Resumo: Neste artigo estou procurando chamar a atenção da sociedade sobre a fragilidade e a desvalorização da vida humana na atualidade. Tento demonstrar que a humanidade se perdeu e que a vida humana passou a ser mera contingência da existência e não faz nenhum sentido. A vida se resume unicamente a trabalhar e continuar vivendo à espera da morte.
Atualmente ter algum conhecimento acima da média, embora ainda não seja considerado crime e nem pecado, certamente já é algo desinteressante ou, pelo menos, pouco desestimulante e constrangedor. Se você demonstra que sabe alguma coisa numa determinada área já lhe tacham como um sujeito presunçoso, que pensa ser uma “enciclopédia ambulante”. Hoje saber sobre algo não parece ser uma coisa boa. E como foi que chegamos nesse lamentável nível?
Bem existem várias maneiras de tentar explicar a questão, mas vou ser bastante direto e resumir tudo numa única frase. Hoje, o que vale é a capacidade que o indivíduo tem de fazer alguma coisa. Não importa quem ou o que seja ele, desde que ele se disponha a assumir uma determinada tarefa, com o sem conhecimento, ele tem utilidade à sociedade. Na verdade, sempre foi assim, mas antes, se colocavam níveis de diversidade e esses níveis eram baseados no conhecimento. Hoje, o conhecimento é o que menos importa.
Assim, se o indivíduo faz alguma coisa. Não precisa saber exatamente o que é essa coisa, basta fazê-la, que esse indivíduo terá o seu espaço como ator social garantido. Se o espaço é bom ou ruim é outra questão, mas existe a garantia desse espaço. É tudo muito simples, mecânico e automático. Se faz serve e se pensa não serve. Por conta disso, temos presenciado um progressivo emburrecimento intelectual coletivo da humanidade. Pior é que tem muita gente acreditando que esse é um bom negócio.
As escolas, principalmente as Instituições de Ensino Superior – IES, deixaram de ser centros formadores de pessoas e passaram a ser “grande linhas de montagens de robôs”. Estudantes viraram autômatos ou simulacros de seres humanos. Os simples e importantíssimos atos de pensar e refletir não tem mais sentido e nem significância na escola e muito menos nas diferentes atividades das vidas humanas, mormente a partir da Pandemia do COVID 19.
Acabaram a poesia, o belo, o amor e o lirismo. Agora é na base do “fazejamento” sem entendimento. Se até existe planejamento da ação, esse planejamento se apoia no para quê e no como, mas não considera importante o porquê e nem considera saber ou se preocupar com ele. O conhecimento perdeu a importância e o sujeito culto em alguma área chega quase a ser pecaminoso, além de chato e acaba ficando numa situação vexatória.
Há uma total inversão de valores. Assim, se o sujeito faz alguma coisa ele já é bom, mas se esse sujeito é apenas bom, então ele não presta, porque não serve à sociedade. É como se servir à sociedade fosse apenas fazer algo concreto para ela, como prestar um favor qualquer. O fazer simplesmente superou o ser, que já havia sido superado também pelo ter. Em suma a pessoa hoje está em terceiro lugar, depois da coisa e do custo. Que espécie de homem estamos produzindo? Que sociedade construímos?
A vida humana perde importância e cada vez mais o ser humano conhece menos de outro ser humano. Não existe fraternidade efetiva entre os seres humanos. Ou seja, a humanidade caminha a passos largos para o fim, nesse mundo estranho e desconexo que estamos estabelecendo. A lógica do mundo atual diz, mais ou menos, assim: “o novo (moderno e tecnológico) tudo pode e faz, enquanto o velho (antigo e detalhado) que se dane, porque só faz o que pode, sem transcender a lógica do conhecimento”.
Ora, quem vai contar a história que está dentro do computador? Alguns dirão: o próprio computador, mas isso é falso, porque o computador apenas guarda a informação. O computador não fala e não questiona, ao contrário, ele só responde às perguntas. Alguém já disse, responder é fácil, difícil é fazer perguntas. Pois então, ficarão faltando as perguntas, porque os novos não pensam e certamente isso não é uma incapacidade ou um defeito natural, é apenas um modismo, um mal jeito da nossa sociedade deturpada, que deu ao jovem muito poder, antes de lhe cobrar qualquer dever. É sabido que o excesso de liberdade traz preguiça, ociosidade e libertinagem. Onde vamos parar?
A vida humana atual, se resume em “trabalhar” (produzir) e “brincar” (divertir). Não há mais reflexão e nem contemplação. A felicidade tão sonhada pelos “velhos” é apenas mais um produto que sai da linha de montagem e que se consome muito rapidamente. Sonhos são violências mentais que precisam ser reprimidos, numa realidade sempre mentirosa de que a imagem da pessoa é sempre mais que a própria pessoa. A coisa que eu faço (represento) é mais importante que aquilo que eu sou, isto é, o personagem suplanta a pessoa do ator.
Aliás, cumpre lembrar, imagem é tudo nessa sociedade fotográfica, cinematográfica e visual que hoje vivemos. Não importa a canalhice, pois o importante é manter a boa imagem. Ninguém quer efetivamente saber de nada, além daquilo que possa lhe trazer alguma vantagem mercantil imediata e ilusória. O ser humano virou migalha do egoísmo e trabalha ativamente para que essa migalha vire pó e que desapareça no ar como fumaça. O ser humano está cada vez mais estranho e menos humano.
Desde que o sujeito faça alguma coisa “útil” para si próprio e para o seu grupo de interesse, ele pode tudo. Ninguém precisa e nem deve pensar e refletir sobre a sociedade atual, basta fazer e continuar sempre fazendo aquilo que lhe mantém na condição, de acordo com os interesses próximos. Já viramos máquinas de traquinagem e embustice há muito tempo.
O maior problema é que a educação e os educadores também estão nessa situação de picaretas de plantão ao desserviço da sociedade, alguns por descrédito, outros por conivência e outros ainda por isonomia ou por quaisquer ideais sociais infelizes e impraticáveis dentro da condição fraterna que deveria existir entre seres humanos. Infelizmente, a escola, mormente as IESs, como já foi dito, mas que precisa ser ressaltado, está progressivamente deixando de preparar seres humanos (pessoas) e ninguém quer perceber esse fato.
Uma máscara imaginária cobriu o rosto de todos e a capa do super-homem fez com que o ser humano ligado à educação, queira ser apenas um super-herói de si mesmo, sem caráter e sem causa social comum. Ou seja, e escola hoje é um arremedo do herói que historicamente foi e que deveria continuar sendo. A escola deveria ser a fonte de resistência da boa conduta social e não o avesso disso, como tem acontecido ultimamente.
Muitas escolas viraram balcões de negócios para alguns e espaços de arbitrariedades para outros, quando deveriam ser centros de prosperidade e integridade para todos. Voluntarismo, benemerência, filantropia, que foram palavras costumeiras nas escolas, hoje, salvo raras e insignes exceções, só são encontradas nos dicionários, que ninguém mais lê e quando lê se assusta, porque não conseguem conceber os seus significados. Onde vamos parar?
Nesse exato momento, vivemos numa Pandemia, onde milhões de pessoas já morreram pelo mundo afora, mas a grande maioria dos “seres humanos” não está nem aí e continua brincando com a vida e com a sociedade, como se tudo fosse muito simples e burlescamente divertido. O natural se confunde com a vulgar e o trivial com o ordinário. Nesse mundo da imagem fotográfica, a vida humana é apenas um mero detalhe perdido na história, onde o que vale é a artificialidade e a necessidade de aparecer sempre mais, para agradar o ego e a alguns afetos e interessados.
Os poderosos brincam com a população que se deleita ou se perde em falsas notícias de soluções mágicas e muito duvidosas. Como consolo, muitos ainda dizem, para reforçar a crença, “tudo bem, a vida é assim mesmo e se eu não morrer, chego lá”. Mas, onde fica lá? Isso ninguém sabe e nem explica! Na verdade, não existe projeto, nem rumo de viagem e muito menos existe o porto de chegada.
Não há esperança, além do não morrer ou do morrer mais tarde possível. Viver é uma simples questão cotidiana ilógica e impensada desse ser humano indolente e cada vez mais frio e menos humano. A realidade mais dolorosa já não causa dor nenhuma, nesse infeliz e aí ele diz: “amanhã, se eu ainda estiver vivo e tiver condições, vou pensar em fazer alguma coisa pela sociedade, mas hoje eu só quero trabalhar, ganhar dinheiro e me divertir”. É triste, mas esse ser existe e ele é fisicamente semelhante a qualquer outro ser humano. Entretanto, falta-lhe exatamente a humanidade. Não há nenhum projeto, além do hoje e do agora.
Que os “velhos” pudessem pensar assim, eu, mesmo não concordando, até entenderia, porque a maioria deles já viveu bastante. Esses “velhos” já fizeram suas histórias, contaram outras e certamente já deram a sua colaboração à sociedade de várias maneiras. Mas, os “jovens” necessitam agir de maneira diferente. No entanto, são exatamente os “jovens” que estão agindo como “velhos” nesse mundo incoerente e insano que só emburrece e se torna insistentemente mais desumano.
São “jovens” que estão destinados a permanecer nesse mundo sem história e sem sentido. Ou melhor, são “jovens”, que embora conheçam as escolas, estão totalmente desorientados na vida e cujo único objetivo é o próprio umbigo, ou, quando muito algum umbigo próximo e comum. Todos esqueceram e apagaram o que já existe e criam outra realidade a partir do nada, como se o passado, mesmo o deles, nunca tivesse existido. Entendem o futuro como uma simples continuidade contingencial do presente, que não precisa de nenhuma programação.
Não há sonhos e nem planos, existe apenas conformidade de que tudo vai acabar mesmo, dentro de um niilismo tão profundo que assustaria o próprio Nietzsche. Então, para esses “jovens” não há nenhuma coerência e nem faz sentido pensar no bem, pois a morte é certamente o único sentido da vida. E Deus e a religiosidade, onde ficam nessa história? Infelizmente, Deus também é só mais um detalhe insignificante e quase desprezível para a grande maioria.
Nem Deus e nem as religiões têm conseguido mudar o caos, haja vista que mesmo nessas questões religiosas, apenas dois lados atuam significativamente: os fanáticos e os descrentes, que agem de maneira a manter a condição imperante. Por outro lado, a grande maioria, que transita entre os dois extremos citados, simplesmente não se envolve, possivelmente, porque em algum momento da história, alguém disse: “religião não se discute”. Os “jovens” estão perdidos e ainda não sabem, porque eles acreditam piamente que estão bem, permanecendo longe da discussão religiosa.
Meus amigos, como eu já disse, aparentemente estamos caminhando para o fim e voltando ao caos. Quer dizer, está parecendo que o juízo final será semelhante ao caos inicial. A pandemia do COVID 19 resplandeceu a ironia de Voltaire e todo mundo está podendo dizer e fazer o que quiser numa desordem generalizada. O mundo emburrece, muita gente diz coisas, mas ninguém está fazendo realmente nada para mudar esse quadro lamentável. Ou a humanidade reencontra o fio da história e começa a agir em prol da recuperação dos verdadeiros valores humanos ou o juízo final está mais próximo do que muitos podem pensar.
LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA (66) é Biólogo, Professor, Pesquisador, Escritor, Revisor e Ambientalista