A grande maioria das cidades brasileiras não tem nem 20 mil habitantes, isto é, são cidades quase sempre muito pequenas. Entretanto, a muitas dessas pequenas cidades já apresentam trânsito caótico, pelo menos em suas áreas mais centrais. Mas, por que será que esse fenômeno ocorre, haja vista que não há gente e nem veículos (carros, ônibus, caminhões, tratores, carroças, motocicletas, bicicletas e outros) suficientes para produzir os engarrafamentos e outras complicações de trânsito nessas cidades?
Penso eu que isso acontece primeiramente porque nesse país se outorga Carteira de Motorista indiscriminadamente para qualquer pessoa, independentemente dela possuir ou não condições intelectuais ou psíquicas para se locomover no trânsito e, o que é pior ainda, independentemente dela possuir de fato qualquer habilidade para desenvolver a prática de dirigir. Os “DETRANs” são meros guichês de distribuição de carteiras de habilitação para qualquer indivíduo, que a partir daí passam a estar devidamente autorizados pela Lei e podem sair pelas ruas dirigindo carros e fazendo todo tipo de absurdo no trânsito. Além disso, e óbvio que, por outro lado, existe também a carência generalizada de educação e mais especificamente a falta de educação direcionada para os problemas de trânsito das cidades, sejam essas cidades quais forem e independentemente do tamanho que elas possam ter.
Os problemas relacionados ao trânsito e à morosidade urbana decorrem exatamente dos aspectos acima e também porque as orientações teóricas são oriundas de Legislação Federal, o que está corretíssimo, enquanto a prática do trânsito é dada pela orientação estadual e normalmente essa prática segue os modelos das capitais estaduais que costumam ser cidades grandes e cheias de outros problemas que favorecem a complexidade do trânsito, o que está completa e tremendamente errado. As práticas de trânsito devem ser desenvolvidas em função da necessidade local. Isto é, o trânsito de qualquer cidade deve ser trabalhado no sentido e na vocação própria daquela cidade e não ser adaptado a partir de outra, principalmente quando essa outra é muito maior e repleta de outras complicações, como acontece na maioria das principais capitais estaduais brasileiras.
O trânsito em São Paulo, por exemplo, ou em qualquer outra megacidade brasileira é um caos e não pode ser modelo para nada. Sua resolução, se é que existe, deve ser encontrada a partir da realidade da própria cidade de São Paulo e não pode de maneira nenhuma ser aplicado como orientação para outra cidade que não tenha os mesmos problemas. São Paulo é uma cidade imensa, a maior do Brasil, tem um grande número de pessoas, de carros, de ruas, de obras e outros transtornos. Enfim, em São Paulo, como em qualquer megalópole, tudo é mais complicado e como a base em que se implantou todo o sistema de trânsito nessas cidades costuma estar totalmente ultrapassada e desajustada, dificilmente haverá solução possível para a maior parte dos problemas de trânsito, quando muito poderá haver minimização de algumas questões em alguns locais, mas é quase impossível admitir resolução com eficácia total.
Pois então, as cidades pequenas não podem e não devem, de maneira nenhuma, seguir esse modelo, porque essas cidades estão em outra situação e seus problemas são localizados e muitas vezes fáceis de serem resolvidos, basta interesse real, boa vontade e bom senso de quem administra. Entretanto, os administradores do trânsito das pequenas cidades vão ser orientados a partir de aulas e palestras ministradas nas grandes cidades, por agentes de trânsito das cidades grandes, que orientam sobre o trânsito dessas cidades e aí o administrador da pequena cidade volta à sua cidade e quer fazer nela, aquilo que acontece na cidade grande. Obviamente isso não pode dar certo, pois as realidades são diferentes. Dessa maneira, ao invés de melhorar o trânsito e resolver os problemas, o administrador acaba piorando e muito a situação, porque ele está projetando e atuando para o trânsito da cidade grande e não para a sua realidade (cidade pequena). Penso que todas as pessoas que vivem no trânsito cotidianamente como eu, têm inúmeros exemplos do que acabo de dizer e estão cansadas de ver como isso, lamentavelmente, é uma verdade recorrente em inúmeras cidades pequenas do interior.
Embora a Legislação seja Federal e a orientação prática do trânsito seja estadual, a funcionalidade e a aplicabilidade têm que ser locais. Não é possível e muito menos pertinente aquilo que acontece no trânsito de uma cidade de 1 milhão ou mais de habitantes, seja aplicado da mesma maneira para uma cidade de 10 ou de 100 mil habitantes. As realidades físicas do espaço e de sua ocupação são imensamente diferentes, as necessidades são diferentes e até mesmo as pessoas e os seus respectivos comportamentos são diferentes. Uma cidade com 10 mil habitantes tem, quando muito, cerca de 2 mil carros, enquanto que uma cidade com 10 milhões de habitantes tem, no mínimo, cerca de 3 milhões da carros e isso gera um grau de necessidades específicas no trânsito que transcende infinitamente o limite do próprio trânsito.
Por conta desse disparate de números e do treinamento errôneo do pessoal, as cidades pequenas estão repletas de sinais de trânsito absurdos, de mãos de direção incoerentes, de caminhos confusos, de estacionamentos ilógicos, de orientações esdrúxulas, de investimentos (gastos) desnecessários, de agentes de trânsito mal formados e algumas vezes até mesmo mal intencionados e de várias outras coisas inoperantes e ineficientes, como acontece nas grandes cidades. Isso ocorre exatamente porque as cidades pequenas “querem imitar” as cidades grandes, ou seja, os administradores das pequenas cidades projetam os seus respectivos sistemas de trânsito da mesma maneira que as cidades grandes. Ora, não pode dar certo e o resultado só pode ser o caos.
É preciso que os administradores de trânsito das pequenas cidades tenham sensibilidade, não queiram perder tempo, nem jogar dinheiro fora e que atentem para o seguinte detalhe: o trânsito de uma cidade é diferente de outra, principalmente se uma delas for uma megalópole e a outra for uma cidade pequena. Por exemplo, não faz sentido absolutamente nenhum ter um sinal de 4 tempos numa cidade com menos de 100 mil habitantes. Também não faz sentido impedir o acesso à direita num cruzamento, obviamente com atenção. Também não há porque encher a cidade de lombadas, ou, o que é ainda muito pior, de valetas nas esquinas. Outro absurdo é achar que mão única é uma necessidade. A mão única é muitas vezes bem-vinda, mas não deve ser entendida como uma necessidade (obrigação) do trânsito nas cidades pequenas, como querem algumas pessoas ligadas aos setores de trânsito, em algumas situações a mão dupla não só é útil, como necessária para manter a velocidade controlada em níveis urbanos satisfatórios e mesmo facilitar o acesso de moradores e trabalhadores em certas áreas. Aliás, é bom lembrar, que os limites de velocidade definidos também são absurdos em muitos casos, pois não existe nenhum critério na sua definição, além da vontade pessoal de alguém. Na maioria das cidades pequenas, certamente metade dos sinais de trânsito são desnecessários. Enfim, são tantos exemplos de absurdos que não é possível entender.
Outras coisas que acontecem nas cidades pequenas e que eu não entendo é o seguinte: uma determinada via tem três faixas de rolamento, mas não sei o porquê, todos andam pela faixa do meio e as outras duas ficam vazias. Além disso, agora se criou uma ideia de “orientar” (forçar) o trânsito e obrigar o motorista a fazer o que os outros querem que ele faça, através de tachões de sinalização no chão. Entretanto, quem inventou esse absurdo, se esqueceu que quem está dirigindo é o motorista e que somente ele é quem sabe como conduzir o veículo durante uma determinada situação de trânsito. Assim, por exemplo, três quarteirões antes de um cruzamento o motorista já é obrigado a levar seu carro na direção a ser seguida lá na frente e se, por ventura, acontece algum problema, aí para tudo, porque se ele sair daquela faixa certamente será multado. Caramba! Não é mais fácil deixar o trânsito seguir o seu curso naturalmente, até mesmo para que o motorista possa desviar se preciso for, porque é isso que favorece a mobilidade urbana e a fluidez do trânsito. Talvez, numa cidade como São Paulo ou Rio de Janeiro, isso possa ser importante, por causa da grande quantidade de carros, mas certamente isso não é importante para uma cidade pequena. Entretanto, esse tem sido um fator significativo de causa de engarrafamentos de trânsito.
Outra coisa que precisa ser discutida é o seguinte: qual a função da Secretaria ou do Departamento de Trânsito de uma Prefeitura? Se eu não estiver errado, penso que, obviamente, seja cuidar do trânsito. Isto é, fazer com que o trânsito flua e que não haja morosidade na sua fluidez. É bom lembrar que só existe trânsito quando efetivamente está havendo movimento (fluxo), pois o verbo transitar está diretamente relacionado com a mobilidade. Os diferentes fatores que interferem nesse desejo de fluidez, certamente são adversidades ao trânsito e obviamente devem ser pensados, mas não são prioridade para o trânsito. Por exemplo, a arborização urbana não é um problema do trânsito, mas interfere diretamente nele, constituindo-se numa adversidade à fluidez. A segurança dos pedestres e dos motoristas, a educação dos pedestres e dos motoristas também interferem na fluidez do trânsito. Todas essas coisas são adversidades aos interesses do trânsito e não devem ser as prioridades para o trânsito, até porque existem outros setores que devem cuidar dessas atividades. É claro que o trânsito deve estar em concordância com esses fatores, porém eles não podem ser as prioridades do trânsito como querem alguns. Até, porque, se for assim, não há necessidade nenhuma de existir um Departamento ou Secretaria de Trânsito.
Vejam bem, eu não estou dizendo que Segurança e Educação não são importantes para o trânsito. Eu estou dizendo que essas atividades são secundárias ao interesse primário do trânsito. Obviamente que temos que ter segurança e educação no trânsito, mas isso, embora necessário, não é prioritário para o trânsito em si. Uma característica oriunda de outro setor deve ser pensada e tratada em comum acordo com o outro setor, mas há de existir um ponto de estabilidade média entre ambos os setores envolvidos. A Educação para o Trânsito é quem deve estabelecer os critérios, os limites e mesmo os mecanismos de orientação de pedestres e motoristas. O guarda ou agente de trânsito deve orientar, mas não pode querer ser o “dono da verdade”, até porque, na maioria das vezes eles são jovens que pouco ou mesmo nunca dirigiram diuturnamente e não têm experiência prática como motoristas.
Enfim, dirigir é uma tarefa complicada, que depois de muita prática parece ser simples e algumas vezes até prazerosa. Pois é, essa tarefa, além de cada vez mais perigosa, também está ficando chata, desagradável e terrivelmente mais complicada do que sempre foi. O pior de tudo é que os carros são melhores, as vias são melhores, a educação é melhor, tanto para pedestres como para motoristas, a sinalização é melhor. Enfim, a única coisa que piorou foi a qualidade de quem organiza e orienta o trânsito, principalmente nas pequenas cidades.
Aqui no Vale do Paraíba, só para dar uns exemplos, sugiro que as pessoas venham conhecer o trânsito de Guaratinguetá. Uma cidade média com um centro velho, cheio de ruas estreitas, que quase não possui sinais de trânsito, nem lombadas, nem valetas e que o trânsito funciona muito bem, perto de outras tantas que conheço na região. Lorena é uma cidade cheia de bicicletas e de ruas de paralelepípedos, onde a velocidade é efetivamente baixa, mas o trânsito flui relativamente bem. Faz pouco tempo que a Prefeitura criou uma coisa absurda: uma rua no centro (que antes era a rua principal da cidade, por onde passava todo o trânsito) e que agora só pode passar um carro, pois suas margens são para ciclistas, pedestres e também para estacionamento, mas mesmo assim o trânsito flui bem, porque não existem sinais desnecessários atravancando o trânsito. São José dos Campos, apesar dos cerca de 700 mil habitantes, tem um trânsito melhor que muitas cidades da região, porque o trânsito da cidade é bem planejado e sinalizado, além disso o anel viário facilita muito o deslocamento dos veículos pelas diferentes regiões da cidade. Em Caçapava, o trânsito começou a melhorar nas áreas centrais porque vários sinais de trânsito incoerentes que existiam, começaram a ser desligados ou mantidos em atenção, mas ainda existem algumas coisas sem sentido no trânsito da cidade que podem ser melhoradas. Enfim, vários são os bons exemplos, mas ainda há muito por fazer.
Por outro lado, Aparecida tem uma avenida de mão única e com faixa extra de acostamento, fora do centro da cidade, com cerca de 4 quilômetros, mas cuja velocidade máxima é de 40Km/h e ainda por cima cheia de radares e lombadas, o que não faz o mínimo sentido, a não ser como fonte adicional de renda para a Prefeitura através da aplicação de multas aos turistas desavisados. Nessa mesma cidade, outra avenida que atravessa grande parte extremamente populosa, cuja faixa da direita serve de estacionamento e que ainda é repleta de áreas comerciais tem o mesmo limite de velocidade. Quer dizer, ou uma das avenidas está com limite abaixo ou a outra está com limite acima do que deveria ser, o que não pode é ter a mesma velocidade nas duas, haja vista que são ambientes de trânsito tão diferentes. Na cidade de Jacareí, as avenida que ligam a cidade com a Dutra, têm excessivos radares e sinais e por outro lado falta sinalização para as pessoas que não conhecem a cidade. Em Taubaté, com as ruas estreitas do centro, o trânsito é historicamente caótico e quanto mais se mexe, mais a coisa complica e agora, por conta de uma série de novos erros, a complicação atingiu também outras áreas mais afastadas do centro.
Enfim, o trânsito das pequenas cidades da região pode e deve melhorar, mas essa melhora está na relação direta da qualidade educacional e prática do motorista e do bom senso do dirigente de trânsito das cidades. É preciso exigir a formação de bons motoristas e acabar com técnicas de trânsito importadas das cidades grandes, pois só assim poderemos ter um trânsito mais confiável e compatível com a dimensão real de nossas cidades. Talvez dê um pouco mais de trabalho, mas certamente não é impossível produzir um trânsito de qualidade e efetivamente menos perigoso nas cidades da região.
Luiz Eduardo Corrêa Lima
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