Resumo: Dessa vez trago um texto que conta a história de minha ligação com o Rio Paraíba do Sul, desde a minha infância até hoje e traz algumas informações pessoais sobre os acontecimentos e as coincidências entre eu e o Rio Paraíba ao longo dos anos. Vou fundo na memória e trago a imagem desde os ensinamentos dados por meu pai e da minha primeira professora de Geografia no ginásio até os dias atuais em que estou completando 35 anos vivendo na região valeparaibana.
A História do Menino da Cidade Grande e o Rio Imenso
Quando menino eu vinha, durante as férias, com meus pais, do Rio de Janeiro para São Paulo para visitar meus tios e meus primos, na verdade tios e primos da minha mãe, pois a tia era irmã de minha avó. Eu gostava muito das viagens e prestava muita atenção à paisagem. Naquela época, ainda na antiga Rodovia Rio – São Paulo, de vez em quando passávamos ao lado daquele “rio imenso”, o Rio Paraíba do Sul. É isso mesmo, para mim o Rio Paraíba do Sul era um “rio imenso”, pois lá na cidade do Rio de Janeiro, o maior rio que eu pude identificar era o canal do mangue, que não tem dez metros de largura. Desta forma o Rio Paraíba era, para mim, um gigante. Eu me deliciava com aquela quantidade de água e não entendia bem o que era aquilo. Acho até que eu tinha um pouco de medo, pois aquele aguaceiro me assustava ao mesmo tempo em que me atraia.
Pouco depois a estrada mudou, veio a Dutra, mas o Rio Paraíba do Sul continuava ali, aparecendo e sumindo ao lado da estrada. Eu ficava doidinho para viajar até São Paulo, só para ver aquela imensidão de rio. Nessas idas e vindas eu conversava muito com meu pai, que me informava detalhes do Rio Paraíba do Sul e de sua importância para a região. Entretanto, eu era muito jovem e não podia entender a maioria das coisas que meu pai dizia. Só sei que eu curtia muito as informações e que aqueles momentos para mim eram, além de inesquecíveis, também fantásticos. Como era bom, eu, meu pai, minha mãe e o Rio Paraíba do Sul, seguindo a estrada para São Paulo.
Lembro-me também que meu pai tinha um amigo (Senhor Ernesto) que era casado com uma Senhora (não me lembro o nome) que havia nascido no Norte do Estado do Rio de Janeiro, no Município de São João da Barra e os pais dela ainda moravam lá. Durante feriados prolongados (Carnaval, Semana Santa e outros), eu, meu pai, minha mãe, o Senhor Ernesto e sua esposa, por várias vezes fomos a São João da Barra visitar os pais da senhora. Recordo-me muito bem, que a casa onde ficávamos era muito grande. Lá também havia uma pequena fábrica de manteiga e de queijo e isso produzia um cheiro característico no ar. A casa com a pequena fábrica localizava-se muito próximo de outra fábrica muito grande, naquela época, a Fábrica do Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, muito famosa na região. Isso já faz mais de 50 anos e eu nunca mais voltei ao local, portanto não sei se essas coisas ainda existem.
Nos carnavais que passávamos na cidade de São João da Barra, tinha uma coisa muito interessante. A cidade se dividia em dois grandes Blocos Carnavalescos: os Congos e os Leões. Os dois blocos percorriam as ruas da pequena cidade e arrastavam os seus adeptos, em meio aos aplausos e às vaias dos prós e dos contra. Eu nunca tinha visto uma situação dessas, a competição era terrível, parecia uma guerra com a cidade dividida pelo Carnaval, mas aquilo durava apenas o período do Carnaval, depois tudo voltava ao normal até o outro ano. Hoje em dia, às vezes tenho vontade de voltar a São João da Barra só para ver se há algum relato ou registro histórico daquela época ou se, quem sabe, até hoje a coisa continua assim.
No fundo da casa onde ficávamos (a Fábrica de Manteiga), também passava um “rio imenso”, um rio grande (largo), caudaloso e de velocidade significativa. Era interessante que a gente pescava da janela da casa e numa pequena parte do terreno havia um remanso e uma “prainha”, onde se podia tomar banho próximo à margem. Aquele rio, por incrível que pudesse parecer para aquele menino, também era o Rio Paraíba do Sul.
Várias vezes eu questionei meu pai sobre o tamanho daquele “rio imenso”, que eu via quando ia para São Paulo (Sul) e quando ia para São João da Barra (Norte). O Rio Paraíba do Sul era muito maior do que o que eu pensava e eu sempre me questionava: onde será que esse rio vai parar? Lembro que meu pai me explicava, mas como já disse eu era muito pequeno para entender.
Eu fazia tantas perguntas sobre o “rio imenso”, que um dia meu pai, o amigo dele (Ernesto) e o sogro desse amigo, o qual lamentavelmente não me recordo o nome, resolveram me levar num passeio. Pegamos o carro e saímos. Levou algum tempo, passamos por uma cidade bem maior (Campos dos Goitacazes) e posteriormente chegamos a um lugar fantástico em que estávamos de frente para uma praia (Atafona). Estávamos de frente para o Oceano Atlântico e lá meu pai me mostrou onde o “rio imenso” terminava, onde ele encontrava o mar. Meu pai me falou da Pororoca e, não sei o porquê, essa foi uma palavra que eu jamais esqueci. Talvez, seja pela sua sonoridade ou por ser um dos muitos ensinamentos de meu saudoso pai. Sei lá!
Engraçado, como as coisas acontecem. Eu nunca pensei que um dia fosse contar isso para alguém, mas estou aqui falando do meu saudoso pai e compartilhando de seus ensinamentos com os meus leitores. Foi ele, o meu pai, quem me ensinou sobre Pororoca, Piracema, Correnteza e outras coisas mais. E tudo isso por causa do Rio Paraíba do Sul.
Posteriormente, quando ingressei no ginásio, quando fui estudar a Geografia mais detalhadamente, na parte referente à Geografia Física do Sudeste do Brasil, a Professora (Dona Catarina, minha primeira professora de Geografia, uma mulher jovem e muito bonita), falou-me um pouco mais da Bacia Hidrográfica (acho que até então eu nunca havia ouvido falar nesse termo) do Rio Paraíba do Sul e de sua importância para o desenvolvimento do Sudeste brasileiro. É claro que muita coisa eu já sabia, pois meu pai já havia me dito, embora eu ainda não entendesse direito. Acho até que é por isso que sempre me dei bem e sempre gostei muito de Geografia.
Eu adorava as aulas de Geografia da Professora Catarina e tenho certeza que ela nunca soube disso. Nunca mais a vi, como disse lá se vão mais de quarenta e cinco anos, talvez até ela já tenha morrido, porém continua muito viva em minha memória. Tive outros professores de Geografia, mas, não sei o porquê, nenhum deles me chamou tanta atenção quanto a Professora Catarina. Dos outros, eu nem lembro mais o nome. Quem sabe era a sua beleza ou o meu interesse por aprender sobre os rios, em particular o Rio Paraíba do Sul.
O tempo passou e eu continuei crescendo, sempre indo e vindo para São Paulo, admirando o Rio Paraíba do Sul e conversando com o meu pai sobre o rio e sua importância. Depois de adulto, já dirigindo, quando eu ia sozinho pela Rodovia Presidente Dutra, algumas vezes aproveitava para parar e olhar com um pouco mais de calma aquela beleza deslumbrante daquele rio maravilhoso. Particularmente, na cidade de Barra Mansa, na pista sentido São Paulo, quando se avista o Rio Paraíba do alto. É a primeira visão do Rio Paraíba do Sul na pista no sentido São Paulo, certamente é o trecho mais lindo do Rio Paraíba do Sul. Também parei algumas vezes no trecho entre Queluz e Lavrinhas, onde o Rio Paraíba do Sul é especialmente encantador. Recentemente esse trecho perdeu um pouco de seu brilho e ficou menos interessante por causa das PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) que infelizmente lá se instalaram. Mas, essa é outra história que não vou discutir aqui.
Graduei-me como Biólogo e fui trabalhar especificamente com organismos marinhos e assim, o Rio Paraíba do Sul ficou, por algum tempo, apenas como uma imagem que eu sempre gostava de lembrar e, quando possível reviver, nas oportunidades em que eu viajava pela Rodovia Presidente Dutra a caminho de São Paulo, de Curitiba ou de outra cidade do Sul do Brasil.
Por ironia do destino ou por mais uma coincidência, depois de algum tempo, vim trabalhar aqui no Vale do Paraíba Paulista, mais precisamente na cidade de Taubaté e acabei ficando na região. Casei com uma caçapavense e meus filhos nasceram todos aqui na região. Sou cidadão valeparaibano faz 35 anos e hoje não troco essa região por nenhuma outra, apesar de todos os problemas aqui existentes.
Depois que vim trabalhar na região, algumas vezes eu vinha do Rio de Janeiro para cá de trem e desta forma eu conheci outros caminhos por onde o Rio Paraíba do Sul também passa, ao lado da linha do trem. Aliás, que saudade do trem que várias vezes me trazia do Rio de Janeiro para Taubaté ou para Caçapava e vice-versa. O fim do trem é outra daquelas coisas que não se consegue entender e que só acontecem em países como o Brasil, mas também não é disso que estamos querendo falar no momento.
Minha vinda para a região me propiciou inúmeras oportunidades de estudos naturalísticos sobre o Vale do Paraíba e sua importância no cenário nacional. Como zoólogo, primeiramente estava interessado na fauna, mas é impossível estudar os animais sem conhecer o ambiente, a sua condição geográfica e sua realidade histórica. Assim, além da Biologia Animal, também tive de estudar um pouco da Geomorfologia e da Geografia Física, da Geografia Política e obviamente da Ocupação e da História da região. Desta forma, eis que o Rio Paraíba do Sul surge novamente na minha vida, agora com um significado diferente, pois ele é, certamente, o principal agente físico na organização naturalística e ambiental da região, bem como na sua condição geopolítica e social.
Assim, ao longo do tempo, aquele menino que questionava a seu pai sobre o “rio imenso” foi voltando na minha mente e por conta disso resolvi estudar mais e conhecer a fundo o Rio Paraíba do Sul, sua história e sua importância para a região valeparaibana, para o Estado do Rio de Janeiro particularmente e para o Brasil. Sou ciente que a minha existência e de muitos que vieram depois de mim, só foi possível por conta das águas do Rio Paraíba do Sul. Se não fosse a transposição das águas do Rio Paraíba do Sul, ocorrida em 1953, o Estado do Rio de Janeiro certamente não teria a pujança que hoje possui, porque não haveria água suficiente e sem água não seria possível abrigar toda a população que hoje abriga.
Até mesmo no dia em que meu pai faleceu, o Rio Paraíba do Sul esteve presente em minha vida. Meu pai estava doente e eu já morava aqui no Vale do Paraíba fazia alguns anos e por causa de sua doença, naquela época eu ia constantemente, pelo menos dia sim, dia não, ao Rio de Janeiro. Naquele fatídico dia, saí bem cedo (por volta das 6 horas da manhã) de Caçapava e fui de carro para o Rio de Janeiro. Cheguei à casa de meus pais e peguei minha mãe, pois precisávamos estar no hospital às 10 horas. Meu pai continuava do mesmo jeito (era o quadragésimo segundo dia de coma) e os médicos nada diziam sobre melhoras. Aliás, nem podiam dizer, porque o quadro era realmente muito grave. Depois da visita, eu e minha mãe voltamos para casa, almoçamos e logo depois, rumei novamente para Caçapava.
Pouco depois das 17:00 horas, quando cheguei à Caçapava, meu sogro me informou que eu precisava voltar ao Rio de Janeiro novamente, pois minha mãe acabara de telefonar, informando que meu pai havia falecido. Isso aconteceu em julho de 1991 e naquela época ainda não havia telefone celular. Pois é, até no dia em que meu pai morreu, por três vezes margeei o Rio Paraíba do Sul. Talvez mera coincidência, mas quero crer que não, prefiro acreditar que isso tenha alguma relação, pois eu, meu pai e o Rio Paraíba do Sul tínhamos (temos até hoje) tudo a ver.
Quando voltava ao Rio de Janeiro para o velório de meu pai, acompanhado de minha mulher e meu sogro, lembrei muito das coisas que meu pai me dizia sobre o Rio Paraíba do Sul, quando eu era pequeno. Até hoje, sinto um grande prazer, quando passo em frente da entrada para Rio Claro, no alto da Serra das Araras, onde antes existia a saída para o extinto município de São João Marcos. Meu pai morou naquele lugar e adquiriu o conhecimento que procurou me ensinar sobre o Rio Paraíba do Sul. Foram exatamente o interesse industrial e a falta de coerência histórica, de sensibilidade humana e de consciência ecológica, atitudes que hoje, como ambientalista, eu combato ativamente, que destruíram aquele Município. Mas, essa também é outra história.
Hoje estou aqui, lutando pelo Rio Paraíba do Sul e pela região que ele empresta o nome. Minha mulher e meus filhos aqui nasceram e aqui eu pretendo morrer. Escrevi e publiquei inúmeros artigos sobre a Bacia do Rio Paraíba do Sul e sobre a região. Além disso, eu ministro aulas não curso de Licenciatura em Biologia das Faculdades Integradas Teresa D`Ávila (FATEA) de uma disciplina que criei por volta de 1990, denominada “História Natural do Vale do Paraíba” e aproveito aqui para contar mais essa pequena passagem da história para alguns de meus alunos.
Certamente meu pai está lá no alto, olhando para mim e para o Rio Paraíba do Sul aqui embaixo e eu me sinto muito envaidecido de seus ensinamentos. Além do mais, eu me encho de orgulho todas as vezes, quando passo pela Rodovia Presidente Dutra, na entrada da fábrica “Du Pont”, no município de Barra Mansa, onde meu pai trabalhou. Gosto de lembrar, principalmente quando passo na frente da fábrica à noite, quando ela está toda iluminada, que meu pai foi um dos responsáveis pela instalação elétrica daquela grande planta industrial e que o Rio Paraíba do Sul estava ali, bem na frente do portão da fábrica para testemunhar o trabalho de meu pai e que ele continua ali do mesmo jeito até hoje.
A saudade de meu pai é eterna, mas a proximidade do Rio Paraíba do Sul me garante que mesmo longe, observando lá do alto, ele está presente e que continuamos juntos a olhar e admirar a beleza desse rio fabuloso, o rio imenso, que corre calmo e sereno, por mais de 1.150 Km, até o Oceano Atlântico e que alimenta com suas águas os meus conterrâneos de nascimento lá no Rio de Janeiro e os meus conterrâneos de coração aqui no Vale do Paraíba. Eu sei que meu pai está feliz e sorrindo, porque sabe que o Rio Paraíba do Sul também é um espírito eterno e nos acompanhará para sempre.
Luiz Eduardo Corrêa Lima
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