde o conhecimento, mormente linguístico, e tudo que ele produz de bom ao indivíduo humano não consiste mais numa característica essencial e importante dos indivíduos de nossa espécie, pelo menos aqui no Brasil. Não precisamos conhecer basicamente mais nada, basta apenas existir e sobreviver.
Pois então, como eu não concordo com essa vida insignificante e sem sentido da atualidade, que desprestigia o conhecimento e prioriza futilidades, eu tenho que confessar que estive tremendamente enganado ao longo de minha vida. Eu pensava que agradava com meus discursos e minhas preleções, onde, aparentemente, todos ficavam extremamente atentos, mas na verdade a maioria dos espectadores apenas escutava (se é que escutava mesmo) as minhas palavras e talvez imaginava algo sobre minha pessoa. Hoje eu sei que a grande maioria desses espectadores, nunca foram expectadores, porque nunca houve expectativa, pois de fato eles não me ouviam, eles apenas visualizavam a minha fala.
Na verdade, talvez, eles apenas admirassem a minha capacidade de colocar as palavras e demonstrar o meu conhecimento sobre um determinado assunto abordado, mas na mente deles, esse conhecimento, que era exclusivamente meu, constituía-se numa grande bobagem, porque o conhecimento para eles está no computador e infelizmente eles são incapazes de querer pensar de outra forma. Quer dizer, a atenção era resultante do espanto de ver que alguém é capaz de saber alguma coisa, às vezes, até muita coisa, independentemente da existência ou não do computador. Possivelmente, alguns nem imaginem, que quem criou as informações e colocou-as dentro do computador foram seres humanos como nós.
Para esse tipo de espectador, o “Tio Google” é um gênio, que nasceu sozinho, culto e inteligente e o “Tio Luiz” é um infeliz que estudou e trabalhou muito porque alguém impôs, ou porque ele queria ser melhor que os outros, ou porque não havia coisa melhor para fazer com o seu tempo, ou ainda porque não havia outra forma de ser, mas hoje tudo isso é dispensável e ninguém precisa obter conhecimento, porque o Google já tem toda a informação necessária. É lamentável, mas esta é uma triste realidade.
Pois então, o perigo reside exatamente nesse aspecto, ou seja, na coletividade acreditar que ter conhecimento é algo dispensável. Tem muita gente achando que, como a informação está no computador, ninguém mais precisa se preocupar mais com ela e muito menos em adquiri-la. Desta maneira, “adquirir conhecimento passou a ser uma grande perda de tempo, que não serve para nada”.
O resultado desse descalabro social é o desprezo pelo conhecimento e por qualquer atividade intelectual, principalmente linguística, e o consequente crescimento da bestialidade social, que só se importa com amenidades. Infelizmente a cultura linguística virou sinônimo de futilidade. Como já dizia o saudoso Sérgio Porto (“Stanislaw Ponte Preta”), no seu FEBEAPA (Festival de Besteiras que Assola o País), lá na década de 1960, os erros linguísticos são terríveis. Se os erros já eram terríveis e inadmissíveis naquela época, agora então, o que dizer?
Pois então, as coisas continuam piorando e as perspectivas estão cada vez mais desagradáveis e comprometedoras para a própria sociedade brasileira, que está intelectualmente e linguisticamente cada vez mais pobre. É claro que a língua é dinâmica e obviamente muda com o tempo. Porém, ao contrário do que está acontecendo, a língua, deveria crescer e mudar para melhor, se tornando mais rica com o tempo e essa sua diversidade crescente deveria ser algo natural e inspirador.
Entretanto, o que se tem, tristemente, observado é uma redução da diversidade língua e da capacidade de comunicação falada e escrita no idioma pátrio. Isto é, a língua portuguesa está cada vez mais pobre, mais generalizada (vulgarizada) e pouco falada e menos escrita ainda. Na verdade, aqui no Brasil hoje, se fala um tipo de “idioma” que consiste numa mistureba de gírias ilógicas, incrementada por palavras de outros idiomas, principalmente o Inglês, que gera uma coisa terrível e quase ininteligível para algumas pessoas, principalmente aquelas mais velhas.
E vejam que eu não estou nem me referindo a essa questão de acabar com o conceito linguístico do gênero das palavras e outros absurdos que estão sendo propostos por alguns analfabetos funcionais, manuseados por outros interesses e envolvidos com outras questões sob o comando de quem quer que seja. Enfim, a bestialidade só aumenta, o país claudica, a nação emburrece e a Língua Portuguesa, lamentavelmente, acaba sendo, quem mais sofre e o que menos importa a todos.
Por outro lado, ainda cabe dizer que essa linguagem diferente e estranha é um “idioma” progressivamente mais bagunçado e sem sentido, que esconde e nega a verdadeira língua portuguesa, além de deformar as demais línguas envolvidas, com criação de termos totalmente incongruentes e teratológicos. Por exemplo, aqui no Brasil se estraga o português e o inglês ao mesmo tempo, quando se cria uma palavra como “X burguer”, porque, ao menos no sanduiche, o cheese do queijo em inglês já virou “X” no português e assim, tem gente comendo sanduiche de” X com hamburguer”, pensando que é queijo com hamburguer.
Eu sinceramente acredito que deveria existir um certo limite para tanto absurdo linguístico e entendo que a própria sociedade deveria se unir no sentido de dar um basta nesta situação que não agrega nenhuma valor à nação brasileira. Ao contrário isso leva a uma situação lamentável e vexatória, que apenas demonstra o quanto a sociedade brasileira ainda está longe de entender os valores nacionais primários.
Franz Kafka, um cidadão da República Tcheca afirma que: “a única coisa que temos que respeitar, porque ela nos une, é a língua”; “Fernando Pessoa, um cidadão Português, disse que: “minha pátria é minha língua”, aquela mesma língua que Olavo Bilac, um cidadão brasileiro chamou de: “a última flor do Lácio”, inculta e bela” e afirmou que: “a pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo”.
Pois é, foi nessa mesma língua portuguesa que Rui Barbosa se tornou o “Águia de Haia” e afirmou que: “a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade”. Infelizmente, na atualidade, grande parte dos brasileiros não consegue perceber os grandes significados contidos em cada uma dessas curtas sentenças e assim destroem propositalmente o nosso querido idioma pátrio e agem para que o país siga seu rumo sempre atrás de outras nações.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (66) é Biólogo, Professor, Pesquisador, Escritor, Revisor e Ambientalista. É Membro da Academia Caçapavense de Letras (ACL), da Academia de Letras de Lorena (ALL) e da Academia Rotária de Letras do Vale do Paraíba (ABROL-Vale do Paraíba)