Tag: Reprodução

05 jan 2019

Sobre a ocorrência de “cópula” entre indivíduos do sexo masculino em determinadas espécies animais

Resumo: O texto reúne as ideias que confrontam os interesses midiáticos e o conhecimento científico sobre a questão relacionadas as possíveis atividades sexuais entre os animais do mesmo sexo. Essa é uma questão bem polêmica, mas que precisa ser discutida mais tecnicamente, até porque muito tem sido falado pela mídia e por outros interessados, porém os assuntos são fornecidas à sociedade sem nenhuma base científica.


Sobre a ocorrência de “cópula” entre indivíduos do sexo masculino em determinadas espécies animais

Ultimamente tem sido muito comum surgirem artigos tentando demonstrar a existência de homossexualidade em animais e mais ainda, tentando relacionar esse pretensa existência com a homossexualidade humana. Devo dizer, de imediato, que tudo isso não passa de uma grande confusão que estão fazendo, alguns por desconhecimento e ao que parece, outros apenas para tentar criar problemas onde eles não existem e assim tentar justificar o injustificável a partir de exemplos da natureza, ou ainda para buscar o amparo natural para explicar determinadas situações sociológicas conflitantes e questionáveis de certos comportamentos humanos.
Na verdade é extremamente comum a ocorrência e consequentemente a observação de uma aparente cópula ou coito (talvez fosse melhor chamar de pseudocópula), entre machos de várias espécies de animais, nos mais diversos grupos zoológicos, mormente entre os mamíferos e os insetos. Entretanto, essa situação não condiz, de maneira nenhuma e nem se  aproxima biologicamente, com uma verdadeira cópula por vários aspectos, os quais tentarei demonstrar nesse breve texto.
Primeiramente deve ficar claro que muitas vezes não existe penetração e mesmo quando até ocasionalmente existe, ninguém pode efetivamente afirmar que essa condição tenha algo a ver com sexo ou com sexualidade, até porque o sexo na natureza e nos animais especificamente tem função única e exclusivamente reprodutiva. Num segundo momento é preciso
ficar claro definitivamente também, que existem situações comportamentais em algumas espécies, nas quais acontece de um indivíduo simplesmente trepar sobre outro, mas isso não se caracteriza como uma atividade sexual. Na verdade, essa situação costuma ser considerada como uma indicação de sua superioridade ou mesmo de inferioridade perante o outro e obviamente, isso também não tem nada a ver com sexo.
Existe ainda uma terceira situação que pode ocorrer em algumas espécies, relacionada ao transtorno produzido pelo excesso de hormônio sexual nas épocas reprodutivas, o que leva o indivíduo em questão a querer ter uma relação, a fim de se livrar do transtorno produzido pelos hormônios sexuais. Nesse caso chega mesmo a ocorrer uma “cópula”. Entretanto, em nenhuma dessas situações parece existir afinidade e nem interesse entre um macho e outro da mesma espécie na natureza e muito menos, qualquer situação relacionada ao prazer sexual efetivo ou ao mero hedonismo individual de certos humanos. Na verdade são situações comportamentais e
fisiológicas momentâneas e não condições perenes assumidas pelos indivíduos.
Quer dizer, de qualquer maneira, nenhuma dessas situações de “coito ou cópula” pode ser considerada como uma condição homossexual efetiva no animal que momentaneamente as apresenta, como pretendem alguns indivíduos. Aliás, é bom que se repita e se esclareça, que todas essas situações citadas são momentâneas. Isto é, nenhum animal não assume essa pretensa condição homossexual por toda a sua vida. Mesmo alguns Anfíbios Anuros (sapos da família dos Bufonídeos) que podem efetivamente trocar de sexo, pois nascem machos e posteriormente viram fêmeas, não podem ser considerados como homossexuais, porque eles passam a agir efetiva e
fisiologicamente como fêmeas. Isto é, eles tornam-se fêmeas real e funcionalmente.
Obviamente que esses animais não fazem isso deliberadamente, ao contrário essa é uma necessidade imposta em certas situações para dimensionar a paridade dos sexos entre os indivíduos das populações locais dos animais. Essa é uma condição populacional imposta naturalmente, que é controlada genética, fisiológica e ecologicamente que efetivamente existe em algumas espécies de Anuros.
Existem vários outros casos de hermafroditismo (presença dos dois genitais num único indivíduo) animal, onde a atividade funcional do sistema genital varia, como acontece em alguns Gastrópodes Pulmonados (caracóis terrestres), mas não vou discutir sobre isso no momento, porque vai fugir ao propósito desse ensaio. Situações de hermafroditismo são comuns no Reino Animal, mas elas não têm nada a ver com homossexualismo, porque não existem indivíduos machos ou fêmeas, haja vista que todos indivíduos possuem os dois genitais e, dependendo da espécie, pode ocorrer uma autofecundação ou então uma fecundação cruzada.
Os animais só fazem sexo porque isso é uma necessidade da espécie. Isto é, da mesma maneira que se alimentam, que dormem, que respiram, que migram, enfim que sobrevivem e por isso mesmo, eles não têm tempo para brincar com sexo, como muitos humanos costumam fazer. Em suma, o sexo entre os animais é coisa séria e não pode ser comparado com qualquer
manifestação sexual humana, até porque os humanos, além da efetiva prática consciente da manifestação homossexual, extrapolaram e transcenderam bastante a verdadeira questão sexual como maneira prioritariamente reprodutiva.
Falar de homossexualidade em animais, exige, antes de qualquer coisa, que, além da sodomia (“sexo anal”), se pense também em felação (“sexo oral”) e ainda em inúmeras formas de masturbação, atividades tipicamente humanas e que lógica e indiscutivelmente não têm como existir nas diferentes espécies animais. Assim, não pode haver homossexualismo real e efetivo, embora até possam ocorrer coitos ou cópulas (pseudocópula) fortuitas entre alguns indivíduos machos de uma mesma espécie, como já foi dito.
Cabe lembrar ainda que o ato sexual (coito ou cópula) entre humanos do mesmo sexo, em certo sentido, nem sempre pode ser considerado como uma atividade realmente sexual, exatamente porque essa ação supera a necessidade reprodutiva e implica em outras necessidades, ligadas ao hedonismo, que nada têm a ver com o sexo propriamente dito. Se me permitem, eu posso até afirmar que, por exemplo, a cópula ou coito com o uso de preservativos é uma atividade ligada ao sexo, mas não é sexo verdadeiro, porque visa exatamente impedir a função primária do sexo que é a reprodução.
Assim, mecanismos anticoncepcionais, na verdade são atividades antissexuais, ao menos nas suas origens (intenções), porque objetivam prazer (hedonismo), mas não reprodução e assim não se constituem em sexo verdadeiro. Na realidade o sexo com qualquer tipo de preservativo parece mais com uma maneira sofisticada de masturbação, pois pode satisfazer aos indivíduos envolvidos, mas não se traduz definitivamente em reprodução no sentido efetivo da palavra. Eu sei que essa afirmação é muito discutível, difícil de ser entendida e muito mais difícil ainda de ser aceita, mas é perfeitamente possível se pensar assim.
Outra coisa que precisa ser dita é que em todos os animais mamíferos, exceto nos seres humanos, as fêmeas têm o seu período sexualmente ativo, denominado de estro ou cio, em tempo definido e relativamente bastante curto, durante determinadas etapas de suas vidas. Fora desse período é como se o sexo não existisse para os indivíduos e na verdade ele não existe mesmo, pois não interfere em nada na vida dos animais fora do período do cio. Apenas as fêmeas dos seres humanos não apresentam esse período específico e assim, elas estão susceptíveis ao sexo durante o ano todo, em grande parte de suas vidas.
Acredito que a existência do cio nas outras fêmeas de mamíferos seja também para que o sexo não “suba à cabeça”, como acontece com muitas fêmeas de humanos, haja vista que para essas demais fêmeas de mamíferos existem outras necessidades vitais, que são cotidianas e mais importantes ou pelo menos mais prementes que o sexo. Aliás, cabe dizer aqui também, que o ato sexual é desagradável e dolorido para a grande maioria (senão todas) as fêmeas de mamíferos. Para as fêmeas de mamíferos o sexo é uma obrigação incomoda e que só será possível se todas as outras atividades vitais estiverem sendo satisfeitas a contento.
Em suma, antes de qualquer animal se preocupar com a reprodução é necessário que se esteja vivo. Assim, viver é o mais importante, ainda que a reprodução e o ciclo de vida sejam necessários eles não são vitais para o indivíduo. A reprodução é necessária à espécie, mas o indivíduo precisa estar vivo para concorrer à atividade reprodutiva e por vários fatores, nem
sempre é possível reproduzir, mas sempre é importante manter-se vivo, até mesmo para reproduzir, se este for o caso.
O fundamental, o preponderante é estar vivo e assim tudo é feito para permanecer vivo. Reproduzir é importante, mas definitivamente não é essencial a nenhum indivíduo animal. Nenhum animal do sexo masculino “comete loucuras” pelo desejo do sexo e muito menos vai ter uma relação com outro indivíduo macho, se não conseguir encontrar uma fêmea reproduzir, apenas porque se interessa por outro macho, ou porque tem que copular ou para satisfazer sua necessidade hedonista. Ora, pensar isso é um absurdo e certamente tal fato não tem nenhum cabimento fisiológico e não ocorre na natureza.
Obviamente, a princípio, todos os indivíduos terão o direito de tentar reproduzir, mas precisam estar em condições físicas para isso e deste modo, na época certa, no cio, eles deverão estar saudáveis, bem alimentados e muitas vezes têm que passar por uma competição com outros indivíduos para provar ser o indivíduo que deverá reproduzir com aquela fêmea especial da sua espécie e que deverá ser a mãe de seus futuros filhos que darão continuidade a espécie em questão. Qualquer coisa diferente disso é idiotice ou balela, ou ainda um grande delírio de quem se dá o direito de pensar diferente disso.
Meus amigos, a verdade é a seguinte, as atividades antrópicas relacionadas ao sexo, não podem, de maneira nenhuma, ser comparadas com as atividades sexuais efetivas dos animais. Sexo sem objetividade sexual (reprodutiva) efetiva, ou seja, sexo sem meta de procriação não é sexo. Quando muito, será apenas prazer e os animais “sabem” disso, não têm tempo e nem condições para perder nesse aspecto. A vida animal é uma “guerra” constante entre comer ou ser comido e não há como brincar de sexualidade com um indivíduo do mesmo sexo.
Os animais precisam viver, pois a vida que é o mais importante, sempre é muito complicada e extremamente curta aos interesses de quem está vivo. Assim, meus amigos, para o indivíduo de qualquer espécie animal continuar vivendo é o que consiste no mais importante de suas vidas. Obviamente, se for possível, quem sabe, ele pode reproduzir e trabalhar para dar continuidade à espécie, tentando gerar indivíduos fortes, cada vez melhores e mais bem adaptados. Isso até pode ser um bom negócio, mas certamente não é algo vital.
Apenas o Homo sapiens, atualmente com seus 75 anos em média de muita inutilidade temporal e mental, tem muito tempo para perder em pensar e fingir o sexo verdadeiro para satisfazer o seu prazer individual. Como eu disse antes, pensando naturalisticamente, qualquer atividade sexual que não vise a reprodução em si, acaba sendo uma forma diferenciada de masturbação, o que até pode satisfazer bastante ao corpo, mas que não produz nenhuma efeito reprodutivo real. Nos animais não existe nenhuma possibilidade de que isso aconteça, porque a vida do animal é uma luta interminável por permanecer vivo. Até mesmo para reproduzir existe luta e por isso mesmo nem todos os indivíduos conseguem reproduzir. Aliás, alguns estão tão preocupados em se manter vivos, que nem tentam reproduzir.
Espero que fique claro, de uma vez por todas, que copular ou “pseudocopular” não é reproduzir. Aliás, o que os humanos menos querem, quando eles “transam” é reproduzir. Os animais não têm essa dimensão de valor fisicamente e muito menos mentalmente, de copular por copular, sem querer reproduzir. A reprodução para os animais é algo inerente as suas respectivas vontades, a reprodução é algo que acontece, porque tem que acontecer, com um objetivo único, no momento certo, com o indivíduo certo e do sexo oposto. As espécies vivem e buscam continuar existindo através de seus indivíduos que demonstrem maior capacidade reprodutiva e isso está geneticamente condicionado nos indivíduos e em suas respectivas atividades reprodutivas, quando existentes, e não existe outra maneira de ser.
Posso estar enganado, mas entendo que quando alguém aplica o conceitode homossexualidade esse alguém está pensando na afinidade mútua entre indivíduos do mesmo sexo, muitas vezes até rejeitando o outro sexo, pois o indivíduo homossexual se interessa principalmente pelo indivíduo de sexo igual ao seu. Ora, esse tipo de situação simplesmente não existe na natureza animal. Nenhum indivíduo de uma determinada espécie animal deliberadamente fica atraído ou interessado em outro indivíduo de sexo igual ao seu. O sexo biológico é uma condição genética relacionada à vida e à continuidade da espécie e isso só é possível entre indivíduos de sexos diferentes. Por tanto é, no mínimo, um exagero comparar com a
homossexualidade a possível pseudocópula entre animais de uma mesma espécie.
Infelizmente certas buscas de padrões naturais para justificar ou para se tentar fazer entender melhor algumas situações sociológicas humanas acabam produzindo mais problemas e maior confusão. Além de também levar ao mal entendimento e mesmo à conceituações erradas dos fenômenos naturais. Os animais não têm culpa das necessidades humanas e vice- versa. É óbvio que somos biologicamente animais, mas a espécie humana desenvolveu padrões comportamentais exclusivos, os quais estão associados à cultura humana e que por isso mesmo não têm precedentes em toda a classificação zoológica, como vestir, cozinhar, rezar e outros.
Talvez a homossexualidade seja um desses padrões, justificáveis apenas pela cultura humana, pois ainda que alguns seres humanos queiram propositalmente empregar o termo homossexualidade erroneamente para os animais, certamente essa é mais uma das muitas falácias sociais impostas por determinados grupos à sociedade, para galgar outros objetivos. Eu só lamento que nesse caso, os bodes expiatórios que justificam essa ação infundada sejam os animais.
Repito mais uma vez: na natureza, em particular no Reino Animal, só existe atividade sexual com fins exclusivos de reprodução. Qualquer outra situação de coito, cópula ou pseudocópula não pode ser confundida e muito menos traduzida ou comparada com qualquer atividade existente na sexualidade humana, porque isso é, no mínimo, um abuso do direito e uma falta de respeito dos seres humanos com os animais.
É incrível, mas exatamente quando finalmente a sociedade humana parece estar conseguindo atingir um nível de percepção maior sobre a sua própria natureza animal, no qual os animais estão, cada vez mais, deixando de ser cobaias físicas, haja vista que cada vez menos se utiliza os animais em pesquisas laboratoriais, começam a acontecer essas situações absurdas. Pois é, exatamente nesse momento, que surge agora um novo modelo de cobaia para utilização dos animais. Agora os animais passam, lamentável e tristemente, a ser cobaias psicológicas ou virtuais, apenas para satisfazer o ego de alguns seres humanos. Estou aqui fazendo a minha parte para que
essa idiotice não prospere e não se propague.
Por fim, quero deixar claro a todos os leitores, que não tenho nada contra o interesse e muito menos a opção sexual de quem quer que seja, ao contrário, penso que cada ser humano é proprietário de sua mente, tem seu livre arbítrio e que pode e deve fazer o que quiser com seu corpo e principalmente com sua sexualidade, mas tenho vergonha de pessoas que se escondem atrás dos animais para tentar justificar suas dúvidas ou seu conflitos pessoais e assim minimizarem seus possíveis erros.
A homossexualidade, boa ou ruim, certa ou errada, moral ou imoral, até que provem o contrário, é uma característica exclusiva da espécie humana, essa é a realidade nua e crua, doa a quem doer. Não se trata aqui de defender a situação ou condição A ou B, na verdade o que se quer é apenas e tão somente defender os coitados dos animais das possíveis agressões físicas e éticas que lhes são arbitrariamente incutidas por pessoas que não têm absolutamente nenhum conhecimento biológico básico e muito menos conhecimento de etologia especificamente.
Para terminar, eu quero ainda dizer que não há prazer nenhum no sexo animal, o que existe é uma obrigação biológica, de causa genética e fisiológica das espécies animais na busca da continuidade da vida. Por conta disso, ao contrário do que muitos humanos pensam ou querem acreditar, para muitas espécies animais, particularmente para as fêmeas dessas espécies, o sexo algo muito ruim, dolorido e desagradável, mas que é necessário e que alguém (alguns indivíduos) precisam fazer, pois tem que acontecer para as espécies continuarem existindo.
Mas, se não fosse assim e se existisse outra alternativa, isto é, se o sexo não fosse uma questão de sobrevivência das espécies, provavelmente vários indivíduos animais de muitas espécies certamente prefeririam não ter que fazer relações sexuais. As fêmeas não sentiriam o incomodo do cio, não teriam que suportar o peso e a violência dos machos e muito menos a amamentação (no caso dos mamíferos), a criação e a orientação dos filhos. Os machos, por sua vez, não teriam que se desgastar fisicamente e nem travar batalhas violentas com seus pares e também não correriam o risco de se mutilarem. Além disso, todos poderiam dispor e utilizar o curto tempo de suas vidas em interesses particulares mais interessantes, como, por exemplo, se alimentarem quantitativamente mais e qualitativamente melhor.
Além disso é fundamental entender que, se o sexo com uma fêmea da sua espécie não é nenhuma maravilha para os indivíduos envolvidos e só acontece porque é obrigatório, me parece óbvio que o sexo com outro macho então deve ser bem pior. Desta maneira não dá para defender, de jeito nenhum essa lamentável e triste corrente que especulativamente vem tentando admitir a existência de uma homossexualidade deliberada entre certas espécies de animais.
Sinto muita tristeza e vergonha desse pretenso envolvimento dos animais para buscar justificativas de questões que são estritamente antrópicas e fico mais entristecido ainda, quando vejo alguns homens ligados às ciências naturais reforçando essas ideias absurdas e descabidas. As ciências naturais e a Biologia em especial, não deveriam ser lugares para esse tipo de sujeito que apoia, promove e proclama crendices em nome da ciência.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (62)
Biólogo (Zoólogo), Professor, Pesquisador, Escritor e Ambientalista;
Presidente da Academia Caçapavense de Letras (ACL).

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28 ago 2015

Sobre a Reprodução Sexuada e a Formação de Híbridos

Resumo: O texto trata da Reprodução, em particular da Reprodução Sexuada e das possibilidades de formação ou não de organismos híbridos resultantes do encontro reprodutivo entre espécies próximas e das consequências oriundas desses encontros. A abordagem tenta esclarecer que a Hibridização é naturalmente dificultada, mas que muitas vezes os mecanismos de isolamento falham e os híbridos acontecem e que isso pode favorecer ou prejudicar o processo de Especiação.


 

Sobre a Reprodução Sexuada e a Formação de Híbridos

Esse talvez seja o assunto de cunho biológico mais envolvente e o que mais interessa as pessoas em geral. Digo isso porque ao longo dos meus quase 35 anos de magistério nas diferentes áreas da Biologia, certamente esse foi o assunto que mais vezes tive que responder a questionamentos, tanto dentro quanto fora das escolas. Ou seja, os questionamentos ocorriam tanto por parte de alunos e de colegas professores, como também a partir de outras pessoas totalmente desvinculadas da atividade escolar ou biológica, as quais tinham grande interesse e curiosidade sobre a questão. Por conta disso, resolvi me atrever e escrever esse artigo, onde tentarei informar aos não biólogos e principalmente aos curiosos um pouco mais sobre o assunto.

Começarei informando que a Reprodução é o mecanismo pelo qual as espécies vivas se perpetuam no espaço e no tempo. Ou seja, só pode ser considerada uma espécie aquele grupo de indivíduos semelhantes que é capaz de gerar descendentes e se manter vivo numa determinada área ao longo do tempo. A Reprodução Sexuada é um mecanismo mais seguro de manter e perpetuar as espécies, pois garante a variabilidade e gera a diversidade necessária entre os indivíduos da espécie. Entretanto, é preciso saber clara e conceitualmente o que é esse mecanismo e que implicações ele traz para a vida como um todo e para vida animal particularmente.

Na verdade, muita gente pensa que Reprodução Sexuada é aquela que envolve cópula, assim confunde Reprodução Sexuada com Ato Sexual (Cópula) e, o que é pior, pensa que só existe reprodução sexuada nos animais que copulam. Isso está muito longe de ser verdade, mas este erro é consequência de outro anterior, que é o próprio conceito de sexo, o qual a grande maioria (quase a totalidade) das pessoas não conhece ou, se até conhece, tem uma noção bastante errada sobre o mesmo.  A cópula é apenas um detalhe que envolve o processo reprodutivo sexuado de alguns organismos vivos.

Infelizmente, a farta propaganda existente hoje na mídia e a divulgação intensiva sobre o sexo na espécie humana não traduz conceitualmente o que seja sexo de uma maneira objetiva e definitiva. Fala-se muito de sexo, de “fazer sexo”, de “utilizar o sexo”, de diferenças entre os sexos, de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e outras coisas mais. Porém, lamentavelmente, não se define realmente o que seja sexo. Na verdade, não se discute a importância biológica efetiva que o sexo tem para as espécies vivas, pensa-se apenas no sexo como objeto de prazer, de encantamento e de sedução humana, numa atitude social e estritamente antropológica, que leva ao entendimento errôneo da importância da função sexual nas espécies vivas. Assim, embora se fale também em Educação Sexual, na realidade está se deseducando, pois não se aborda o sexo num contexto biológico mais amplo.

A palavra sexo é oriunda da existência das células sexuais (gametas), os quais são, apenas e tão somente, de dois tipos: feminino e masculino. Então um organismo vivo é do sexo feminino porque suas Glândulas Sexuais (Gônadas) produzem gametas femininos ou é do sexo masculino porque suas gônadas produzem gametas masculinos. Entretanto há espécies, em vários grupos de organismos vivos que têm os dois tipos de gônadas e por isso mesmo produzem os dois tipos de gametas. Nesse caso os organismos são denominados Hermafroditas, em alusão aos deuses Hermes (masculino) e Afrodite (feminina), significando que o organismo em questão apresenta os dois tipos de sexos ao mesmo tempo.

A condição de pertencer ao sexo masculino, ao sexo feminino ou a ambos (hermafrodita) pode existir aleatoriamente em qualquer espécie viva (animal ou vegetal) sexualmente reprodutiva e a reprodução sexuada resulta do encontro entre os diferentes sexos (gametas) dessas espécies, através de um fenômeno denominado Fecundação ou Fertilização. Esse encontro pode ocorrer dentro do corpo de apenas um dos organismos (fêmea) ou de ambos (no caso de Fecundação Cruzada entre hermafroditas). Nesse caso a fecundação é denominada de Fecundação Interna. Entretanto, a Fecundação também pode ocorrer fora do corpo, num ambiente aquático externo, sendo denominada de Fecundação Externa. Então, toda vez que um gameta masculino de uma determinada espécie, encontra um gameta feminino dessa mesma espécie e o fecunda, ocorre uma reprodução sexuada, independentemente do local onde isso aconteça.

Na maioria das espécies em que ocorre uma Fecundação Interna, geralmente há nos indivíduos a presença de um órgão copulador (Pênis) e consequentemente ocorre uma cópula, mas isso não é uma obrigatoriedade, porque existem muitas espécies hermafroditas em que ocorre uma Autofecundação, isto é, os genitais liberam os gametas que se encontram dentro do próprio indivíduo, sem que haja uma cópula. Por outro lado, também existem espécies de Fecundação Externa com uma “pseudo-cópula”, como acontece nos Anfíbios Anuros (sapos), haja vista que embora aconteça algo parecido com uma cópula, na verdade a cópula não ocorre porque os machos não têm um órgão copulador e a fecundação é externa. Nas aves, embora a maioria dos machos também não tenha órgão copulador, as fêmeas desenvolveram mecanismos que levam os gametas masculinos para o interior de seus respectivos corpos e ocorre uma Fecundação Interna.

Assim, fica claro que a fecundação pode acontecer de várias maneiras, porém o resultado da fecundação, independentemente de qual tenha sido a sua maneira, sempre irá originar uma célula ovo ou zigoto, a qual, por sua vez, irá se desenvolver para formar um novo organismo com uma carga genética própria, que é oriunda dos dois gametas iniciais. Isto é, o novo ser que irá ser produzido sempre resultará de uma mistura genética dos dois ancestrais que forneceram os gametas, o que gera uma variabilidade cada vez maior das espécies que realizam a reprodução sexuada e que consequentemente resultam de uma fecundação.

Nas espécies animais denominamos o gameta masculino de Espermatozoide e o feminino de Óvulo e nas espécies vegetais, geralmente os gametas masculinos são denominados de Grão de Pólen e o feminino também é denominado de Óvulo. Entretanto, existem outros tipos de nomenclaturas atribuídos aos gametas nos diferentes grupos vegetais, mas vamos deixá-los de lado para não trazer à baila outros nomes pouco comuns e principalmente para não aumentar o tamanho da possível confusão na cabeça do leitor.

O ato sexual (cópula) é um dos mecanismos que permite o encontro entre os dois tipos diferentes de gametas de uma determinada espécie, porém está muito longe de ser o único mecanismo que permite esse processo, porque, além da fecundação externa na água, no caso dos animais, os gametas podem se encontrar e assim se fecundarem de várias formas nas espécies vegetais, através da ação dos agentes polinizadores, como o vento, os insetos, as aves e os morcegos. Enfim, sexuado é tudo que envolve gametas e que resulta de fecundação e como já foi dito, existem várias formas de fecundação, ou melhor, existem vários mecanismos que permitem a reprodução sexuada e consequentemente a fecundação, além daquele que a maioria das pessoas acredita ser o único.

Desta forma quero crer que agora posso dizer, sem medo de estarrecer o leitor ou de parecer que eu esteja louco, que, além do homem e dos animais vertebrados terrestres, muitas outras formas de vida, inclusive muitos invertebrados aquáticos, além dos peixes e também as plantas superiores são entidades sexuadas que podem se reproduzir e efetivamente se reproduzem sexuadamente, independente de realizarem uma cópula ou não. Aliás, é bom ressaltar que alguns organismos, são capazes de se reproduzirem também assexuadamente, isto é, sem a participação das células sexuais (gametas), mas esta é outra história e penso ser melhor não discuti-la nesse momento.

Dito isto, acredito que agora devo passar ao segundo item de minha breve explanação, na tentativa de poder esclarecer um pouco mais as pessoas sobre a reprodução sexuada e a formação de híbridos. O meu segundo item é a hibridização, ou seja, o processo de formação de híbridos.

Primeiramente é preciso definir o que seja um híbrido. Biologicamente um híbrido é aquele indivíduo resultante do cruzamento de dois ancestrais de espécies distintas. Isto é, alguém que se origina de dois contingentes genéticos distintos, que podem ser e geralmente são parecidos, mas que necessariamente são efetivamente diferentes. Costuma-se usar como exemplo o burro, que resulta do cruzamento entre a égua e o jumento ou entre o cavalo e a jumenta. Embora, pudessem ser usados outros inúmeros exemplos existentes, vou continuar me utilizando desse modelo porque, além de satisfazer a necessidade do momento, esse é também um exemplo bem conhecido da maioria das pessoas.

O cavalo e a égua pertencem à espécie Equus caballus, enquanto o jumento e a jumenta pertencem à espécie Equus asinus, ou seja, são duas espécies distintas. Quando são cruzadas (reproduzidas sexualmente) duas espécies diferentes, mesmo aparentadas, como é o caso de cavalo e jumento, o produto é um híbrido (Burro ou Mula). No que se refere aos animais, os híbridos são quase sempre inviáveis e quando são viáveis costumam ser estéreis. Porém, no caso das plantas, isso não é verdade, pois os híbridos vegetais costumam ser sexualmente férteis. Essas duas respostas diferenciadas entre plantas e animais quanto à hibridização são bastante intrigantes e parecem estar na fundamentação básica da própria condição do que seja um animal ou um vegetal.

Na natureza existem vários mecanismos que favorecem a formação de híbridos nos vegetais, o que possivelmente esteja relacionado com a limitação dos vegetais quanto à locomoção, embora, como já foi dito, também existem muitos animais que auxiliam no processo de polinização das espécies vegetais. A diversidade vegetal é muito menor que a animal, por causa da dependência ambiental maior e, ao que parece, também em consequência da impossibilidade motora. O vegetal tem que se desenvolver onde estiver e assim a mistura genética entre as espécies é muitas vezes vantajosa, sendo inclusive um fator significativo de evolução e formação de novas espécies (Especiação) entre as plantas.

Por outro lado, nos animais, em função basicamente da possibilidade motora, ocorre uma diversidade muito maior em consequência da possibilidade de procurar e assumir diferentes nichos ecológicos. Desta maneira, como a hibridização poderia ser algo extremamente comum, naturalmente foram desenvolvidos vários mecanismos que dificultam e tentam impedir a formação desses híbridos e garantir a individualidade das espécies. Ao contrário dos vegetais, nos animais a hibridização não é um fator de evolução nem de formação de novas espécies.

Os mecanismos que dificultam a hibridização em animais são classificados em dois grandes grupos: Mecanismos Pré-zigóticos (que impedem a formação do Ovo ou Zigoto) e Mecanismos Pós-zigóticos (que não impedem a formação do Ovo ou Zigoto, mas impedem o desenvolvimento, ou a formação do indivíduo, ou a sua reprodução ou ainda a reprodução futura de sua linhagem). No exemplo do Burro, acontece a formação do indivíduo, entretanto ele é incapaz de reproduzir. Assim, o Burro não é uma espécie verdadeira porque não pode gerar descendentes.

Geralmente ocorre impedimento antes de qualquer possibilidade reprodutiva, por questões limitantes de naturezas geográficas, por questões de impossibilidades mecânicas e mesmo por questões de diferenças comportamentais entre as espécies. Mas, mesmo quando esses fatores Pré-zigóticos falham e o encontro dos gametas acaba ocorrendo, ainda existe a possibilidade não haver fecundação, ou mesmo de haver fecundação, mas não haver desenvolvimento, ou ainda de haver desenvolvimento mais gerar um ser estéril, ou até de gerar um ser reprodutivamente ativo na primeira geração, porém estéril nas gerações subsequentes. Todos esses últimos são os mecanismos Pós-zigóticos e de todos esses casos há exemplos bem conhecidos na natureza. Além dos vários exemplos naturais de híbridos bem conhecidos da ciência, há também situações artificiais que o homem propiciou através das experiências mais diversas.

Concluindo, devo dizer que a Reprodução Sexuada tem sido um mecanismo fundamental para a manutenção e para a diversificação das espécies vivas do planeta, entretanto a formação de híbridos naturais é uma constante e esses híbridos muitas vezes são entidades comuns em função da grande possibilidade de combinação genética entre as espécies vivas. Algumas vezes, esses “erros reprodutivos” levam à produção de novas espécies, mormente nos vegetais, e outras vezes levam a formação de híbridos, nos animais, que não conseguem se estabelecer como espécies verdadeiras dentro da classificação biológica, exatamente porque apresentam limitações reprodutivas marcantes.

No pensamento popular coletivo os híbridos são conhecidos pela “força” que possuem, denominada genericamente de “Vigor Híbrido”, que é resultante da mistura dos dois genomas distintos ancestrais e que garante boas condições de resistência e de manutenção viva, o que para os vegetais condiciona numa melhor adaptação e consequentemente numa melhor capacidade de sobrevivência. Porém, nos animais, essa mesma mistura genética que gera o “Vigor Híbrido”, parece ser traduzida como uma imperfeição (anomalia) genética e passa a ser um reforço negativo, o qual é responsável pela inviabilidade reprodutiva e que não deixa esses organismos terem continuidade.

 

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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